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Canastra retalhada

O Eco
Autor: Gustavo Faleiros
03 de Jul de 2007

O Parque Nacional da Serra da Canastra, conhecido por proteger as nascentes do rio São Francisco, em Minas Gerais, pode ser retalhado em pleno Congresso Nacional. Com o argumento de regularizar atividades econômicas e propriedades rurais instaladas ilegalmente sobre a área da unidade de conservação, deputados apresentaram um Projeto de Lei que reduz em aproximadamente 48 mil hectares a área original. Os parlamentares tem a sua favor a situação caótica criada pelo Governo Federal, que desde 1972, quando o parque foi decretado, não conseguiu regularizar as terras e foi conivente com o estabelecimento de atividades degradantes como mineração e pecuária extensiva.

A proposta de projeto de lei (PL) foi apresentada na mesa diretora da Câmara há uma semana pelos deputados Carlos Melles (DEM), Odair Cunha (PT), Maria do Carmo Lara (PT), Geraldo Thadeu (PPS) e Rafael Guerra (PSDB), todos de Minas Gerais. Antes que seja encaminhada para apreciação nas comissões, a proposição passará por duas reuniões abertas, sendo a primeira nesta quinta no plenário da Comissão de Meio Ambiente.

A idéia dos deputados é de que o Parque Nacional tenha uma área final de 150,280,88 hectares (ha), retirando dele 47,516,17 ha. Segundo eles, na justificativa do PL, esta proposta será seguida por outras que vão sugerir que as áreas desafetadas, que se encontram no vale entre as serras da Canastra e Babilônia, tornem-se Áreas de Proteção Ambiental (APA), e que seja criado uma nova unidade de conservação para proteger as nascentes do rio Samburá, que também fazem parte da bacia do São Francisco.

A polêmica que se arma neste momento com relação aos limites do Parque da Canastra tem sua origem num processo de implementação mal conduzido ao longo dos 35 anos de existência da unidade. O decreto de criação em 1972 estipulou a área total do parque em 197,797,05 ha. Mas na ocasião apenas 71,525 ha das terras foram regularizadas. Pressões políticas de fazendeiros conseguiram interromper as desapropriações já no fim da década de 70, tanto que em 1981, o plano de manejo da unidade de conservação citava apenas as terras regularizadas. Foi em 2005, quando o Ibama anunciou intenção de elaborar um novo plano de manejo para a Canastra, e desapropriar os cerca de 130 mil ha restantes, que empreendedores da região iniciariam mobilização para rever as fronteiras do parque.

O projeto de lei apresentado pelos cinco deputados mineiros concretiza a mobilização dos proprietários da região. Na opinião de Carlos Melles, a proposta representará um ganho na conservação da região. Em primeiro lugar ele considera de extrema importância criar uma unidade de conservação, que provavelmente será um monumento natural, para proteger as nascentes do rio Samburá. Estudos da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) indicam que a verdadeira nascente do rio São Francisco seriam as do Samburá, que estão fora do Parque Nacional da Canastra, na cidade de Medeiros.

Além disso, diz Melles, o fato de unir o parque a um monumento natural mais as APAS que surgirão nas áreas desafetadas, garantiria uma zona de conservação superior aos 200 mil ha atuais. O nome [das unidades de conservação] é o menos importante, pelo menos a área vai conseguir cumprir sua função de preservar as nascentes, pondera o deputado.

O técnico da Diretoria de Ecossistemas do Ibama Sérgio Brant contesta os argumentos do Melles. Segundo ele, o fato de que apenas 71, 5 mil ha do parque estejam regularizados não quer dizer que unidade não tenha efetividade como instrumento de conservação nas áreas originais. Fazer um mosaico com APAs torna a proteção mais fraca. Só devemos utilizar um mosaico quando não temos saída para ter uma área ampla, explica. Outra questão, levantada por Brant, é que conservar as nascentes do Samburá, já bem degradadas, não torna a proteção das atuais nascentes menos importantes.

Solução sem conflitos?

A relatoria dos projetos de lei que pretendem mudar a feição da Serra da Canastra vai ser feita pelo deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). Ele crê que a solução proposta pelos mineiros permitirá a regularização fundiária da região sem grandes conflitos. Ao transformar as áreas desafetadas do parque em APAs, o deputado julga que os habitantes vão estar muito mais comprometidos com a conservação. Ali tem um potencial de turismo que com a regularização poderá receber investimentos em infra-estrutura, aponta Gabeira.

Os deputados afirmam, durante a justificativa do projeto de lei, que a proposta está em consonância com soluções pensadas pelo Governo Federal. Isso porque a Casa Civil da Presidência da República realizou entre 2005 e 2006 diversas reuniões de um grupo de trabalho que discutiu a revisão dos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra. No relatório final, recomendou-se que o parque fosse mantido com 200 mil hectares e que se criassem formas de proteger as nascentes do Samburá. Mesmo que as idéias dos deputados não estejam seguindo a risca a recomendação de manter o parque com o mesmo tamanho, eles julgam que estão promovendo ganhos na conservação ao criar um monumento natural no Samburá.

O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, que participaram do Grupo de Trabalho na Casa Civil, foram pegos de surpresa pelo projeto de lei que retira 48 mil ha da Serra da Canastra. Isso mostra que a harmonia de ações entre legislativo e executivo, alegada pelos deputados, não é tão certa. A Casa Civil ao que tudo indica tem dado sinais contraditórios. Os deputados julgam ter o apoio de técnicos subordinados à ministra Dilma Rousseff, que teriam recomendado a elaboração do projeto de lei para não causar desgaste ao executivo na redução do parque.

Por outro lado, o Ibama julga que suas propostas para a regularização dos 130 mil hectares do parque foram acolhidas pela Casa Civil. O órgão ambiental quer aplicar o instrumento de compensação de reserva legal, onde proprietários com pendências legais compram créditos de áreas conservadas dentro de unidades de conservação.

Independente de qual proposta seja cara à poderosa Dilma Rousseff, o fato é que uma importante área de conservação em uma zona de transição entre Cerrado e Mata Atlântica está sendo discutida com critérios pouco claros no Congresso. O debate da redução parece interessar empresários, fazendeiros e mineradores. Mas onde entra a preocupação com a biodiversidade nesta história, ninguém conseguiu explicitar.

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