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Carbon free estimula plantio de árvores em SP

OESP, Metrópole, p. C1, C3-C4
04 de Fev de 2007

Carbon free estimula plantio de árvores em SP

Adriana Carranca

Se não forem adotados meios para reduzir a poluição da atmosfera, a temperatura do planeta aumentará em até 4 graus em um século e o nível da água subirá até 40 centímetros. Isso fará sumir cidades, provocando enchentes e deixando mais refugiados do que guerras. Tudo graças a uma concentração de dióxido de carbono (CO2) nunca vista em 10 mil anos. Mas o que você, leitor, pode fazer em relação a isso? Muito.

Enquanto você lê essa reportagem, 30 toneladas de gases causadores do efeito estufa serão jogados na atmosfera por minuto somente na cidade de São Paulo - em parte, para manter a sua geladeira funcionando, a TV ligada e o carro abastecido. Foi o que fez a Organização das Nações Unidas (ONU), que divulgou novos dados sobre mudanças climáticas anteontem, colocar o homem como o maior vilão do aquecimento global.

Há duas formas de amenizar a catástrofe. A principal é reduzir as emissões, modificando hábitos - a velha história de deixar o automóvel na garagem, diminuir o banho, produzir menos lixo. A outra vem ganhando adeptos entre a iniciativa privada e, agora, cidadãos comuns: compensar a emissão inevitável de CO2 pelo plantio de árvores. É o 'carbon free' (ou neutro em carbono).

A lógica é a seguinte: por meio de uma soma de gastos, basicamente com eletricidade, gás e combustíveis para transporte aéreo ou terrestre, fica possível calcular quanto uma pessoa lança de CO2 na atmosfera. Vale ainda para empresas, entidades e órgãos governamentais. Para neutralizar os efeitos de cada tonelada de CO2 são necessárias entre 5 e 7 árvores.

Em São Paulo, a onda 'carbon free' virou moda - literalmente. A 22ª edição do São Paulo Fashion Week, que terminou segunda-feira, será totalmente 'neutralizada' com o plantio de 4.290 árvores em 2007. O cálculo e o plantio são feitos por empresas e ONGs que proliferam na cidade. A maioria das iniciativas é voluntária. Mas, em São Paulo, políticas públicas municipais e estaduais já apontam nessa direção, ainda que timidamente.

O movimento, que tem como principal porta-voz o ex-vice-presidente americano Al Gore, ganhou corpo na Europa - onde o consenso está em reduzir até 2020 as emissões de CO2 a níveis entre 8% e 20% menores do que em 1990. No Brasil, já se pensa no assunto. Embora não seja obrigado a cumprir metas de redução da emissão de CO2 - na primeira fase do Protocolo de Kyoto, até 2012, determinou-se que apenas os países desenvolvidos teriam de diminuí-las -, o Brasil está entre os cinco maiores emissores de CO2. Existe consenso que mesmo não sendo uma imposição legal, a redução é uma obrigação moral.

'Brasil, China, Índia e África do Sul são grandes emissores. Não é justo que as metas exigidas aqui sejam iguais às dos países desenvolvidos, mas não é ético que estejamos isentos', diz o secretário municipal do Verde e Meio Ambiente, Eduardo Jorge.

SP teria de plantar 150 árvores por minuto
Adriana carranca
Para neutralizar os efeitos das 15,7 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) que São Paulo dispensa na atmosfera por ano, seria necessário plantar 78.410.295 árvores - ou 150 por minuto. Isso se não forem criados mecanismos para redução do uso de combustíveis fósseis, o principal vilão da parcela que cabe à cidade no aquecimento global do planeta - a gasolina dos carros e o diesel utilizado por ônibus e caminhões respondem, juntos, por metade de toda a emissão de CO2.

