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Carta ao CNPE

Amigis da Terra-Amazônia.org.br- São Paulo-SP
16 de Set de 2002

Ref.. Complexo Hidrelétrico de Belo Monte 16 de Setembro de 2002.
Exmos. Srs. Ministros e integrantes do Conselho Nacional de Política Energética
A sociedade civil organizada, abaixo assinada, remete-se aos membros do Conselho Nacional de Política Energética, que mais uma vez se debruçam sobre o tema da construção ou não da Usina de Belo Monte.
O projeto de construção da usina de Belo Monte no Estado do Pará está gerando muita polêmica envolvendo autoridades, ecologistas, cientistas e a comunidade. A última decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - sediada em Brasília - determinou a suspensão da elaboração do Relatório de Impacto Ambiental pela Fundação de Amparo ao Desenvolvimento de Pesquisa (FADESP) vinculada à UFPA.
Dentre os argumentos da Justiça, estão à irregularidade na contratação da Fundação sem licitação, a necessidade de aprovação prévia pelo Congresso Nacional por afetar terras indígenas e também terras de domínio da União, e por ser de origem pública a verba no total de R$ 3,8 milhões (três milhões e oitocentos mil reais) comprometida com este estudo, que dependendo da decisão do Congresso, não terá tido utilidade alguma e a verba jamais será recuperada.
Em realidade, a Bacia Hidrográfica do Rio Xingú está correndo o risco de se tornar uma jazida de megavates cara e inútil, social e ambientalmente insustentável.
A insistência com que, atualmente, a empresa Eletronorte procura viabilizar o projeto da Usina de Belo Monte é uma evidência deste risco. Localizado no rio Xingú, o projeto com 11.182 MW faz parte de um complexo que envolve outras quatro usinas: Altamira (6.588 MW), Ipixuna (1.900 MW), Kakraimoro (1.490 MW) e Jarina (620 MW). Mais de 20 etnias indígenas vivem no rio Xingú.
Praticamente 2/3 (63,6%) do potencial hidrelétrico brasileiro encontra-se localizado na Região Amazônica, principalmente nos rios Tocantins, Araguaia, Xingú e Tapajós. As conseqüências sociais e ambientais da possibilidade de implantação dos empreendimentos hidrelétricos previstos na região, envolvendo questões como as relacionadas com reservatórios em terras indígenas ou a manutenção da biodiversidade, exigem atenção e cuidados que não estão sendo considerados.

