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As cartas sobre a mesa em Montreal

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
09 de Dez de 2005

As cartas sobre a mesa em Montreal

Washington Novaes

Visto de Montreal - onde estas linhas estão sendo escritas, antes do encerramento da XI Reunião das Partes da Convenção do Clima, previsto para hoje -, o horizonte ainda não está claro, mas também não parece iminente uma borrasca. A maioria dos observadores acredita que tem boa chance de ser aprovado algum documento que abra caminho para negociações sobre um segundo período do Protocolo de Kyoto (que regulamenta a convenção), pós-2012. Essas negociações terão de começar até maio de 2006. Se não começarem, o protocolo poderá extinguir-se após o primeiro período, com conseqüências dramáticas para a convenção e para caminhos já em vigor, como o do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (MDL), que já tem 670 projetos (26% da Índia, 17% da China, 13% do Brasil). Quase metade deles para reduzir emissões na área de energia elétrica; depois vêm os de seqüestro de gases em aterros sanitários.
Ainda há muitas pressões, principalmente da União Européia, para que os países ditos em desenvolvimento - com destaque para China, Índia e Brasil, que estão entre os maiores emissores de gases do efeito estufa - aceitem compromissos de reduzir suas emissões, já que até 2030 a demanda de energia no mundo crescerá 50% e dois terços do aumento caberão aos países em desenvolvimento, que superarão as emissões dos países desenvolvidos, segundo a Agência Internacional de Energia. Mas não há, neste momento, a mais remota perspectiva de eles aceitarem esse tipo de compromisso. Estes países insistem em que as responsabilidades dos desenvolvidos são maiores (emitem há muito mais tempo, contribuíram muito mais para a atual concentração de poluentes na atmosfera) e que eles ainda não cumpriram seu compromisso de reduzir em 5,2% suas emissões (se excluída a redução dos países da antiga área socialista, que sofreram forte desindustrialização e queda no consumo de energia).
Também não se desenha no momento nenhuma perspectiva de adesão dos Estados Unidos, o maior emissor (24% do total), ao Protocolo de Kyoto, embora as pressões internas ali venham crescendo muito. Nove Estados, a começar por Nova York, já trabalham para um acordo de reduzir suas emissões em 10% até 2020. A Califórnia adotou voluntariamente metas de redução semelhantes às da convenção para os Estados Unidos (7%). Cento e noventa cidades onde vivem 40 milhões de pessoas aderiram a uma rede que pretende baixar suas emissões. Pesquisas mostram 75% dos norte-americanos preocupados com desastres climáticos. O mercado de veículos utilitários com alto consumo de combustível está em forte declínio. Vinte e quatro senadores democratas e republicanos assinaram carta ao presidente Bush lembrando que as ameaças das mudanças climáticas "são reais e exigirão passos concretos para reduzir ou cessar a emissão de gases do efeito estufa". Por isso, pensam eles, os Estados Unidos deveriam ter um programa para baixar suas emissões.
Resta ver que conseqüências práticas tudo isso terá nas tomadas de posição dos Estados Unidos, que até agora vêm apostando não em programas de redução de emissões, e sim em tecnologias que permitam principalmente reduzir emissões seqüestrando carbono na fonte (geradoras de energia, indústrias) e o sepultando no fundo de campos de petróleo esgotados ou no fundo dos oceanos. Aqui, em Montreal, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC) divulgou sua avaliação preliminar dessa tecnologia. Em princípio, parece viável tecnicamente seqüestrar e depositar nos campos de petróleo, mas o custo (US$ 25 a US$ 30 por tonelada) é alto, comparado com a média dos projetos no MDL (US$ 5 a US$ 8), e exigiria subsídios. No fundo do mar, o custo seria muito mais alto. Em terra, será ainda necessária uma avaliação de riscos geológicos e adequação a legislações ambientais (uso do solo, do subsolo, recursos hídricos, etc.). No fundo do mar, a compatibilização com tratados internacionais sobre o mar (proteção à biodiversidade e à qualidade da água etc.).
Também parecem avançar no Canadá propostas de incluir no MDL projetos - como o de Márcio Santilli, Paulo Moutinho, Stephan Schwartzman e outros cientistas - de compensação pela redução do desmatamento/conservação de florestas. E, com forte apoio do Brasil, até mesmo liderança, proposta - também apoiada pela China - de permitir, no âmbito da convenção (e não do Protocolo de Kyoto), projetos que permitam reduzir emissões diminuindo, por exemplo, o desmatamento. Mas estes não gerariam créditos para países/empresas/instituições financiadoras descontarem essas reduções de seu balanço de emissões. Nem criariam um mercado de créditos (ao contrário do MDL). Levariam, porém, a uma redução real de emissões (o que não acontece com o MDL). E permitiriam estimular e financiar políticas e projetos públicos, sem compromisso de metas de redução de emissões. Resta ver quem financiaria o novo caminho. E vencer resistências de países como a Índia, que temem a possibilidade de esse novo caminho estimular pressões para que os países em desenvolvimento assumam metas obrigatórias de reduzir emissões.
O jogo tem muitas nuances e aparências - algumas claras, outras não, dependendo de as negociações serem abertas ou fechadas. Hoje se verá o balanço final nesta cidade, que foi a sede da primeira convenção internacional decisiva para o meio ambiente - o Protocolo de Montreal, de 1987, para proteger a camada de zônio. E que poderá encaminhar - para bem ou para mal - o futuro da humanidade.?

Washington Novaes é jornalista.

OESP, 09/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

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