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A cegueira das civilizações

Veja, Idéia, p. 102-108
Autor: DIAMOND, Jared
07 de Set de 2005

A cegueira das civilizações
Jared Diamond diz que o sucesso de sociedades do passado não as deixou ver o perigo ambiental criado por elas próprias. Ele teme que isso se repita

Diogo Schelp

O homem nunca tirou tanto do meio ambiente como nos últimos cinqüenta anos. O avanço acelerado sobre a natureza é o efeito colateral do nosso sucesso. Vista pela perspectiva dos avanços relativos de cada civilização, a nossa exibe brilho sem igual. A fartura inédita de alimentos, a tecnologia para salvar vidas e colocar foguetes na Lua e a compreensão científica dos fenômenos naturais nunca foram maiores. A contrapartida preocupante são a perda acelerada de biodiversidade e a degradação do meio ambiente, a pressão sobre os estoques de água potável, o excesso de pesca nos oceanos e indícios de mudanças climáticas causadas pela ação do homem. O que esse processo mostra é que os recursos naturais podem estar sendo consumidos em velocidade maior que a de reposição do planeta. Há o risco de não sobrar o suficiente para as gerações futuras.
A respeito disso, vale a pena prestar atenção no que diz o americano Jared Diamond. Geógrafo da Universidade da Califórnia, ele é autor de um livro de grande repercussão, Armas, Germes e Aço, lançado há seis anos. Nele, explica como fatores ambientais influenciaram a ascensão de muitas civilizações. Dessa maneira, a disponibilidade de animais e plantas passíveis de ser domesticados ajuda a explicar por que o Ocidente conquistou o restante do mundo - e não o inverso. Ou, em outras palavras, por que foram os espanhóis que desembarcaram no México, e não os astecas na Espanha. Mais recentemente, Diamond estudou o declínio e o sucesso de várias sociedades do passado e acredita ter encontrado um padrão na catástrofe: o desastre ambiental provocado por elas foi decisivo no próprio declínio. A queda de um povo nunca é o resultado de um único fator, diz o geógrafo. Ele pode simplesmente ser aniquilado por um invasor poderoso. Outras vezes, o colapso é provocado pela perda de uma conexão vital - um freguês tradicional para seu único produto de exportação, por exemplo. Pode ocorrer uma mudança climática ou um desastre natural. O elemento isolado mais poderoso, contudo, pelo menos nos exemplos estudados, foi a degradação ambiental. Quando a população cresce, em decorrência do sucesso da sociedade, a pressão por alimento se torna excessiva para os recursos naturais. O resultado é a fome, que leva à desagregação social e a guerra civil.
De qualquer forma, no seu entender, a questão mais importante é o modo com que a sociedade reage aos quatro problemas citados. O sucesso pode cegar as pessoas para os riscos de seu próprio comportamento. Os mesmos valores que permitiram a ascensão daquele povo podem igualmente levá-lo à ruína. O exemplo dessa situação, apresentado pelo geógrafo, não é do passado, e, sim, dos nossos dias. A cultura do consumo permitiu a criação do grau de riqueza da sociedade moderna. O risco é o de que os recursos naturais não dêem conta de atender à demanda, fazendo com que a sociedade volte atrás. Diante da necessidade de alimentar uma população crescente, a civilização maia, a mais brilhante entre as pré-colombianas, devastou a mata, expondo a terra à erosão. Por fim, as colheitas fracassaram e a fome dizimou a população. Envolvidos em guerras permanentes e golpes de Estado, os reis maias não foram capazes de pensar nas gerações futuras.
Diamond acredita que o mesmo tipo de desatenção para com o futuro possa estar ocorrendo atualmente. Há realmente sinais inequívocos de como o homem moderno já está sendo prejudicado pelo uso depredatório que faz dos recursos naturais:
O consumo de água cresceu seis vezes no último século, em grande parte para aumentar a produção de alimentos. O resultado foi a redução da oferta de água para uso humano. Um terço da população mundial vive em regiões com escassez de água, proporção que deve dobrar até 2025. Metade dos africanos, asiáticos e latino-americanos sofre de alguma doença relacionada à falta de acesso a uma fonte de água limpa.
O uso de petróleo aumentou sete vezes nos últimos cinqüenta anos. A queima de combustíveis fósseis contribui para a poluição do ar, que, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde, mata 3 milhões de pessoas por ano.
Os gases emitidos por automóveis, pela indústria, pela decomposição do lixo e pelo desmatamento de florestas tropicais contribuem para acelerar o aquecimento global. Nas últimas décadas, a temperatura média do planeta subiu 1 grau. Como resultado, 40% do gelo do Ártico derreteu no último meio século, fazendo subir lentamente o nível dos oceanos. O desequilíbrio climático traduziu-se também em maior quantidade de secas em algumas regiões e inundações em outras.
