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Cana começa a ocupar espaço de grãos e gado

CB, Economia, p. 24-25
29 de Abr de 2007

Cana começa a ocupar espaço de grãos e gado
O Centro-Oeste desponta como sucessor de São Paulo na liderança do mercado de álcool e açúcar. Sociedade e governo discutem regras para plantar sem danificar o meio ambiente no Mato Grosso

Luciano Pires
Enviado especial

Rodovias que havia pouco tempo serviam de passagem para caminhões carregados de bois e grãos, agora convivem com o tráfego intenso de carretas abarrotadas de cana-de-açúcar. E isso não se deve só ao início da safra deste ano. Nos estados do Centro-Oeste, áreas de pastagem, plantações de soja, milho e algodão cedem espaço à matéria-prima energética mais valorizada do momento. O avanço da cana em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul revela uma mudança radical na fisionomia agrícola e econômica da região, que o Correio começa a re-tratar a partir de hoje, depois de percorrer quase 4 mil quilômetros e visitar 20 municípios ao longo de nove dias.
Senador Canedo (GO), a 18 km de Goiânia, é um símbolo dessa acelerada expansão. A cidade se desenvolve ao ritmo do etanol e, embora não produza um litro de álcool, é importante pólo de distribuição de combustíveis. Com o anúncio de que a Petrobras destinará US$ 750 milhões à construção de um alcoolduto ligando a cidade a Paulínia (SP), Canedo vive a expectativa de se transformar em um dos maiores entrepostos do mundo, abocanhando mais impostos. "Daqui a 10 anos ninguém reconhecerá esse lugar. Seremos mais prósperos do que muitas cidades paulistas", prevê Zélio Costa, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo. Em 2012, a capacidade de transporte do alcoolduto será de 8 bilhões de litros.

Atração
Com o duto, Goiás será referência para escoar a própria produção e a dos estados vizinhos. As obras, previstas para começar em 2008 e terminar entre 2010 e 2012, aproveitarão a faixa de terra por onde já correm tubulações subterrâneas que trazem diesel e gasolina de São Paulo. O simples anúncio do investimento, financiado pelo Japan Bank for International Cooperation (JBIC), atrai profissionais das mais diversas áreas. "Isso aqui era uma roça há quatro anos. Hoje, o comércio melhorou, as casas ficaram mais caras. Muita gente que saiu, resolveu voltar", diz Rodrigo Hilário Garcia, 23 anos, administrador de empresas, dono de uma oficina mecânica recém-inaugurada.
Em nenhum outro lugar do Brasil há tanta terra fértil, barata e plana disponível. A regularidade de chuvas e de sol durante o período de cultivo, a mão-de-obra farta e os incentivos fiscais e tributários oferecidos pelos governos complementam o ambiente ideal para o fortalecimento da atividade. Por essas razões, o Centro-Oeste desponta como sucessor natural de São Paulo na liderança do mercado de álcool e açúcar, deixando para trás inclusive zonas nobres no Triângulo Mineiro, Paraná, Tocantins, Maranhão, Pará e Bahia - todas consideradas fronteiras agrícolas emergentes.
O Brasil colherá este ano a maior safra de cana da história. Serão 491 milhões de toneladas, sendo 50 milhões no Centro-Oeste - o dobro do que foi registrado em 2000. A velocidade com que a área plantada aumenta, aliada à montagem de novas usinas, comprova que a aposta feita por grandes grupos não foi em vão. "O momento é de oportunidades e, ao mesmo tempo, extremamente desafiador", analisa Júlio Capobianco Filho, executivo da usina Goiasa, em Goiatuba (GO). Juntos, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm hoje 37 unidades produtoras de álcool e açúcar. Em cinco anos, a estimativa é chegar a 100. Em todo o país são 357 usinas em atividade e outras 136 em estudo. "O mundo inteiro tem invejado álcool brasileiro. O que o setor pede é que não nos atrapalhem", completa João Nicolau Petroni, diretor-presidente da usina Barralcool, em Barra do Bugres (MT).

