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Caravana de Direitos Humanos vai denunciar governo brasileiro à Organização dos Estados Americanos

CIR-Boa Vista-RR
15 de Out de 2003

Os deputados federais Orlando Fantazzini (PT/SP) e Pastor Reinaldo (PTB/RS), integrantes da 5ª Caravana Nacional de Direitos Humanos, vão denunciar o governo brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos - OEA, pela violação de tratados internacionais que asseguram direitos aos povos indígenas. O anuncio foi feito em audiência com mais de 200 líderes indígenas, realizada no dia 13 de outubro na aldeia Maturuca, área Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A caravana de Direitos Humanos esteve composta pelos deputados Fantazini e Pastor Reinaldo, acompanhados da Ouvidora Geral da União, Dra. Eliana Pinto, Assessor da Secretaria Nacional de Combate à Discriminação, Dr. Ivair Santos, delegado de Polícia Federal, Dr. Osmar Melo e Dr. Darlan Airton Dias, Procurador do Ministério Público Federal. Quatro deputados da Assembléia Legislativa de Roraima somaram à Caravana na visita a aldeia Maturuca.

Participaram da reunião líderes Macuxi, Wai Wai, Wapichana, Taurepang, Ingarikó, Patamona e uma delegação de 10 Yanomami. Eles relataram denúncias de agressões físicas, torturas, mortes, violação aos direitos territoriais, venda e consumo de bebidas alcoólicas, além de abusos sexuais praticados por militares. Para todas as denúncias apresentadas já existem processos tramitando na Justiça Federal.

A advogada do Conselho Indígena de Roraima - CIR, Joênia Wapichana, reforçou as denúncias dos tuxauas e exemplificou as agressões. "Enquanto os tuxauas reivindicam a homologação de Raposa Serra do Sol, vários direitos são violados no dia-a-dia: direitos ambientais, à vida, à justiça, à liberdade, à saúde e à educação. Direitos indígenas não estão fora dos direitos humanos. Direito humano é o direito de ser diferente", disse.

O dossiê "Crime e Impunidade em Roraima", elaborada pela advogada Ana Paula Souto Maior foi entregue à comitiva. O documento cita mais de 20 indígenas assassinados desde os anos 1980 na disputa pela terra Raposa Serra do Sol. Nunca um assassino de índio foi punido em Roraima. O dossiê destaca que a execução do macuxi Aldo da Silva Mota, ocorrida em janeiro de 2003, poderia ter sido evitada caso a terra estivesse homologada e livre de invasores.

O delegado da PF, Osmar Tavares de Melo, do Serviço de Repressão aos Crimes Contra as Comunidades Indígenas, disse que aquele era o seu primeiro contato com comunidades indígenas. "Nesse primeiro contato, nós ficamos profundamente sensibilizados, chegamos até a nos emocionar com a grande maioria dos relatos aqui trazidos. Enquanto representantes do Governo Federal, nós temos que dar respostas", ressalta ao explicar que a PF em Roraima conta com apenas 30 agentes, o que dificultada uma atuação mais efetiva.

Para o Doutor Ivair Santos, o contato pessoal com os indígenas serviu para confirmar todos os relatórios que já havia recebido sobre a violação direitos na Raposa Serra do Sol. "Eu pude ver as marcas das balas nos corpos das pessoas. Em nosso relatório vamos propor a necessidade da homologação". Ele defendeu que seja efetivado o "Diálogo de Manaus", que estabelece regras de convivências entre militares e indígenas nas áreas de fronteira.

A necessidade urgente da homologação vai constar no relatório da Caravana, garantiu o deputado Pastor Reinaldo. Ele manifestou a preocupação com a possibilidade da homologação ter sido negociada. "Nós tememos que essa homologação tenha sido negociada, porque nós vimos um senador do estado ser designado relator da Reforma Tributária, uma pessoa que é contra a homologação. Isso nos preocupa", salienta.

O deputado Orlando Fantazzini, num gesto pessoal, mas também em nome de todos os brasileiros, pediu desculpas aos povos indígenas pelas agressões praticadas pelos não índios. "A maioria dos brasileiros se envergonha de uma pequena parcela que não respeita os indígenas", comenta.

De acordo com Fantazzini, os interesses dos povos indígenas não estão representados através de parlamentares. "O que está representado no Parlamento são os interesses dos fazendeiros, latifundiários, interesses de exploradores minerais, por isso as informações em Brasília chegam desvirtuadas da realidade", reclamou. O deputado garantiu que a Comissão vai fazer "a pressão necessária para acabar com a novela da homologação das terras", pois "já passou do limite, já passou da hora".

Na reunião em Maturuca a CDH da Câmara Federal comprometeu-se a enviar um relatório à Presidência da República, Congresso Nacional e Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA cobrando ações do governo na efetivação dos direitos indígenas. "Nosso relatório vai consignar os descasos que aqui ouvimos, descaso do Estado, de políticos e da polícia", assegura.

A Caravana também vai propor uma campanha patrocinada pelo governo para que o povo brasileiro aprenda a conhecer e respeitar os índios. Fatazzini pretende convencer o presidente Lula a assinar o decreto homologatório de Raposa Serra do Sol na aldeia Maturuca. "Vai ser um gesto simbólico de respeito aos povos indígenas", defende.