A exploração do estoque dos principais peixes de valor comercial ultrapassou a capacidade de reposição da espécies. A pesca industrial já reduziu em 90% a população dos grandes peixes oceânicos.
Um quarto da área terrestre é usada, hoje, para a produção de alimentos (agricultura e pecuária). Como as melhores áreas para a agricultura já estão em uso há bastante tempo, a fertilidade do solo caiu 13% nos últimos cinqüenta anos. Com isso, tornou-se necessário o uso de maior quantidade de adubos químicos e o avanço sobre terras periféricas ou ocupadas por florestas. Um quinto da Amazônia brasileira já desapareceu neste século.
O paradoxo é que a mesma eficiência em explorar - e, por conseqüência, danificar - os recursos naturais foi o que permitiu à humanidade atingir o padrão atual de conforto. Nunca o ser humano levou uma vida tão boa. Nas últimas quatro décadas, a renda per capita mundial triplicou. A proporção de pobres diminuiu. Jamais uma parcela tão grande da população mundial teve igual acesso a serviços básicos de saúde, alimentação e moradia. A expectativa média de vida passou de 50 para 79 anos em um século. Entre 1960 e 2000, a população mundial dobrou (de 3 para 6 bilhões) enquanto a economia cresceu seis vezes. Duas forças exercem maior pressão sobre o planeta: o crescimento da população global e a melhoria no nível de vida dos moradores dos países pobres. A ONU estima que em 2050, atingiremos o ápice populacional, com 8,9 bilhões de pessoas.
Um dos dilemas existenciais da atualidade é o seguinte: quantas pessoas vivendo com padrões de consumo do Primeiro Mundo o planeta é capaz de sustentar? "A natureza não poderá dar conta sequer dos atuais níveis de consumo, que dizer se 1 bilhão de pessoas, a maioria na China, tiverem acesso à sua primeira geladeira nos próximos dez anos", disse a VEJA o americano Stuart Pimm, especialista em políticas ambientais da Universidade Duke, nos Estados Unidos. "A solução para o problema não é barrar o desenvolvimento econômico, mas tomar decisões mais espertas em relação ao meio ambiente e evitar os desperdícios", completa Pimm. Várias características nos distanciam das sociedades estudadas por Diamond. Tratavam-se de povos isolados, a maioria deles em ilhas ou no meio de florestas impenetráveis, bem diferentes da sociedade global em que vivemos. Em nenhuma outra época alcançou-se o conhecimento que temos agora da relação de causa e efeito existente entre a nossa interferência na natureza e o modo com que isso pode nos atingir. As sociedades do passado não tinham conquistado a tecnologia que hoje nos permite enfrentar e solucionar os problemas ambientais. A tecnologia pode salvar a civilização.
"A humanidade não precisa voltar a andar de carroça para evitar a destruição dos recursos naturais", disse a VEJA o biólogo americano George Woodwell, um pioneiro da ecologia moderna. "Basta mudar um pouco os hábitos atuais de desperdício e substituir as tecnologias poluentes." Woodwell foi um responsáveis pela descoberta dos efeitos nocivos do DDT, nos anos 60. O produto foi proibido nos Estados Unidos na década de 70 e, em 1985, no Brasil. Quatro décadas atrás, o avanço na tecnologia agrícola multiplicou a produção de alimentos e permitiu o aumento da população mundial. Chamou-se a isso revolução verde. A parte negativa foi o uso indiscriminado de produtos químicos, entre eles alguns inseticidas que depois se mostraram devastadores para a saúde humana e para o meio ambiente, como o DDT.
Isso foi resolvido com novas gerações de defensivos e com o melhoramento genético das sementes, os chamados transgênicos. São lavouras que reduzem sensivelmente a necessidade de insumos químicos. Outro exemplo é a queima dos derivados de petróleo, cujos gases estão entre os maiores responsáveis pelo aquecimento global. Melhorias tecnológicas permitiram que o consumo total de combustível, em relação ao produto interno bruto dos Estados Unidos, tenha caído a quase a metade desde 1973. Os combustíveis fósseis terão de ser substituídos por fontes alternativas de energia, pois a estimativa é a de que o consumo só possa ser mantido, nos níveis atuais, por mais meio século. A tecnologia para isso - fissão nuclear, energia eólica ou a célula a hidrogênio - já existe. Nem sempre é simples convencer uma sociedade a mudar seus hábitos. "As pessoas têm dificuldade em se preocupar com questões que parecem muito distantes e incertas, como o aquecimento global", disse a VEJA o jurista americano Richard Posner, autor de Catástrofe - Risco e Resposta. Nesse livro, ele analisa as possibilidades de a humanidade vir a ser aniquilada por cataclismos naturais ou causados pelo homem.

