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Cana-de-açúcar cede espaço para outras culturas e até para projetos imobiliários

OESP, Economia e negócios, p. B1
02 de Mar de 2015

Cana-de-açúcar cede espaço para outras culturas e até para projetos imobiliários
Usinas e produtores de cana buscam oportunidades em outras áreas para elevar rentabilidade de seus negócios; setor sucroalcooleiro, que atravessa momento difícil, tem 80 unidades de produção paradas e várias em recuperação judicial

Mônica Scaramuzzo - O Estado de S.Paulo

A cana-de-açúcar está cedendo espaço para outras culturas agrícolas, como soja e amendoim, para florestas e até para condomínios residenciais. Com a crise do setor sucroalcooleiro, usinas e fornecedores de cana da região Centro-Sul do Brasil estão abrindo mão de seus canaviais para investir em atividades que garantam uma renda maior.
O avanço de outras culturas sobre a cana ainda não é generalizado, mas começa a ganhar espaço em São Paulo, maior Estado produtor da matéria-prima no País, Minas Gerais, e na região Centro-Oeste, o grande "celeiro" da soja, afirmam fornecedores de cana e especialistas do setor. Essa substituição ocorre, principalmente, em regiões onde usinas enfrentam problemas financeiros ou fecharam por falta de capital para manter o negócio.
Atualmente, 80 das cerca de 450 usinas do País estão paradas. Dessas 80, 36 estão em recuperação judicial. Outras 44 pediram proteção contra credores, mas continuam na ativa, de acordo com a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). O anúncio da volta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina e a expectativa de elevação da mistura do etanol na gasolina, de 25% para 27%, podem dar um alento ao setor no curto prazo, mas não resolvem a situação financeira delas, diz Plinio Nastari, da consultoria Datagro.
"Hoje qualquer coisa está melhor que a cana", afirma Sérgio Pavani, produtor de cana na região noroeste de São Paulo, referindo-se à rentabilidade do negócio. Pavani tem 5 mil hectares plantados com cana, 1 mil hectares ocupados por amendoim e 600 com soja. Ele reconhece que o setor tem passado por grandes dificuldades, mas "continua acreditando na cana". "Sempre plantei soja como forma de rotação de cultura com a cana. Mas em época de crise, torna-se um alento", diz. Há dois anos, Pavani começou a aumentar sua área com outras culturas para não ficar tão exposto à cana.

Oportunidades. Essa diversificação não está restrita a fornecedores. Na Odebrecht Agroindustrial (ex-ETH), a mudança de direção tem sido feita de maneira discreta. Com canaviais ocupando 450 mil hectares, a companhia começou a testar outras culturas há um ano. Hoje, cerca de 20 mil hectares já são ocupados por florestas e soja, em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, onde o grupo está presente. Essas áreas poderão triplicar nos próximos anos.
Luiz de Mendonça, presidente do grupo, diz que a companhia, com nove usinas, incluindo São Paulo, não mudará seu DNA canavieiro. O grupo, criado em 2007, tem estudado novas oportunidades de aproveitamento das terras. "Ao longo dos últimos anos fizemos mudanças. De uma companhia que só produzia etanol, passamos a fazer açúcar e energia."
Com endividamento de R$ 11 bilhões, quase quatro vezes seu faturamento, previsto em R$ 2,7 bilhões na safra 2014/15, a companhia vendeu, no ano passado, seus ativos de produção de energia com biomassa para a Odebrecht Energias Renováveis, por R$ 3,7 bilhões, e recebeu uma injeção de recursos de R$ 832 milhões de seu controlador, o grupo Odebrecht, para ganhar fôlego. A empresa estuda fechar uma unidade produtora.
A venda de propriedades rurais também tem sido uma saída das empresas para ganhar liquidez. A BP Biocombustíveis, do grupo petroleiro britânico BP, com três usinas em operação, está se desfazendo de 26 fazendas em Minas, segundo fontes a par do assunto. As vendas seriam para produtores de soja e cana. Procurada, a BP informou que suas transações com terceiros são confidenciais.
A companhia, que chegou ao Brasil em 2008, já tinha vendido em 2012 equipamentos e área agrícola do projeto Campina Verde, que estava em construção, para a Bunge. A empresa tem três usinas em operação - duas em Goiás e uma em Minas. Ao Estado, a companhia informou que investiu R$ 2 bilhões entre 2011 e 2014 na expansão dos negócios.

