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Carbono zero é meta de empresas do Brasil para 2007

OESP, Vida, p. A20
31 de Dez de 2006

Carbono zero é meta de empresas do Brasil para 2007
Iniciativa privada busca a neutralização dos gases do efeito estufa, de olho em mercado ambientalmente correto

Cristina Amorim

Digamos que você acorde às 6h, ligue a luz da escrivaninha, tome uma ducha de 10 minutos, use o carro por 15 minutos até o escritório, trabalhe, volte pelo mesmo caminho, prepare o jantar e assista a um filme antes de dormir. Como ninguém é de ferro, no verão você pega um avião para visitar a família que está em outro Estado. Pronto, você terá emitido pelo menos 4 toneladas de carbono em um ano, resultado da luz e do combustível consumidos.

Isso não quer dizer que você seja um grande poluidor. Basicamente qualquer movimento dentro de uma cidade gera gases do efeito estufa. Você é apenas um cidadão urbano comum, como tantos outros milhões distribuídos pelas grandes e médias cidades do planeta. Milhões? Sim. Multiplique a quantidade de carbono que você emitiu e verá quanto é lançado anualmente na atmosfera pela humanidade.

Agora acrescente nesta conta o consumo das empresas. Elas oferecem a você todos os produtos e serviços que precisa para viver, geralmente a um custo ambiental bastante alto. O banco onde você guarda seu dinheiro, o supermercado que oferece alimentos, a tecelagem que fornece o fio para sua roupa, a montadora que construiu seu veículo, a usina que gera a energia elétrica - todos os setores emitem carbono, e num ritmo cada vez mais rápido, para alimentar os milhões de cidadãos comuns como você.

Para resguardar a atmosfera terrestre, pessoas comuns e empresas incorporaram um cálculo simples, porém há muito esquecido: 1-1=0. Este é o raciocínio aplicado na neutralização do carbono, que tenta zerar a quantidade de gases do efeito estufa gerados nas atividades humanas, ou pelo menos chegar o mais perto possível do zero ideal. Para cada tonelada de carbono lançado na atmosfera, aplica-se um equivalente em projetos que retirem o gás da atmosfera ou que emitam muito menos do que normalmente.

ADESÃO

A iniciativa começou alguns anos atrás em países ricos que trabalham sob políticas poluidoras mais restritivas e uma consciência ambiental afinada. No Brasil, ele deu seus primeiros passos em 2005, avançou timidamente em 2006 e promete surpresas no ano que se inicia, de forma consolidada e com projetos com o potencial de sacudir o mercado. Pequenas e grandes companhias nacionais estudam discretamente como incorporar a neutralização em suas práticas ambientais, com efeitos sentidos pelos clientes.

O carbono é um elemento presente na natureza, e na forma de gás carbônico (o CO2) é um dos componentes da atmosfera. Acontece que atividades humanas como as descritas acima têm jogado CO2 demais no ar. Normalmente, a própria Terra se encarrega de absorver esse gás da atmosfera, num delicado e equilibrado ciclo. Porém, desde a Revolução Industrial, no século 18, é produzido muito mais do que a natureza é capaz de lidar.

Esse carbono excedente pode ser neutralizado. Projetos florestais, com o plantio de árvores, são um dos caminhos usados, pois absorvem o CO2 que está no ar e o estocam como biomassa. Aquelas 4 toneladas emitidas por você no ano, por exemplo, equivalem de 6 a 7 árvores. "Aquele ditado 'tenha um filho, escreva um livro e plante uma árvore antes de morrer' está errado. Para compensar sua vivência, você precisa plantar mais de 300 árvores", diz o ambientalista Mario Mantovani, da ONG SOS Mata Atlântica.

Companhias de grande porte emitem milhares de toneladas de carbono por ano. "Toda empresa, de maneira direta ou indireta, gera gases do efeito estufa", afirma Fernando Giachini Lopes, da Key Associados, uma das consultorias brasileiras que calculam a emissão das operações cotidianas de uma empresa.