A diferença entre o sucesso e o desastre
O modo como as sociedades respondem aos problemas de escassez de recursos naturais define, em muitos casos, se elas sobrevivem ou entram em colapso
Sucessos
Japão
O problema
No século XVII, um período de paz e prosperidade econômica levou ao crescimento da população e da demanda por madeira para construir casas e para ser usada como lenha. O desmatamento desmedido causou escassez de madeira
O que foi feito
Os xoguns estabeleceram normas para dificultar a extração de madeira. Foram criados programas de reflorestamento.O carvão substituiu a lenha no aquecimento doméstico e nas cozinhas
Resultado
Apesar de ser um dos países de maior densidade populacional, o Japão tem 70% de sua área coberta por florestas

Nova Guiné
O problema
Milhares de anos de agricultura devastaram as florestas da Nova Guiné e a erosão do solo fez cair a produtividade. Com o aumento da população, a procura por madeira para as construções e o uso doméstico cresceu
O que foi feito
No século IX, a população plantou mudas de árvores retiradas do leitodos rios em meio às áreas de cultivo agrícola. A espécie escolhida, a casuarina, ajuda a fixar nitrogênio no solo, deixando-o mais fértil
Resultado
Os moradores da Nova Guiné sobrevivem há mais de 7 000 anos praticando a agricultura de maneira sustentável

Fracassos
Maias
O problema
A destruição da floresta para abrir espaço à agricultura provocou a erosão do solo. Isso, aliado a secas e guerras, levou à redução na produção de alimentos e à fome
O que foi feito
Envolvidos em disputas internas pelo poder, os reis maias isolaram-se do resto da sociedade e continuaram a cobrar impostos pesados dos camponeses
Resultado
Em apenas 150 anos, a mais desenvolvida das sociedades pré-colombianas perdeu 90% de sua população e a selva cobriu suas cidades e templos

Ilha de Páscoa
O problema
As árvores foram derrubadas para abrir espaço para lavouras, fornecer material para a confecção de canoas e para arrastar imensos ídolos de pedra. A destruição da mata levou à erosão do solo e à extinção de muitos animais
O que foi feito
O desmatamento continuou. Os caciques optaram por construir ídolos ainda maiores, com a esperança de que os deuses resolvessem a crise
Resultado
A ilha perdeu todas as suas árvores e as fontes de alimento se esgotaram. No século XVII, a sociedade ruiu em uma série de guerras civis e os sobreviventes tiveram de comer ratos e recorrer ao canibalismo