Condomínios. Dono de uma área agrícola de 52,6 mil hectares, o grupo São Martinho é um dos que têm situação financeira mais confortável do setor. Mas, ainda assim, foi em busca de alternativas que dessem maior rentabilidade à empresa. Em outubro, criou a Vale do Mogi Empreendimentos Imobiliários, em parceria com a Alphaville Urbanismo, para construir condomínios residenciais em Ribeirão Preto, Limeira e Piracicaba. "Nosso caso é diferente da crise do setor. Identificamos 2 mil hectares que já não podiam ser ocupados por cana por estarem em área urbana", diz Fábio Venturelli, presidente do grupo. Em 2013, o grupo já tinha vendido um terreno de 200 hectares, na cidade de Iracemápolis (SP), para a Mercedes-Benz construir sua fábrica. Neste caso, os canaviais cedem espaço para o concreto.

Margem da soja chega a ser cinco vezes maior que a de cana
Mesmo com preços em queda, em função do aumento da oferta, rentabilidade do grão é bem maior que a da cana

Quando a cana-de-açúcar avançou sobre as novas fronteiras agrícolas, sobretudo de grãos, no Centro-Oeste do Brasil, entre 2003 e 2007, muitos agricultores de soja e milho da região criaram resistência à chegada dessas novas usinas sucroalcooleiras, que expandiam seus negócios com o 'boom' do consumo de etanol àquela época. Agora, com o setor mergulhado em crise, o caminho é inverso.
Os plantadores de cana começam a repensar suas estratégias e colocam na ponta do lápis o que é mais rentável. "Grandes culturas agrícolas, como soja e cana, têm efeito de escala muito importante", afirmou José Vicente Ferraz, diretor da Informa Economics FNP, uma das mais tradicionais consultorias agrícolas do País.
Ao decidir pela troca de cultura agrícola, além das condições climáticas da região, é preciso observar a eficiência de escala para escoar a produção.
A pedido do Estado, a Informa Economics FNP fez um levantamento de custos de produção de soja e cana nas regiões onde a cana perde espaço. O estudo constatou que, mesmo com a redução dos preços, a soja leva vantagem. Em Rio Verde (GO), a margem de venda da soja é de 38,56%, considerando o custo de produção por hectare de R$ 1.961,13 e receita de R$ 3.192 No caso da cana, na mesma região, a margem de venda é de 6,47%, considerando um custo por hectare de R$ 23,918 mil e receita de R$ 25,72 mil.
Em Dourados, no Mato Grosso do Sul, a soja segue igualmente rentável, com margem de venda de 32,08% e a da cana de 6,67%. Essas contas, contudo, não podem ser generalizadas para todo País, uma vez que variam de região para região. Em São Paulo, o cálculo de margem válido é o mesmo de Dourados.
Na região de Monte Aprazível, noroeste do Estado de São Paulo, com pouca tradição em soja, muitos plantadores de cana estão elevando as apostas no grão por conta da crise do setor, disse Donaldo Paiola, presidente da Associação de Fornecedores de Cana da região. "Nessa região, temos importantes usinas, mas alguns grupos, como o Virgolino de Oliveira, não estão pagando os fornecedores. Os produtores de cana estão tomando gosto pela soja", disse. Procurada, o GVO informou que está em negociações com os produtores para pagar pela cana em atraso e está vendendo fazendas para levantar capital.
Na região de Araçatuba, os fornecedores enfrentam o mesmo problema e estão reduzindo a área de renovação do canavial, diz Fernando Girardi, presidente da Associação dos Produtores de Araçatuba. Há atrasos de pagamentos pelas usinas do GVO e da Renuka. Procurada, a Renuka não retornou aos pedidos de entrevista.

Renovação do canavial. De acordo com Plinio Nastari, da Datagro, a renovação dos canaviais tradicionalmente gira em torno de 18% a 20%. Nesta safra, a 2014/15, que se encerra neste mês, a média ficou em 15,2%. O mais baixo índice foi de 10,7% no ciclo 2009/10, quando a crise estava mais aguda.

OESP, 02/03/2015, Economia e negócios, p. B1

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