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Carbono e florestas

FSP, Opinião, p. A2
11 de Nov de 2006

Carbono e florestas
Países pobres emitem mais gases-estufa e podem ter de assumir metas de redução, mas Brasil e China resistem

Na semana em que teve início em Nairóbi (Quênia) mais uma conferência sobre mudança climática, o mundo foi surpreendido com a estimativa de que a China ultrapassará os EUA na emissão de gases do efeito estufa dentro de três anos, uma década antes do que se projetava. Antecipa-se, assim, uma mudança na correlação de forças para definir regras do período pós-Kyoto (local onde se firmou o acordo para conter emissões de gases que propiciam o aquecimento global), depois de 2012.
A previsão sombria está no relatório "Panorama Mundial de Energia 2006", da Agência Internacional de Energia (IEA). O órgão prediz crescimento de 53% na demanda até 2030, configurando um cenário de energia "suja, insegura e cara". Os Estados Unidos, um dos 26 integrantes da IEA, não ratificaram o Protocolo de Kyoto. Por si só, o fato sugere alguma reserva diante do chamado da agência para que governos busquem uma via energética mais sustentável.
A China, como o Brasil, está entre as nações isentas da obrigação de emitir menos até 2012, em nome de seu direito inquestionável ao desenvolvimento. Não se deve ignorar, tampouco, dois outros fatores de eqüidade tradicionalmente relevados: a população chinesa é mais de quatro vezes maior que a dos EUA, e os americanos começaram a emitir um século antes.
Ocorre que a China é um dos países que mais crescem no mundo, na casa dos 10% ao ano. Seu apetite por energia aumenta ainda mais e vem sendo saciado à base de carvão mineral. Mesmo sendo um dos piores emissores de gases-estufa, o carvão está entre as fontes de energia cujo uso mais se expandiu nos últimos anos (90% do crescimento na China). EUA e Europa Ocidental também recorrem mais e mais ao carvão para suprir energia.
Para lidar com o problema, a IEA recomenda biocombustíveis e energia nuclear como alternativas mais limpas, uma por renovável, outra por prescindir de combustíveis fósseis. Por aqui também já se movimentam os lobbies para ressuscitar usinas nucleares, seguros de contar com aliados no Planalto.
O mesmo não se pode dizer de uma alternativa mais racional para conter emissões nacionais de gases-estufa: redução financeiramente compensada nas taxas de desmatamento na Amazônia. Não produziria energia, mas um fluxo de recursos para o desenvolvimento sustentável, que poderia ser destinado aos biocombustíveis, por exemplo.
O governo brasileiro até deve defender em Nairóbi a criação de um vago fundo internacional voluntário para ressarcir países que preservem florestas tropicais. Corre o risco, porém, de ser atropelado por uma iniciativa do Banco Mundial que reservaria US$ 200 milhões a US$ 300 milhões para ajudar países tropicais a desenvolver um piloto de mecanismo de mercado (compra e venda de direitos de emissão) para o período pós-Kyoto, como revelou esta Folha.
O temor desmedido de aceitar compromissos explica a resistência do Brasil a incluir florestas na agenda de Kyoto. Tal relutância pode, ao final, levar mais água ao moinho do desenvolvimento chinês do que ao brasileiro, com mais carvão queimado, mais aquecimento global e mais floresta amazônica no chão.

FSP, 11/11/2006, Opinião, p. A2

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