O teórico do colapso
Em Armas, Germes e Aço, lançado em 1999, o geógrafo Jared Diamond explicou por que a Europa dominou o mundo. Em seu novo livro, Colapso, há trinta semanas na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos, ele analisa o que leva as sociedades ao fracasso. Aos 68 anos, Diamond, da Universidade da Califórnia, concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
O SENHOR DIZ QUE O COLAPSO OCORRE, EM GERAL, QUANDO AS SOCIEDADES ESTÃO NO AUGE. POR QUÊ?
O colapso tende a ocorrer no auge do poder porque é justamente quando a sociedade tem a maior população, o que exige uma quantidade cada vez maior de recursos retirados da natureza. Os recursos esgotam-se com rapidez e ela se torna vulnerável a calamidades. Em geral o colapso é repentino, porque os problemas são relacionados. Em termos simples, significa que a incapacidade de produzir alimentos suficientes leva a revoltas populares, que, por sua vez, causam a derrubada de governantes e guerras civis.
POR QUE HÁ SOCIEDADES CAPAZES DE PLANEJAR A LONGO PRAZO, EVITANDO A DESTRUIÇÃO DE SEUS RECURSOS NATURAIS, E OUTRAS NÃO?
Um fator é o tipo de problema ambiental enfrentado. O Japão tinha um grave problema de desmatamento no século XVII. Mas se trata de uma ilha bastante úmida e com muita chuva. Lá as árvores crescem com bastante rapidez. Já na Ilha de Páscoa, onde a civilização rapa nui devastou os bosques, o clima é seco. A mata demora para se restabelecer. Outro fator é a maneira como a sociedade reage diante da devastação do meio ambiente. Os japoneses tentaram resolver o problema, pois tinham consciência de que seus filhos iriam precisar daqueles recursos. Os polinésios da Ilha de Páscoa não pararam até arrancar a última árvore.
ATÉ QUE PONTO OS VALORES CULTURAIS DETERMINAM SE UMA SOCIEDADE SERÁ CAPAZ OU NÃO DE LIDAR COM O USO CORRETO DOS RECURSOS NATURAIS?
Os valores culturais de fato têm influência no sucesso de uma sociedade. O maior perigo está em valores culturais que funcionaram bem durante séculos e, de repente, deixam de ser adequados às mudanças. Nesse caso, os valores que antes eram positivos e ajudaram aquela sociedade começam a atrapalhar. O exemplo são os Estados Unidos. O país enriqueceu e se tornou o mais rico do mundo sendo consumista. Isso funcionava muito bem enquanto ele dispunha de recursos infinitos. Hoje, o hábito cultural americano de consumo exacerbado pode comprometer seriamente nossa sobrevivência.
POR QUE, MESMO QUANDO IDENTIFICAM UM RISCO AMBIENTAL, ALGUMAS SOCIEDADES RELUTAM EM PROCURAR UMA SOLUÇÃO PARA ELE?
A pergunta poderia ser: por que existem sociedades que aprendem com os erros enquanto outras não? O fato é que, muitas vezes, há conflitos de interesse que impedem as autoridades de tomar atitudes para evitar o colapso. Algumas pessoas ficam ricas causando o problema ambiental, enquanto o restante da sociedade sofre com ele. Se esses indivíduos fazem parte do governo ou o influenciam, fica difícil resolver a questão.
O FATO DE VIVERMOS EM UMA SOCIEDADE GLOBALIZADA SIGNIFICA QUE O COLAPSO DE UMA SOCIEDADE IMPORTANTE PODE SE TORNAR GLOBAL?
Sim. Os atentados de 11 de setembro de 2001 contra o World Trade Center, nos Estados Unidos, tiveram reflexos políticos e econômicos sobre outras sociedades. Não chegaram a causar um colapso, mas ilustram como o que acontece em uma nação importante tem potencial para afetar o restante do mundo. Se um país grande, como os Estados Unidos, entrar em declínio, isso com certeza afetará o resto do planeta.

