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Carajás ocupam Praia da Farofa

O Popular -Goiânia-GO
Autor: Marilia Assunção
28 de Jun de 2001

Moradores de Aruanã temem que turistas sejam afugentados e comerciantes ameaçam ir para Praia do Cavalo

Uma disputa atrasou o início da montagem dos ranchos no ponto mais popular do Rio Araguaia, a Praia da Farofa. Os índios da aldeia Carajá de Aruanã decidiram ocupar o local, que fica em frente à cidade, do lado mato-grossense. A medida provocou protestos de comerciantes e barqueiros que trabalham no local, que alegam perdas financeiras e atrasos. Só no ano passado, mais de 40 ranchos foram instalados na Praia da Farofa. O impasse foi decidido com um acordo entre os índios e a prefeitura.
Os ocupantes, que alegam ser os proprietários daquelas areias, exigem taxas dos comerciantes – turistas estão isentos – para instalar seu comércio durante a temporada, no valor de 50 reais por rancho. Há cerca de um mês os carajás começaram a impedir a instalação dos ranchos na praia. A Fundação Nacional do Índio (Funai) chegou a embargar algumas armações para ranchos, até que surgiu um termo de ajustamento de conduta no início desta semana, definindo como será a convivência entre comerciantes e índios.
Assinam o termo, de um lado, a Associação da Aldeia Carajá de Aruanã e a Funai, e, de outro, os órgãos do governo do Estado incumbidos da programação da temporada e a prefeitura de Aruanã. A procuradora da República Rosângela Pofhal acompanha a questão.
Ocas
Nesta semana, os índios começaram a erguer três grandes ocas na Praia da Farofa. As armações são feitas no estilo carajá, com toras de pau jaú retiradas da reserva e levadas de canoa até a ponta da praia onde estão sendo montadas as ocas. Índios adultos e crianças trabalham para dar formato às construções, acompanhados por funcionários da Funai. As ocas devem ser cobertas com palha ainda nesta semana. Na terça-feira à tarde, um grupo de 11 índios trabalhava na construção. A aldeia de Aruanã abriga 92 índios de 17 famílias. Na Ilha do Bananal, está o restante dos carajás.
O carajá Renan Uassuri, presidente da associação da aldeia, explica que quando a temporada começar a aldeia de Aruanã vai receber os parentes da Ilha do Bananal nas ocas da Praia da Farofa. Segundo ele, os índios de Aruanã sempre foram os hóspedes na ilha e agora querem inverter a situação. Ele afirma que os 50 reais pagos pelos donos de ranchos são depositados na conta bancária da associação. Vamos usar o dinheiro em coisas que resgatem a cultura carajá, afirma.
A construção das ocas, em si, já está sendo uma aula para algumas das 30 crianças da aldeia. Os carajás pretendem vender artesanato e comidas da culinária indígena para os turistas nas ocas. Na maior das três, eles prometem apresentar danças da nação e contar estórias. O cacique carajá da Aldeia de Aruanã, Sariquina Carajá, um jovem de 25 anos, não vê problemas no contato com os turistas, que na Praia da Farofa promete ser mais próximo do que o travado pelos que visitam a aldeia na cidade, muito procurada por causa da loja de artesanato. Está combinado que eles vão ficar mais afastados. Para nossas crianças, vai ser bom porque elas vão aprender com os mais antigos coisas que nunca viram, afirmou. Ele próprio admite que mal sabe descrever como vão ser as danças típicas. Sei que na Dança do Aruanã vamos pintar o corpo, disse o cacique.
Sariquina diz que os índios da aldeia sempre desejaram desfrutar melhor da praia, mas não se sentiam muito à vontade. Neste ano vamos aproveitar mais, afirmava, enquanto o grupo erguia as toras e um menino índio brincava com um filhote de tartaruga.
Montagem de ranchos atrasa
A decisão dos carajás de controlar a ocupação comercial da Praia da Farofa – só comerciantes vão pagar, os turistas não –, atrasou o início da montagem dos ranchos que vendem comida e bebida para os milhares de visitantes durante a temporada. Os comerciantes protestam contra a decisão e alguns anunciaram que vão se instalar na Praia do Cavalo, que recebe grande público em Aruanã e não é reservada por acampamentos organizados.