A quantidade varia de acordo com o setor em que atua (as maiores são siderurgia, por causa dos fornos, e transportes, devido ao combustível queimado). As metodologias empregadas neste cálculo variam, mas todas levam em conta três fontes: as diretas, como a utilização de combustíveis fósseis; as indiretas, como o consumo de energia elétrica; e as relacionadas - basicamente o que é produzido por fornecedores.

O banco Real ABN Amro, por exemplo, fez seu primeiro inventário em 2005, e fecha atualmente o de 2006. Entram na conta 14 prédios administrativos, 1.086 agências, 6 postos de atendimento ao público em empresas e 840 pontos de atendimento corporativo. A operação gerou 64.012 toneladas de carbono em 2005. Um quarto vem de fontes diretas, principalmente de viagens dos funcionários. "Essa parcela vai ser neutralizada efetivamente", diz o consultor socioambiental do banco, Victor Hugo Kamphorst. Os 75% restantes seguem metas de redução interna.

Kamphorst diz que o Real estuda ampliar o projeto de neutralização para os clientes. No varejo, pode oferecer a neutralização total ou parcial ao cliente que buscar um financiamento. Ao comprar um carro, por exemplo, pode escolher pagar um pouco mais para compensar a emissão do produto. Algo nesta linha foi lançado em dezembro pela concessionária Primo Rossi, de São Paulo, que paga 50% da neutralização de cada carro, novo ou usado, adquirido em suas lojas - desde que o cliente pague a outra metade.

Para clientes corporativos, o financiamento pode virar lucro. O carbono reduzido por medidas de controle de emissão pode virar crédito dentro do lucrativo mercado vinculado ao Protocolo de Kyoto (1 tonelada equivale a 10), ou o alternativo (em que o valor cai para 1, porém é menos exigente quanto a regulamentação). "Em termos de negócios, é ótimo, pois o banco pode financiar dois projetos em um: o projeto inicial e a negociação do crédito de carbono", afirma Kamphorst.

APOSTA

Outras empresas, dos mais diferentes setores, começam a engrossar a fila dos projetos de neutralização de carbono no Brasil. Bradesco, Volkswagen Caminhões, Gol, Interface e Martins Transportadora são algumas delas. "Temos um viveiro com 200 mil mudas de espécies nativas no sul do Rio de Janeiro", conta Guilherme Cruz, da Volkswagen. Mas o lado das ausentes ainda é maior.

São três aspectos que levam companhias a investir neste campo. Além da responsabilidade socioambiental, parte de sua reputação, a neutralização de carbono é uma oportunidade de se destacar no mercado em ações de marketing.

O último motivo é de fato uma aposta, a ser colhida em médio e longo prazos. Para o setor produtivo, a crise ambiental que se aproxima pelo agravamento do efeito estufa forçará o Brasil a assumir metas de redução de sua emissão de gases, no molde que os países ricos seguem atualmente. Paradoxalmente, o tema é ainda tratado como sensível dentro das esferas governamentais, porém já foi totalmente incorporado pelas empresas brasileiras. "Mesmo que os países pobres não tenham metas, haverá barreiras tarifárias ou técnicas nas outras nações", diz Lopes. "Por isso, quem tem visão de futuro investe em redução e neutralização de emissões."

Números

320 quilos de CO2 são emitidos na atmosfera na geração de 100 kW para alimentar uma casa em um mês, valor neutralizado com uma árvore

548 quilos de CO2 são emitidos em uma viagem aérea entre São Paulo e Brasília, ida e volta - sem contar o trajeto de carro até o aeroporto

3 toneladas de CO2 podem ser neutralizadas pelo plantio de 5 árvores em média, pois a quantidade de carbono absorvido varia segundo a espécie

R$ 10 é quanto custa em média uma árvore usada no reflorestamento da mata atlântica, dentro de projetos florestais preexistentes

6 árvores são suficientes para compensar o que um carro a gasolina lança no ar em um ano