Íntegra da entrevista

VEJA - O que há em comum entre os seus dois livros de maior sucesso, Armas, Germes e Aço e Colapso?
Diamond - Os dois livros são sobre a importância do meio ambiente na história humana. Tanto do ponto de vista do que o meio ambiente dá de recursos para determinadas sociedades, como do ponto de vista do impacto dessas sociedades sobre o meio ambiente. Nos dois livros, não trato da história como algo linear e político, sobre o que o presidente disse ou sobre o que o vice-presidente fez, mas sobre as conseqüencias da água, das florestas, dos peixes e do solo sobre o sucesso ou o fracasso das sociedades humanas.

VEJA - Em seu livro, o senhor diz que há quatro causas que podem levar uma sociedade ao colapso. Uma delas é a destruição da natureza pelo homem e a outra a mudança climática. Quais são as outras duas?

Diamond - A terceira causa se refere à relação de uma sociedade com as sociedades amigas. Se há uma dependência comercial muito grande entre elas, o colapso de uma pode levar ao declínio da outra. A quarta causa é a relação da sociedade com seus inimigos. Uma nação pode cuidar muito bem de seus recursos naturais, mas o mesmo não acontecer com sociedades vizinhas. Isso pode levantar antigas rivalidades e levar a guerras e ao colapso das as sociedades envolvidas. Costumo dizer que há um quinto fator que determina o colapso ou não de uma sociedade, que é a maneira como ela reage às quatro causas anteriores. Uma vez que a sociedade criou impactos ao meio ambiente, que provocou uma mudança climática, que tenha nações inimigas ou amigas em colapso, é preciso ver se seus líderes e sua população saberão resolver esses problemas sem entrar em declínio.

VEJA - A população mundial cresce mais nos países pobres. Quais podem ser as consequencias disso no futuro?

Diamond - O crescimento da população nos países pobres terá conseqüências internas negativas, mas pouco impacto no mundo rico. As pessoas em países pobres não consomem muito. Elas não gastam muitos recursos e disperdiçam muito pouco. Por isso, o impacto dessas populações sobre a dilapidação dos recursos mundiais é pequeno. Para países pobres como Ruanda, Quênia ou outros países africanos, a taxa de crescimento populacional alta pode causar guerras civis, doenças, fome e genocídios. Foi o que aconteceu em Ruanda, em 1994. O mais preocupante não é o crescimento populacional nos países pobres, mas o crescente consumo em países mais desenvolvidos como os Estados Unidos, o Japão, a Europa ou até o Brasil. O americano médio consome 32 vezes mais recursos do que a média dos habitantes da Bolívia ou do Ecuador. Os países ricos têm um impacto maior sobre os recuros do mundo do que as pessoas dos países pobres.

VEJA - Há previsões de que a China vai dobrar o seu consumo per capita nos próximos anos. O mundo está preparado para isso?

Diamond - O mundo não está preparado para lidar com esse problema. Na verdade, mesmo que a China não aumente seu consumo per capita, o mundo já está gastando recursos a taxas insustentáveis. Nós não podemos continuar como estamos agora. Com a China crescendo e tentando alcançar os padrões de consumo dos países ricos, no entanto, o quadro catastrófico poderá ser antecipado. Com o consumo atual de petróleo, em 35 ou 40 anos deixaremos de ter energia barata. Se a China atingir o padrão de consumo dos países ricos, ficaremos sem petróleo barato em quinze ou vinte anos.

VEJA - O que pode ser feito para impedir isso?

Diamond - O que podemos fazer, antes de qualquer coisa, é parar de dar o mau exemplo para a China. Os chineses são influenciados pelo padrão de consumo ocidental. Eles vêm toda a riqueza que temos nos Estados Unidos, tudo o que consumimos, e querem fazer igual. Estamos dando o mau exemplo com nossa cultura do desperdício.

VEJA - O senhor acredita que no futuro teremos que viver com um padrão de vida mais baixo para resolver o problema da falta de recursos?