O quadro preocupa muito a gente, que só ganha dinheiro nesse ano e que tem na Farofa a maior fonte de renda, argumenta o barqueiro Wilson Ferreira Vasconcelos. Ele é um dos 60 barqueiros em atividade em Aruan㠖 existem mais de cem filiados na associação deles. Segundo o barqueiro, muitos donos de rancho desistiram de vir demarcar as áreas, como tradicionalmente ocorre quando as praias do Araguaia começam a secar em junho. Isso já foi um prejuízo porque eles usam nossos serviços. E se os turistas também não vierem?, pergunta, preocupado.
Na temporada do ano passado, quando cerca de 44 ranchos funcionaram na Praia da Farofa, já estava quase tudo pronto em 20 de junho. Na terça-feira, a reportagem de O POPULAR contou cinco esqueletos de ranchos – a sexta construção era a armação das ocas carajás. Manoel Carvalho, um dos comerciantes que se já se rendeu e pagou os 50 reais à aldeia, conta que chegou a ser embargado pela Funai há alguns dias. É o sexto ano que trabalho aqui e a primeira vez que pago taxa, reclamava.
Ele considerou a atitude da aldeia um absurdo. Nunca ouvi dizer que índio tem praia. A praia não é da Marinha?, perguntava. Mesmo diante da situação, ele garantiu que termina o rancho rápido e coloca os freezers até domingo. Apesar de achar que tiraram nossa liberdade e a gente também é cristão, vou ficar aqui até o dia 10 de setembro, concluiu, conformado.
Regina de Matos, outra moradora de Aruanã que está acostumada a montar um rancho na Praia da Farofa todas as temporadas, também se queixou bastante. Acho isso errado. Se era deles, porque só estão cobrando esse ano?, questionava. Outra reclamação dela é que nesse ano os ranchos terão de ficar distantes cerca de 40 metros da água, quando no ano passado o limite era de apenas 10 metros. Para ela, isso espanta os turistas. Pelo jeito, Aruanã um dia vai ser toda dos carajás, reclamou.
Prefeitura assina acordo
A Praia da Farofa vai sair, garantiu por telefone a O POPULAR a prefeita de Aruanã, Ana Paula Gonzaga Souza. Ela estava em Goiânia na terça-feira, justamente assinando o termo de ajustamento com o Ministério Público Federal. Ana Paula vê um ponto positivo na ocupação dos carajás: Vai valorizar os índios de Aruanã e isso pode chamar ainda mais a atenção sobre a cidade.
Praia Feliz foi o nome dado ao projeto com a programação da temporada do Rio Araguaia deste ano. Um dos detalhes do projeto, a construção de um grande palco, foi um dos motivos que apressaram a ocupação da praia pelos carajás. O palco vai abrigar grandes shows na praia, que fica em frente à aldeia, mas algumas lideranças indígenas reclamaram que não tinham sido consultados sobre a programação.
À frente da decisão de ocupar a Praia da Farofa, tomada pelos índios, e dando a ela respaldo legal e técnico, além da segurança, está Thomaz Volney de Almeida, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Goiânia. Ele foi designado para coordenar esse trabalho e outros três projetos visando o resgate do espaço e da cultura carajá, trabalho que ele planeja executar em seis meses. Experiência parecida ele teve com os índios da Nação Pataxó, em Porto Seguro (BA), durante três anos.
A Funai trabalha a retomada do espaço para o índio sem litígios e desavenças, embora de forma irreversível, afirma Thomaz, que salienta o respaldo do Ministério Público Federal. Ele considera a taxa de 50 reais irrisória e afirma que a Funai vai acompanhar o resgate cultural da associação com o dinheiro levantado.
Ele nega que tenha havido polêmica no acerto entre os carajás, a comunidade de Aruanã que trabalha nas praias, a prefeitura e os órgãos estaduais responsáveis pela programação da temporada. O coordenador frisa que nem os índios nem a Funai querem tolher o turismo, principal vocação econômica do município de Aruanã. Os projetos que ele coordena implicam uso de outras praias do lado de Cocalinho (MT); um projeto produtivo na reserva, com piscicultura, bovinocultura e agricultura de subsistência; e um projeto de reocupação de toda a reserva carajá do lado de Aruanã.

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