100 árvores plantadas numa área de mata ciliar vão compensar o show de lançamento da nova turnê da banda Jeito Moleque

60.000 árvores formam a primeira floresta da Volkswagen Caminhões no sul fluminense, plantada em 2006

220.000 t de gases do efeito estufa deixarão de ser emitidos em dez anos com o apoio da Fifa, que investe num projeto na África do Sul para zerar o que foi emitido na Copa de 2006

Redução exige estratégia própria para cada gás
O gás carbônico (CO2) é apenas um dos gases do efeito estufa cujas emissões precisam ser reduzidas, dentro das convenções internacionais, para evitar o aquecimento global em níveis perigosos. O metano, seis vezes mais potente do que o CO2, é segundo principal causador do problema. Para facilitar o cálculo de quanto é emitido, todos são transformados em carbono equivalente, de acordo com seu papel no agravamento do efeito estufa. Porém, quem trabalha com metas de redução lida com cada um separadamente, pois exigem soluções diferentes. O metano, por exemplo, é gerado na decomposição do lixo orgânico.=

De show a site, iniciativa está mais próxima do cidadão
Calcule suas emissões no site www.estadao.com.br
O que o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore tem em comum com o estatístico brasileiro Antônio Marcos de Almeida? Consciência ambiental. Cada um a seu modo aderiu à neutralização de carbono.

Gore vestiu a camisa, ganha para falar sobre o tema em todo o mundo e compensa a emissão envolvida com seu trabalho ao incentivar projetos florestais. Sua recente viagem ao Brasil, por exemplo, e a edição brasileira de seu livro A Verdade Inconveniente foram neutralizados.

Almeida foi o primeiro cliente da concessionária Primo Rossi, em São Paulo, a adquirir o selo "Carro Limpo": o comprador paga por três árvores e a empresa, por outras três. Elas equivalem a uma média de quanto carbono é emitido por ano por um carro movido a gasolina numa cidade grande como São Paulo. "Compete a nós fazermos o esforço necessário para cuidar do que temos, e em algum momento é preciso começar", diz o estatístico.

As árvores serão plantadas pela ONG SOS Mata Atlântica, dentro do projeto Florestas do Futuro, que visa à recuperação de mananciais pelo reflorestamento de espécies nativas. "Não vamos bancar 100% da neutralização porque o cidadão tem de ter consciência da responsabilidade dele", diz Vitorinho Rossi, presidente do grupo. "Pretendemos vender mais carro com isso? Também. Mas espero mesmo é ser copiado por outras concessionárias."

O cidadão que deseja neutralizar suas emissões tem dois caminhos. Um é pressionar empresas a fazerem seus inventários e preferir aquelas já comprometidas. Outro é usar calculadoras online para saber quanto emite e investir em projetos florestais, como o Click Árvore (www.clickarvore.com.br).

Na Europa, a adesão de empresas e dos consumidores leva ao fortalecimento de iniciativas às vezes até inusitadas. É possível comprar de passagens aéreas a trajetos urbanos em táxis "livres de carbono". A organização da Copa do Mundo na Alemanha calculou quanto carbono seria emitido em transporte de delegações e espectadores, mais o gasto do evento em si (da iluminação dos jogos ao lixo produzido) e investiu em projetos de desenvolvimento limpo num país em desenvolvimento.

No Brasil, esse nível de consciência está muito longe de se tornar realidade. É ainda difícil achar quem neutralize carbono - de fato, ainda é raro encontrar alguém que pense nisso.

São poucos os casos, porém crescentes. As consultorias ambientais estão confiantes. A Conferência da ONU sobre Biodiversidade, que aconteceu em Curitiba em 2006, foi neutralizada, assim como alguns shows - médios, como o do Rappa em São Paulo; festivais, como o Pop Rock Brasil; e apoteóticos, como o dos Rolling Stones. Para 2007, os pagodeiros do Jeito Moleque são os próximos.

OESP, 31/12/2006, Vida, p. A20

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