Diamond - Podemos evitar que isso aconteça, se tomarmos as decisões corretas. Podemos manter o padrão de vida que temos hoje se conseguirmos desperdiçar menos. Compare os Estados unidos com a Alemanha, um país rico. O padrão de vida na Alemanha é pelo menos tão alto como nos Estados Unidos, se não maior. A diferença é que os alemães consomem, por pessoa, metade do petróleo que os americanos. É possível ter um padrão de vida alemão, sem usar tanto petróleo como fonte de energia. O mesmo vale para os países escandinavos, que conseguem ter um alto padrão de vida sem desperdiçar tantos recursos naturais como os Estados Unidos. O mundo poderia extrair a mesma quantidade de madeira e de peixe que consome hoje, indefinidamente, se simplesmente fizéssemos um manejo de nossas florestas e de nossos mares. Basta controlar a retirada de madeira e de peixes, e mantê-la no nível atual.

VEJA - Como fazer para cuidar de recursos globais que não pertençam ao território de determinado país?

Diamond - Realmente, esse é um grande desafio. Recursos transnacionais são mais difíceis de controlar. O Brasil tem a Mata Atlântica, ao longo da costa brasileira, que fica toda dentro do território do país. O que acontece com a Mata Atlântica depende totalmente das decisões feitas por brasileiros. Já a exploração de atum no Oceano Atlântico, em mar aberto, não depende das decisões de um só governo. Não há nada que o Brasil possa fazer sozinho para tornar a pesca de atum sustentável, por exemplo. O atum está sendo depredado porque os países não conseguem chegar a um acordo sobre os limites da pesca em águas internacionais. Se nada for feito para proteger os recursos que estão além de fronteiras nacionais, não adiantará resolver os problemas ambientais internos dos países.

VEJA - O governo dos Estados Unidos não assinou o protocolo de Kioto com o argumento de que isso iria diminuir o crescimento econômico do país. O senhor concorda?

Diamond - O argumento de que prevenir o aquecimento global iria barrar o crescimento econômico é absolutamente sem sentido e estúpido. É o contrário. Se não resolvermos o problema do aquecimento global, teremos um queda garantida no crescimento econômico. No oeste dos Estados Unidos, em uma área entre o Rio Mississipi e as Montanhas Rochosas, que inclui algumas das nossas áreas de agricultura mais ricas, há uma mudança climática que está trazendo problemas enormes para a produção de alimentos americana. A região está se tornando seca. A mudança climática, na verdade, impede o crescimento econômico. É só pensar em longo prazo para se dar conta disso.

VEJA - No seu livro o senhor descreve quatro categorias de erros que levam a decisões desastrosas para um sociedade: o fracasso em antecipar um problema, o fracasso de perceber um problema que já está acontecendo, o fracasso de tentar resolver um problema quando ele foi identificado e o fracasso em tentar encontrar um maneira de resolver o problema. O senhor poderia explicar um pouco sobre cada uma delas?

Diamond - Se qualquer dos seus leitores parar para pensar na própria vida, verá que qualquer problema pode ser resolvido em quatro etapas. Primeiro, ajuda se você conseguir antecipar o problema, antes que ele se torne muito sério. Por exemplo, se o Brasil hoje perceber que no futuro terá problemas sérios se continuar desmatando a Amazônia e tomasse atitudes sérias em relação a isso, estaria antecipando e impedindo um desastre. A segunda etapa é perceber a chegada de um problema e de suas causas em seu início. Alguns são mais difíceis de perceber do que outros, porque surgem muito lentamente. É o caso do aquecimento global. A maioria dos países, com a exceção notável dos Estados Unidos e da Austrália, aceitam que o aquecimento global é real e assinaram o protocolo de Kioto. Levou muito tempo para isso acontecer. Isso não significa que os líderes desses países são estúpidos. O que acontece é que o aquecimento global é difícil de detectar, porque as temperaturas sobem e descem de um ano para o outro. É preciso de um estudo de longo prazo para perceber a variação. Os cientistas tiveram que discutir muito sobre isso antes de chegarem a uma conclusão. A terceira etapa, que é a mais complicada, é quando, mesmo depois de um problema ser identificado, ninguém tomar uma atitude para resolvê-lo. A sociedade pode ter valores muito arraigados que a impede de mudar seus hábitos, mesmo que seja claro para todos que aquilo seja ruim para o seu futuro. Por fim, a quarta etapa: é preciso encontrar uma solução técnica viável para reverter um problema ambiental. E isso nem sempre é possível.