Sob o ponto de vista da responsabilidade ambiental, o fato de praticamente 2/3 do potencial hidrelétrico brasileiro se localizar na região amazônica torna ainda mais premente a necessidade do estabelecimento de medidas efetivas de manejo dos reservatórios formados por usinas hidrelétricas, conduzindo a gestão das bacias hidrográficas para o interior das empresas elétricas, o que até hoje não tem se verificado.
A usina hidrelétrica de Belo Monte, com 11.182 MW de potência instalada, só vai operar com esta potência durante três meses do ano. Em função do regime hidrológico, nos demais meses, a água disponível só vai possibilitar uma energia firme de 4.670 MW, ou seja, um fator de capacidade de pouco mais de 40%, o que torna esta energia muito cara para viabilizar o investimento total requerido.
Para aumentar o fator de capacidade e viabilizar Belo Monte, será necessário regularizar a vazão do rio Xingú, através da construção das outras quatro usinas, que formarão reservatórios com áreas tão grandes que a própria Eletronorte tem receio de divulgar. O projeto original de uma dessas usinas - Altamira (antiga Babaquara) previa um reservatório de mais de 4.000 km2, para uma potência instalada de 6.600 MW.
Há necessidade que o conjunto da Bacia do Rio Xingu seja estudada, e avaliada sob o ponto de vista técnico e ambiental. Belo Monte não pode ser construída antes que estes estudos sejam feitos.
1. Os custos da Usina Hidrelétrica Belo Monte
É necessário que a Eletronorte apresente com detalhe, como chegou a um custo de investimento de 3,7 bilhões de dólares e um custo de geração de 12 dólares/MWh.
Para que a decis|ão seja tomada com rigor e correção que a situação exige, a empresa precisa indicar qual o custo do capital instalado (US$/kW); se no custo de investimento total estão considerados os juros durante o período de construção da usina (estimado em 6 a 8 anos); qual a taxa de desconto considerada (%); qual o período de retorno dos investimentos (anos)?
Também é necessário que a Eletronorte inclua nestes custos, os investimentos e os custos do sistema de transmissão. Existem duas alternativas para a transmissão. Qual foi a escolhida e porque? O projeto deve ser considerado no seu conjunto. A perspectiva do governo de licitar a obra sem que o sistema de transmissão esteja definido é imprudente e deve ser condenada.
Ainda, é necessário que a Eletronorte esclareça a participação do dinheiro público na obra. Não há nenhuma manifestação concreta de participação da iniciativa privada em Belo Monte. Isso significa que, necessariamente, serão os fundos públicos (BNDES, p.ex.) que garantirão os investimentos. Em que escala, qual proporção? Estes valores não são condizentes com a atual política do governo federal, que tem evidenciado a necessidade de limitar os gastos públicos para assegurar o equilíbrio das contas internas.
2. Um novo projeto?
O grande atributo ambiental do "novo" projeto apresentado pela Eletronorte é a redução do reservatório, de 1.200 km2 para 400 km2. Esta redução da área será conseguida pela construção de dois canais. Com isso, os 800 km2 que formariam o reservatório no primeiro projeto vão ser engolidos pelos dois canais. Quais os cuidados ambientais que estão previstos no projeto. Onde será destinado o volume de terra retirado para a construção dos canais. Quais os cuidados para evitar a erosão?
A Eletronorte pode afirmar que não sabe responder pois os estudos ambientais não estão concluídos. Mas este aspecto é chave para a aprovação do projeto, o que impõe que a licitação pretendida não pode ser realizada antes da conclusão e aprovação dos estudos de impactos ambientais.
Outra questão ambiental se refere ao trecho do rio (60 km) que ficará seco na maior parte do tempo, por causa do desvio do rio para a formação do reservatório. Os impactos na fauna e flora regional precisam ser considerados, bem como os impactos nas comunidades indígenas. Cabe lembrar que a reserva Paquiçamba fica nesta área.
O projeto ressurge após 10 anos, trazendo em seu conjunto as preocupações e fragilidades anteriores, aliadas ao saque dos recursos naturais, práticas correntes na Amazônia que sempre deixaram um rastro de miséria e destruição para os povos da floresta.
3. Consideração das recomendações da Comissão Mundial de Barragens
Em 1997, o Banco Mundial, governos, empresas e organizações não-governamentais constituíram uma Comissão Mundial de Barragens, independente, para avaliar as barragens construídas no mundo. Em novembro de 2000, a Comissão divulgou seu Relatório Final "Barragens e Desenvolvimento: Um Novo Modelo para a Tomada de Decisões", após dois anos de estudos, consultas, pesquisas e audiências, com as seguintes conclusöes:
1. A construção de grandes barragens não tem sido resultado de processos de planejamento e decisão democráticos e participativos. As alternativas às grandes barragens não têm sido efetivamente estudadas.
2. As grandes barragens normalmente não atingem seus objetivos: irrigam menos terra do que projetado, produzem menos energia do que planejado, não oferecem a água potável prevista e provocam maior vulnerabilidade às inundações.
3. As grandes barragens custam mais caro do que previsto nos orçamentos. A corrupção tem contribuído para distorcer os processos de planejamento e implementação.
4. Populações indígenas e minorias étnicas estão entre os maiores prejudicados pelas grandes barragens, em razão dos dramáticos impactos sobre seus meios de subsistência, cultura e existência espiritual.
5. De 40 a 80 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar por grandes barragens no mundo. Muitas destas pessoas não foram nem reassentadas nem indenizadas. Mesmo quando houve indenizações ou reassentamentos, os valores e condições foram inadequados, provocando uma degradação das condições econômicas e sociais dos atingidos.
6. Milhões de pessoas vivendo a jusante sofreram e sofrem enormes impactos e sua vida se degrada, mas não têm sido contempladas por qualquer programa social ou econômico.
7. As grandes barragens têm tido efeitos adversos sobre a saúde e os meios de subsistência das populações, como conseqüência de mudanças no meio ambiente e de rupturas sociais e culturais.
8. As grandes barragens provocam danos significativos e irreversíveis a espécies e ecossistemas. Elas são responsáveis pela destruição de florestas e desaparecimento de espécies terrestres. E contribuem para a redução da biodiversidade aquática e para a diminuição da desova a montante e a jusante.
9. As grandes barragens emitem gases de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global da terra.
10. Considerados os dramáticos efeitos sociais e ambientais, a lucratividade econômica das grandes barragens está baseada no fato de que os custos sociais e ambientais não são contabilizados e os compromissos assumidos com a população atingida não são respeitados, levando ao empobrecimento e sofrimento milhões de pessoas.
Certamente, o mundo vem tirando lições do fracasso do modelo baseado em grandes barragens. Já se encontra em discussão no Congresso americano projeto para que os representantes dos Estados Unidos em organismos multilaterais - Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros - votem contra qualquer proposta de construção de barragens que não considere as recomendações da Comissão Mundial de Barragens.
E o que recomendou a Comissão? Em primeiro lugar, que todas as alternativas sejam profundamente estudadas, seja para economizar ou produzir energia, seja para promover a oferta de água e o controle de cheias. Em segundo lugar, que nenhuma barragem seja construída sem a aceitação pública das populações atingidas. No caso do projeto do complexo de hidrelétricas no rio Xingú deve ser respeitado o direito de veto dos povos indígenas.
Finalmente, assinalamos que a população civil organizada na região não tem sido envolvida num desejável processo democrático de discussão sobre a oportunidade deste projeto.
A região em que esta população vive é a Bacia Hidrográfica do Xingu, uma floresta da Amazônia Oriental, onde se trava uma das disputas mais acirradas e violentas pelo território e entre diferentes concepções de uso dos recursos naturais. Nesta região, estão situadas as últimas reservas maciças de mogno da Amazônia, uma das bacias hidrográficas mais preservadas do planeta e uma biodiversidade ainda desconhecida da comunidade científica. Cerca de 800 mil habitantes povoam esta região, combinando várias atividades baseadas na exploração dos recursos da floresta, aquáticos, minerais e agropecuários.
Manifestamos nosso apoio irrestrito aos encaminhamentos tomados pelo Ministério Público Federal do Pará que resultaram no embargo da obra, atitude sensata que só reforça nossa posição contrária à construção desse mega-empreendimento que pretende, de um lado, utilizar milhões de reais dos cofres públicos e privatizar rios e florestas.
Assinam o documento:
Amigos da Terra / Brasil
Arikafú - Associação dos Povos Xipaya da Aldeia Tukamã
Coalizão Rios Vivos
Comissão Pastoral da Terra
Fórum Brasileiro de Ong´s e Mov. Sociais
Fundação Viver, Produzir e Preservar
Grupo Ambientalista da Bahia - GAMBA
Instituto Ambiental Vidágua
Instituto Terrazul
Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu
Prelazia do Xingu
Projeto Brasil Sustentável e Democrático
Rede de ONG´s da Mata Atlântica
SAPÊ

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