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Casa Civil suspende demarcação de terras indígenas no Paraná

Valor Econômico, Política, p. A8
08 de Mai de 2013

Casa Civil suspende demarcação de terras indígenas no Paraná

Por Fernando Exman, Bruno Peres, André Borges e Tarso Veloso | De Brasília

A Casa Civil pediu ao Ministério da Justiça a suspensão de estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) referentes à demarcação de terras indígenas no Paraná, em razão de divergências entre o estudo apresentado pelo órgão e a Embrapa local. O Paraná, Estado da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, deve ser só o primeiro de uma lista de outros Estados que passarão pelo mesmo tratamento.
A determinação do governo é ouvir todos os órgãos envolvidos na discussão sobre demarcação de terras indígenas no país, sobretudo por envolver conflitos de interesses. Em outras localidades (Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul), os processos ainda estão em curso, mas também poderão ser suspensos caso haja divergência entre os estudos dos respectivos órgãos, de acordo com a Casa Civil. Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário também deverão se manifestar sobre as demarcações.
A ministra adotará hoje, durante audiência da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados sobre a questão indígena, um discurso que buscará neutralizar as críticas da bancada ruralista ao Executivo. O governo federal sinalizará que, ao analisar as demandas de grupos indígenas, não deve prejudicar direitos adquiridos dos setores que hoje vivem nas terras pleiteadas pelos índios.
Na Câmara, Gleisi chegará ao colegiado "desarmada", e deve defender uma "nova mentalidade" na política de demarcação de terras. Ela foi convocada pela comissão para prestar esclarecimentos sobre a identificação e delimitação das terras indígenas no Brasil, num sinal claro de descontentamento dos parlamentares da bancada do agronegócio. Alguns desses deputados integram partidos da base aliada.
A ministra da Casa Civil deve dizer aos deputados que as grandes demarcações já ocorreram nas regiões Norte e Centro-Oeste. Reconhecerá que há ainda questões pontuais a serem resolvidas, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, onde diversas áreas demandadas por grupos indígenas já foram ocupadas há muito tempo. Para o governo, porém, o papel do Estado nesses casos deve ser o de mediar conflitos e atender as demandas indígenas, sem prejudicar direitos adquiridos.
Atualmente, há 14 terras indígenas em processo de homologação pela Funai. Outros nove processos já passaram pelo crivo da fundação e foram encaminhados ao Ministério da Justiça. Para que passassem a valer, bastaria agora uma assinatura do ministro José Eduardo Cardozo, liberando o decreto homologatório. Algumas dessas terras aguardam a conclusão desse processo há cerca de 15, 20 anos.
Por conta da tensão em torno do assunto, os índios não estão dispostos a ver de longe o que será discutido hoje no Congresso. Apesar de o encontro com Gleisi ter sido convocado pela bancada ruralista, um grupo de lideranças e movimentos ligados aos índios fizeram pedidos de credenciamento para acompanhar a audiência na Câmara. O número de credenciais aos índios não deverá ultrapassar 30 lugares.
Entre as reivindicações dos ruralistas está a retomada da portaria 303, da Advocacia-Geral da União (AGU), que autorizaria o governo a tocar obras de infraestrutura, como rodovias, hidrelétricas e linhas de transmissão, dentro das terras indígenas demarcadas. Os agricultores também cobram o avanço da proposta de emenda constitucional (PEC 215), que retirava da Funai a atribuição de demarcar terras indígenas, passando essa missão para as mãos do Congresso. A Funai e o próprio governo se manifestaram contrários à proposta, sob alegação de que a mudança é inconstitucional. A criação de uma comissão especial para analisar a PEC 215 foi o que motivou a ocupação do plenário da Câmara por aproximadamente 700 índios, no mês passado. "Os índios invadiram o plenário e conseguiram diversas bondades do governo", disse o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS). Para os ruralistas, Gleisi é "a pessoa certa no governo para resolver o problema".
A forma com que o governo tem conduzido a discussão entre indígenas e ruralistas, além do complicado processo de licenciamento ambiental de grandes projetos pelo país, é alvo de críticas de membros do próprio PT. Para o deputado federal Padre Ton (PT-RO), que preside a Frente Parlamentar pelos Povos Indígenas, o governo tem sido "omisso" e "colocado o carro na frente dos bois" quando se trata de consultar os povos indígenas em processos de licenciamento. "Somos críticos à Funai pela falta de políticas para os índios. O governo também precisa melhorar sua ação nessa área", comenta. "Há uma falha muito grande de fiscalização sobre o cumprimento de ações compensatórias por conta do impacto de obras. Isso gera desgaste com todos os envolvidos."

