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Carta da Sociedade Amapaense para a Natureza e Solidariedade à Governadora do Amapá sobre o Parque do Tumucumaque

Carta à sociedade
01 de Jul de 2002

Macapá, julho de 2002

Exma. Sra.
MARIA DALVA DE SOUZA FIGUEIREDO
Governadora do Amapá

A SANS é uma organização não governamental criada no Amapá para contribuir no fortalecimento e na participação da sociedade civil na definição de políticas de meio ambiente e combate à pobreza.

Temos acompanhado permanentemente em diferentes fóruns os debates sobre a criação no Estado do Amapá do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Causou-nos estranhamento, no entanto, o último pronunciamento do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que de maneira autoritária revelou para a sociedade brasileira sua intenção burocrática da criação do referido Parque.

A SANS imbuída de princípios democráticos pautados em processos participativos considera que a criação do Parque não pode ser realizada mediante ritual burocrático de um decreto que não esteja submetido a discussões com os diferentes segmentos da sociedade brasileira, em especial a sociedade amapaense. Nesse sentido, encaminhamos para Vossa Excelência este documento que tem por objetivo apresentar algumas considerações gerais sobre a criação do Parque e a sua importância para o processo de desenvolvimento sustentável do Amapá. Apresentamos ainda, algumas sugestões para o encaminhamento de propostas concretas para a alocação de recursos para o Parque.

1. Conforme estudos técnicos, a área proposta para criação do maior parque florestal do planeta é isolada, de difícil acesso e detentora de grande potencial de biodiversidade e recursos naturais. Além disso, o parque complementa um importante corredor de uso múltiplo de recursos naturais e de conservação da biodiversidade da Amazônia. Para se ter uma idéia da importância dessa área, um dos estudos mais completos do estado da cobertura florestal no mundo realizado pelo World Conservation Monitoring Center, em 1997, concluiu que mais da metade das florestas originais do planeta já desapareceu nas últimas três décadas. Os únicos remanescentes contínuos de florestas primárias são as florestas boreais que cobrem partes da Sibéria e Norte do Canadá e as florestas tropicais da região da Amazônia e Guiana, exatamente onde está se propondo a criação do referido Parque. Portanto, a nosso ver, não resta dúvida que a criação do Parque, se constitui numa das estratégias importantes para a implementação do desenvolvimento sustentável do Amapá, capaz de oportunizar inúmeros investimentos, que poderão gerar benefícios para toda a sociedade amapaense.

2. Consideramos evidente que interessa politicamente para o Presidente Fernando Henrique Cardoso a criação do maior Parque do mundo no ano em que acontece a Rio+10, em Johannesburgo, na África do Sul, onde os países estarão reunidos para avaliar os avanços dos protocolos assinados durante a conferência sobre desenvolvimento e meio ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992. Portanto, os interesses políticos do Governo Federal são claros.

3. O Ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, instituiu dia 8 de julho de 2002 a Portaria No 3412 criando o Grupo de Trabalho GT do Tumucumaque, com 15 instituições governamentais e somente 01 não governamental, desrespeitando, desta forma, todos os processos democráticos em curso na sociedade brasileira e em especial ao que se refere à construção da Gestão Ambiental no País.

4. Os interesses conflitantes pela área são evidentes. De um lado a corrente da conservação da biodiversidade defendendo a criação do Parque pelos serviços ambientais que essa área prestará a humanidade, e de outro, os interesses da mineração, com uma história no Amapá cheia de controvérsias e polêmicas. Ressalta-se que parte dessa área abrange a Reserva Nacional do Cobre, cujo potencial mineral estima-se equivalente a Serra dos Carajás, no Pará.

5. Por analogia aos trabalhos publicados em 1997 na revista cientifica Nature, volume 387, valorando os serviços ambientais prestados pelos diferentes ecossistemas a humanidade, pode-se estimar que o Parque do Tumucumaque contribuirá com serviços ambientais para a humanidade da ordem de US$7.626.600/ano (mais de sete milhões e meio de dólares por ano). Esses valores devem necessariamente retornar na forma de investimentos econômicos e sociais concretos para os municípios abrangidos pelo Parque.

6. No Amapá existe atualmente um quadro de verdadeiro abandono das áreas protegidas criadas pelo Governo Federal, sendo que o decreto de suas criações pouco as diferenciam das áreas não protegidas.

7. O decreto de criação do Parque, elaborado nos gabinetes da burocracia do Governo Federal, está há muito tempo na Casa Civil da Presidência da República, previsto para ser assinado no dia 06 de agosto de 2002.

8. Para finalizar, entendemos que, além dos investimentos na implantação das áreas protegidas já criadas, que é obrigação do Governo Federal, medidas compensatórias concretas devem estar sendo discutidas num processo mais amplo e participativo envolvendo o Governos Federal, Estadual, Municipal e sociedade civil local. Recentemente apresentamos ao Ministro do Meio Ambiente propostas factíveis de alocação de recursos para o parque, as quais gostaríamos que fossem incorporadas por Vossa Excelência em sua agenda na audiência com o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso:

8.1 O Projeto Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) tem como objetivo geral expandir e consolidar um sistema de áreas protegidas no bioma Amazônia brasileiro, capaz de assegurar a conservação da biodiversidade na região e contribuir para o seu desenvolvimento sustentável de forma descentralizada e participativa. Propomos que o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque tenha um subcomponente específico de financiamento para ONGs na estrutura do Projeto ARPA;

8.2 O Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (PROECOTUR) está apoiando estudos para elaboração da estratégia de ecoturismo do Amapá. Propomos que seja articulado entre o MMA e o Governo do Amapá a inserção dos municípios abrangidos pelo Parque como Pólo Ecoturístico Regional prioritário para planejamento e investimentos do Governo Federal;

8.3 O II Encontro Nacional do PPG7 realizado na cidade do Rio de Janeiro nos dias 25, 26 e 27 de junho de 2002 ratificou o apoio dos doadores para uma segunda-fase do programa e que uma das linhas temáticas apoiará a gestão pública e comunitária de áreas protegidas. Propomos que o MMA inicie imediatamente a construção de um projeto participativo e integrado entre ONGs e Governos Locais para gestão compartilhada do parque.

Considerando que informações preliminares anunciam o dia 06 de agosto do corrente, como data oficial da criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, julgamos de fundamental importância que Vossa Excelência, nesse momento, assuma a liderança na condução desse processo de negociação com o Governo Federal, no sentido de garantir benefícios concretos para o Amapá.
Aproveitamos o momento para manifestarmos nosso apreço e consideração, ocasião em que nos colocamos a disposição de Vossa Excelência para os esclarecimentos que se fizerem necessários.

Atenciosamente,
Herbert Emanuel Valente de Oliveira - Presidente da SANS
Mary de Fátima Guedes dos Santos - Vice-Presidente
(-Carta à Sociedade-07/02)

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