Corrupção em Roraima

Várias lideranças em Maturuca questionaram a classe política de Roraima por usar o falso argumento de que a demarcação das terras indígenas é um empecilho ao desenvolvimento. O professor macuxi, Edinaldo André, apontou a corrupção como sendo a grande inimiga do desenvolvimento estadual e ressaltou que o discurso contra a homologação tem a intenção de desviar a atenção da prática dos corruptos.

A ouvidora geral da república, Dr. Eliana Pinto, informou que retornava de Roraima assustada com as denúncias de corrupção envolvendo os órgãos públicos. "O que impede o desenvolvimento de um ente da Federação é a corrupção. Combatê-la é o nosso desafio", propôs. A ouvidora vai elaborar um relatório e encaminhar ao presidente Lula e aos Ministros José Dirceu, Márcio Thomaz Bastos e ao Ministro Controlador, Valdir Pires.

Dr. Darlan Dias, Procurador do Ministério Público Federal reforçou a preocupação com a onda de corrupção no estado de Roraima. "Estou em Roraima há uma semana, mas já é tempo suficiente para perceber que o que atrasa o desenvolvimento de Roraima não são as terras indígenas e sim a corrupção. É uma vergonha que chega a escandalizar, um estado tão pequeno com um nível de corrupção tamanha". O Procurador lembrou que a corrupção não se resume a "Folha dos Gafanhotos". "Infelizmente esse não é o único caso. As pessoas de bem tem que romper as barreiras burocráticas para combater a corrupção", finaliza.

Íntegra do documento entregue em Maturuca:

Maturuca - TI Raposa Serra do Sol - RR, 13 de outubro de 2003.

Exmo. Presidente da República

LUIS INACIO LULA DA SILVA

Exmo. Deputado Federal

Dr. ORLANDO FANTAZZINI

Exmo. Deputado Federal

Dr. PASTOR REINALDO

Exmos. Membros da CDH da Câmara Federal

Exmo. Procurador da Republica no Estado de Roraima:

Dr. Darlan Airton dias

Exmo. Secretário Especial da Comissão Nacional de Combate a Violência

Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos

Exmo. Secretario Especial de Direitos Humanos

Dr. Nilmário Miranda

Exma. Sra. Ouvidora da Republica

Dra. Eliana Pinto

Ilmo. Sr. Delegado da Policia Federal

Dr. Osmar Tavares de melo

Prezados Senhores,

Nós, indígenas de Roraima, representantes dos povos Macuxi, Patamona, Taurepang, Ingaricó, Wapichana, Wai Wai e Yanomami, presentes na comunidade indígena Maturuca, região das Serras, terra indígena Raposa Serra do Sol, vimos manifestar pela importância das autoridades e da comissão de direitos humanos da Câmara Federal ficarem cientes das diversas formas de violência que fomos e somos vitimas durantes estes anos.

Apesar de termos direitos assegurados na legislação brasileira e em especial na Constituição Federal de 1988, ainda não estamos exercendo plenamente esses direitos. Muitas vidas foram destruídas na disputas pelos direitos indígenas. O exercício dos direitos indígenas é fundamental para que possamos garantir nossa sobrevivência física e cultural, desta geração e das futuras.

A terra indígena Raposa Serra do Sol ainda aguarda a assinatura do Decreto Homologatório de forma integral, e necessita que seja urgente, pois enquanto o Governo Federal aguarda relatórios e estudos, no Estado de Roraima há o entendimento de que a demarcação desta terra pode ser alterada, gerando expectativa de permanência dos invasores dentro da área, o que constitucionalmente não pode haver.

A presença de invasores gera uma escalada de violência contra os povos indígenas, principalmente, devido à venda e consumo de bebidas alcoólicas. Denunciamos a venda de bebida alcoólica nas 'corrutelas' de Uiramutã, Socó, Água Fria, Mutum e Surumu, antigas bases de garimpagem ilegal dentro da nossa terra.

Outra violação aos nossos direitos é presença de arrozeiros nas várzeas dos rios Surumu e Cotingo, pois destroem toda a área de caça e pesca de nossas comunidades, além de usarem agrotóxicos de forma indiscriminada poluindo os rios que abastecem as aldeias.

Queremos apresentar um Relatório de Violência elaborado por nossa organização indígena, o Conselho Indígena de Roraima, para que possam ser adotadas medidas preventivas, acompanhamento e demais providencias necessárias para evitar e não deixar que fiquem impunes os crimes apontados.

Afirmamos que a terra indígena representa a própria vida dos povos indígenas, por isso é necessário ter a regularização fundiária com a terra protegida e livre de invasões. É importante acelerar os procedimentos demarcatórios de todas terras indígenas do Brasil.

Aguardamos que esse relatório possa reforçar na implementação de políticas publicas que venham a proteger, reforçar e respeitar os direitos dos Povos Indígenas.

Saudações indígenas,

Jacir José de Souza - coordenador geral do CIR

Gregório de Lima - coordenador da região da Serras

Marinaldo Trajano - coordenador da região Baixo Cotingo

Dionísio Tobias - coordenador da região Surumu

Raimundo da Silva - coordenador da região Raposa

Avelino Duarte - coordenador da região Amajari

Olavo Manduca - coordenador da região Serra da Lua

Jerônimo Pereira da Silva - coordenador da região Taiano

Valdeci Noro Wai Wai - coordenador da região Wai Wai

Arokono Yanomami - pelo povo Yanomami

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