O lixo orgânico despejado diariamente nos aterros da cidade e cuja decomposição também forma gases responsáveis pelo efeito estufa vem em segundo lugar. E, só depois, o consumo de energia elétrica. Os dados estão no inventário de Emissões de Gases Efeito Estufa no Município de São Paulo, feito pelo Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A partir de março, eventos em parques, para serem aprovados, terão de apresentar um cálculo de emissão de gases de efeito estufa e uma proposta para neutralizá-la com o plantio de árvores, segundo portaria da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Em 2006, o plantio de 160 mil mudas na cidade não foi suficiente nem sequer para neutralizar as 49 mil toneladas de gases emitidas pelos próprios órgãos municipais por meio do gasto com energia elétrica, consumo de gás e gasolina de carros oficiais - excluída a frota de ônibus, terceirizada. Para isso, teriam de ser plantadas 245 mil mudas. "É preciso que a neutralização se torne política municipal", diz o secretário Eduardo Jorge.

Mas até o secretário admite que o plantio de mudas é, no áximo, um paliativo. "É o monstrinho de quatro rodas que tem de ser domesticado", diz. Leia-se: é preciso mais investimentos em transporte público para que paulistanos possam abrir mão do carro. "E transporte limpo. A manutenção de ônibus a diesel é mais barata para o proprietário, mas quem paga a conta é o sistema público de saúde. É uma visão unilateral revoltante da política de transporte", alfineta o secretário, que assumiu uma briga na Prefeitura para salvar da extinção os 150 trólebus paulistanos. "Já tivemos 500, uma das maiores frotas do mundo."

Dois projetos da secretaria devem ser encaminhados à Câmara ainda este mês. Um torna obrigatório o uso de energia solar em novos prédios, públicos e privados. O outro prevê que pelo menos parte da madeira vendida na cidade seja certificada - a madeira ilegal é a vilã do desmatamento da Amazônia, um dos principais fatores que colocam o Brasil entre os grandes emissores de CO2.

Para Rachel Biderman, coordenadora dos programas de mudanças climáticas do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, sem respaldo federal essas iniciativas têm efeito só na conscientização ambiental. "É preciso mudar a matriz energética, a dependência do petróleo, e investir em novas tecnologias para produção de energia renovável, como fizemos com o etanol. Ao contrário dos Estados Unidos, onde a energia vem de usinas térmicas (queima de carvão e petróleo), o Brasil já se beneficia da quantidade de água, nas hidrelétricas, bem mais limpas. Mas quando tivemos o apagão, corremos para termoelétricas. A alternativa correta seria investir na energia solar e do vento. E construir plataformas para redução em todos os setores da economia. Estamos correndo contra o tempo."

Estado quer resgatar 1,7 mi de hectares de matas
O governo paulista pegou carona na onda da neutralização de carbono e quer recuperar 1,7 milhão de hectares de matas ciliares - um corredor verde com 120 mil quilômetros de extensão ao longo de cursos d'água hoje desprotegidos. A idéia é tornar essas áreas disponíveis para plantio de mudas financiadas por projetos de compensação de CO2, bancados pela iniciativa privada. A meta do Estado é aumentar a cobertura de vegetação nativa de 13% - o que restou da industrialização e da pecuária - para 20%. Isso sem mexer nos cofres públicos.

A estratégia faz parte do plano de ação da Secretaria do Meio Ambiente. Uma parceria já foi firmada com a ONG Iniciativa Verde, que trabalha com neutralização de carbono. "O custo é o maior obstáculo do reflorestamento. Esse modelo transfere recursos privados para o setor público para atender a uma demanda da sociedade", diz Francisco Maciel, diretor da ONG.

Considerando-se a média de 1.700 mudas por hectare, seria possível plantar 3 bilhões de mudas. A R$ 10 cada, a economia seria de R$ 30 bilhões. Isso hipoteticamente, já que esse não deve ser o único recurso de reflorestamento do Estado. Cada hectare de mata nativa absorve 80 toneladas de CO2. Na área, portanto, seriam fixadas em 30 anos (tempo médio em que uma árvore absorve CO2) 140 milhões de t do gás - equivalente ao que a capital produziu na última década. "E há o bônus de conservar a biodiversidade e as águas, já que a mata funciona como filtro de agrotóxicos das lavouras e terras arrastadas pela chuva", diz Helena Carrascosa, coordenadora do projeto de recuperação de matas. A.C.