VEJA - Qual o papel da tecnologia na criação e, depois, na solução desses problemas ambientais?

Diamond - As pessoas costumam dizer que a tecnologia pode solucionar nossos problemas, lembrando todas as coisas maravilhosas que devem acontecer nos próximos 50 anos: talvez tenhamos uma nova tecnologia segura para a produção de energia nuclear, ou talvez tenhamos uma solução melhor de energia eólica, ou talvez tenhamos carros movidos a hidrogênio economicamente viáveis. É muita ingenuidade. Tecnologia é poder. Esse poder pode ser usado para o bem ou para o mal, para tornar as coisas melhores ou piores. A razão pela qual o mundo está em uma situação ecológica complicada está no uso que foi dado à tecnologia. A tecnologia nos causou problemas, da mesma maneira como solucionou alguns deles. É errado achar que, a partir de amanhã, a tecnologia só vai ser usada para diminuir a destruição dos nossos recursos.

VEJA - Os Estados Unidos são sempre alvo de uma especulação: até quando essa sociedade, que é a única superpotência mundial, vai ascender? Entrará algum dia em colapso? O senhor se arrisca a responder a essa questão?

Diamond - Sim, os Estados Unidos podem entrar em colapso e levar o mundo junto. Isso poderia acontecer se os grandes problemas que enfrentamos hoje não forem levados a sério: energia, florestas, peixes, petróleo, poluição... qualquer um desses problemas podem arruinar o mundo. Essa é a notícia ruim. A notícia boa é que todos esses problemas que nós, humanos, estamos causando, podem ser resolvidos. Basta querermos. E há muita gente nos Estados Unidos e ao redor do mundo buscando soluções. Veja - o exemplo da qualidade do ar. A minha cidade, Los Angeles, é a cidade com a pior qualidade do ar dos Estados Unidos. Nos últimos 30 anos, os americanos começaram a levar a questão da qualidade do ar muito a sério. E, apesar de o país ter mais gente e muito mais carros do que tínhamos 30 anos atrás, a qualidade do ar melhorou. Isso porque tomamos atitudes como aperfeiçoar os motores dos carros a gasolina. A qualidade da água também melhorou. Não sei se os Estados Unidos vão fazer mais coisas boas como essa ou se vão fazer coisas ruins. Saber que ainda dá tempo de tomar as decisões corretas, no entanto, já é um alento.

VEJA - Além do desmatamento e do aquecimento global, quais são os principais problemas ecológicos, causados pelo homem, que podem ser tornar críticos no futuro próximo?

Diamond - Alguns deles são: a pesca descontrolada, a destruição do solo, a escassez de água, o lixo tóxico, a poluição por pesticidas, a superpopulação mundial e o esgotamento dos recursos energéticos. De nada adianta o mundo resolver um desses problemas, mas não resolver os outros. O problema da água sozinho pode nos arruinar, assim como a impossibilidade de produzir energia barata. É preciso resolver todos os problemas juntos.

VEJA - O senhor teme que os seus filhos possam viver em um mundo pior?

Diamond - Sim, eu tenho esse temor. É possível que isso aconteça, mas sou otimista. Tenho dois filhos, gêmeos, de 17 anos. Se eu e minha mulher acreditássemos, 17 anos atrás, que o mundo seria pior no futuro, nunca teríamos tido filhos. Decidimos que havia grandes chances de o mundo se tornar melhor. Claro que isso é incerto. O mundo será pior ou melhor dependendo da capacidade do ser humano de resolver os problemas que ele mesmo cria. E essa é a minha motivação para escrever os meus livros. Espero que quando meus filhos tiverem a minha idade eles vivam em um mundo como a Noruega ou a Suécia, e não em uma Somália ou em um Iraque. Todos os problemas que enfrentamos podem ser resolvidos, se quisermos. O que não sei é se a humanidade vai realmente querer usar os recursos naturais com mais responsabilidade.

Veja, 07/09/2005, Idéia, p. 102-108

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