Pré-candidata, Gleisi assume passivo indigenista

Por Mauro Zanatta | De Brasília

A convocação da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, pela Comissão de Agricultura da Câmara para tratar da política nacional de demarcação de terras indígenas marca o ápice de uma relação política tumultuada, e sem interlocução, entre a bancada ruralista e o Palácio do Planalto. Ao longo dos últimos anos, o governo assistiu à formação de um relevante passivo de iniciativas legislativas sem ouvir sua base parlamentar, cuja composição inclui a quase totalidade dos ruralistas, nem negociar o conteúdo de decretos, portarias, projetos de lei e propostas de emenda à Constituição. Foi levando até onde dava. E o limite foi a proposição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Fundação Nacional do Índio (Funai), alvo central dos questionamentos por centralização de poder.
Cobrada em suas bases eleitorais pelo recrudescimento dos conflitos envolvendo índios e produtores, e pressionada pelas movimentações para as eleições de 2014, a bancada ruralista escolheu a dedo a ministra para expressar sua contrariedade com a presidente Dilma Rousseff e sua equipe. Gleisi é pré-candidata ao governo do Paraná, um dos principais focos do problema, sobretudo na conflituosa região da faixa de fronteira com o Paraguai.
Em Guaíra, por exemplo, nas terras férteis outrora banhadas pelas Sete Quedas, índios guarani paraguaios estariam formando comunidades para forçar a desapropriação de 100 mil hectares, boa parte em área urbana do município. O governo diz não ter sido informado e ONGs especializadas não registram a movimentação. Perto dali, em Dourados (MS), o doloroso processo de ampliação da terra indígena guarani-kaiowá alimenta, há mais de 20 anos, ameaças de suicídio coletivo e mortes.
Na Comissão de Agricultura, a convocação da ministra passou por 25 votos contra 14. Oito dos 42 titulares são paranaenses. Apenas 13 são oposição a Dilma. Ou seja, um claro recado político de insatisfação dos governistas. E uma prévia da disputa que Gleisi enfrentará em 2014 no Paraná.
Na gênese desses e outros confrontos por terra, está a ausência do Estado como mediador de disputas fundiárias. O emaranhado de leis, decretos e portarias serve a todo tipo de interesse. Há exatos 14 anos, em 1999, o relatório final de uma CPI que investigou, por quase sete meses, a atuação da Funai fez 14 recomendações ao Ministério da Justiça. O primeiro receitava o fortalecimento da autarquia, inclusive com verbas. O segundo, sugeria controle sobre "entidades civis" nas áreas indígenas. E pedia à Polícia Federal investigação para ONGs, "sublevações indígenas", além de garimpos e atividades ilegais e a conivência da Funai.
Ao fim, a CPI estabelecia vários procedimentos e condicionantes ao processo de demarcação de terras indígenas. Algo semelhante ao apresentado no Projeto de Lei Complementar no 227, no apagar das luzes de 2012. O texto inclui como "bens de relevante interesse público da União" as áreas de produção e prevê indenização, a ser paga previamente, em dinheiro e mediante garantia orçamentária, da terra e de todas as suas benfeitorias, como manda um decreto-lei de 1941, assinado por Getúlio Vargas. E submete as desapropriações a um grupo composto por representantes de proprietários, prefeituras, além de audiências públicas. Os ruralistas dizem ter combinado os termos do projeto com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, em audiência pública na Câmara. O governo rejeita os termos do "acordo", mas, como se vê, continua a gerar confusão.

Valor Econômico, 08/05/2013, Política, p. A8

http://www.valor.com.br/politica/3114898/casa-civil-suspende-demarcacao….
http://www.valor.com.br/politica/3114902/pre-candidata-gleisi-assume-pa…

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