Movimento mobiliza paulistanos
Eles recorrem a empresas que fazem inventário e plantam mudas, contrapartida por hábitos poluentes
O produtor de eventos Bruno Monteiro Alves, de 25 anos, percorre 16 quilômetros de carro entre o Tatuapé (zona leste de São Paulo), onde mora, e o escritório, na Avenida Luís Carlos Berrini (zona sul), e o mesmo percurso na volta. São outros 434 quilômetros de ida e volta até Ilhabela, litoral norte do Estado, onde costuma passar fins de semana. Somados ainda o consumo de água, gás e luz, concluiu, com a ajuda de uma 'calculadora ambiental', que para neutralizar os efeitos nocivos de seus hábitos de vida e consumo teria de plantar dez árvores. Três estão no terraço do apartamento: jabuticabeira, amoreira e laranjeira. O restante deixou a cargo de uma ONG para a qual doou R$ 69 para garantir o plantio e o monitoramento das mudas.

'Não importa onde as árvores são plantadas porque o que vale é a diminuição da emissão de carbono, um problema mundial', diz o engenheiro elétrico Francisco Maciel, mestre em energias renováveis pela Universidade de São Paulo (USP) e um dos diretores da Iniciativa Verde. Mas importa o monitoramento do plantio e do crescimento das árvores, para garantir que elas cheguem à idade adulta, seqüestrando, assim, o máximo de carbono possível. A empresa faz inventário, restauro e monitoramento do plantio de 159 espécies nativas de mata atlântica.

Desde que a ONG começou a atuar, em 2005, já plantou 20 mil árvores. Só em janeiro deste ano já contabilizou mais 5 mil, que serão plantadas no período das chuvas. 'Antes recebíamos propostas para neutralizar o carbono emitido apenas por empresas. Hoje, o cidadão comum já começa a ter a mesma iniciativa', diz Maciel. Ele chama a atenção para outra função da calculadora ambiental: identificar onde se está gastando mais. 'Adorava banho quente. Quando percebi que prejudica o ambiente, diminui o tempo de 30 minutos para 10 minutos', diz Alves, que também recicla lixo e controla a torneira na hora de lavar louça.

Já os amigos paulistanos Bruno, Carlinhos, Alemão, Rafa e Felipe, que formam a banda Jeito Moleque, contabilizaram gasolina, energia elétrica e viagem de avião para neutralizar um show para 8 mil pessoas no Claro Hall, no Rio. As 117 árvores foram plantadas em São Carlos. O mesmo será feito com relação aos shows em Manaus e no aniversário de São Paulo. Neste, escolheram, além de neutralizar o carbono, fazer paisagismo - plantio na Cracolândia e no Parque do Povo.

Seguindo essa onda, a empresária Ana Strumpf neutralizou a sua loja Garimpo/Fuxique na Rua Oscar Freire. Foram contabilizados luz, água, gás e gasolina que dez funcionários gastam para ir trabalhar. Total da contrapartida: plantar 308 árvores. 'Também neutralizei o meu cotidiano, que deu outras 40 árvores', diz ela, embora não seja do tipo ecológica - não recicla o lixo nem economiza no banho. 'Já estou fazendo alguma coisa', defende-se.

'Como o assunto aquecimento global entrou na pauta de discussões de todas as áreas e como as evidências de que a causa está diretamente ligada à atividade humana, o tema deixou de ser exclusividade de ambientalistas. E acho superimportante esse despertar. Mas é preciso saber que mais importante do que neutralizar carbono é diminuir a emissão', diz a coordenadora dos programa de mudanças climáticas do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rachel Biderman.

Foi o filho de 11 anos, Thomas, que levou a discussão sobre emissão de carbono para casa, que já usa 60% de energia solar. A mãe, Raquel Davidowicz, tratou de neutralizar a nova loja UMA, no Shopping Morumbi - com 200 árvores, para o plantio das quais doou R$ 2 mil -, e ela agora quer fazer o mesmo com os endereços da Vila Madalena e Shopping Pátio Higienópolis. 'Vivemos um problema ambiental muito sério. E é uma possibilidade de ajudar.' A.C.

OESP, 04/02/2007, Metrópole, p. C1, C3-C4

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