Críticas
Mas o apetite dos usineiros encontra obstáculos. Desconfiada do boom do etanol, parte da classe política abriu fogo contra a cana. "Já vi bons momentos da soja e de outros grãos. E vi todos passarem. Onde a cana está o emprego é mais difícil e menor", acusa o prefeito de Rio Verde (GO), Paulo Roberto Cunha (PP), um dos mais duros críticos ao modelo de negócios preconizado pela cana.
Na tentativa de "blindar" seu município da avalanche verde, Cunha baixou lei determinando que apenas 10% da área agricultável de Rio Verde poderá ser destinada à planta, que é a base do etanol nacional. Isso equivale a 50 mil hectares. "Recebi críticas pesadas, mas tenho a população inteirinha a meu favor", reforça. Segundo ele, Goiás e outros estados correm i o risco de serem engolidos por uma monocultura "que traz poucos benefícios". Os usineiros protestam contra a medida.
Atitudes como essa estão presentes em menor ou em maior escala nas cidades que se abriram recentemente para a cana. Pelo menos por enquanto, barreiras burocráticas ou tributárias não minaram a disposição dos empresários de injetar recursos nos projetos. Para Plínio Mário Nastari, diretor-geral da Datagro, uma das maiores consultorias do ramo, a disputa entre grãos, gado e cana tende a se acomodar à medida que um setor se integre ao outro. "A monocultura é um temor infundado. A cana traz um desenvolvimento positivo por onde se alastra. Agora, não resta dúvida que esse crescimento pelo Centro-Oeste provocará grandes transformações", explica.
Que o digam os donos de terras próximas às usinas. Em um raio de 30 km, os imóveis rurais estão supervalorizados, chegando a custar até quatro vezes mais do que antes da chegada das indústrias. A cana só é economicamente viável se cultivada próxima à unidade de transformação porque o transporte é caro.
A prática mais comum na parceria entre proprietários de terras e usinas é o de arrendamento, que também contribuiu para a elevação do preço dos imóveis. Nele, o dono da terra não arca com qualquer custo no plantio e é remunerado segundo o que está previsto em contrato (ou por produção por hectare ou sobre a colheita ). Em Goiás, há casos de um hectare ser arrendado por até R$ 30 mil. Já em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, os preços variam de R$ 10 mil a R$ 15 mil..

Esperança chega com as usinas

Início da colheita é sinal de que o dinheiro vai começar a circular de mão em mão. "Nessa época, a gente sabe que pode assumir compromisso sem medo porque terá como pagar", afirma Virgínia Maria Pereira, proprietária de um salão de beleza na pequena Nova Olímpia (MT), a 210 Km de Cuiabá. O movimento cresceu e, pelo menos até novembro a jornada de trabalho de todos que lidam com o comércio aumentará. Tem sido assim desde que a primeira muda de cana-de-açúcar foi plantada no município. "A cidade depende 100% da usina", confessa.
Nas ruas, na praça e nos bares a chegada de trabalhadores vindos de fora que vão atuar na usina Itamarati (instalada nos arredores de Nova Olímpia) é motivo de comemoração. No Hotel Ouro Verde, técnicos e mecânicos contratados pela empresa lotam os 12 quartos. "Vou ficar uns dois meses com a casa cheia e sem vaga nenhuma", revela com satisfação Jair Silva, dono do hotel.
Mato Grosso tem na pecuária e na soja seus principais pilares econômicos. Com grandes usinas em operação, o estado busca projetar-se nacionalmente, atraindo capital e incentivando a construção de mais destilarias. Hoje, apenas 200 mil hectares estão ocupados com cana, mas há 2 milhões disponíveis para este fim, o que anima grupos paulistas e do Nordeste a migrarem. "Podemos ser tão bons em cana como somos em grãos", acredita Jorge dos Santos, secretário-executivo do Sindicato das Indústrias Sucroalcooleiras do Estado de Mato Grosso (Sindalcool).
O Pantanal e as enormes áreas de preservação, no entanto, obrigam a indústria a reavaliar sua abrangência. A preocupação com o meio-ambiente trava investimentos e, para não comprometer os novos projetos, governo, sociedade civil, empresários e ONGs decidiram abrir um amplo e inédito debate sobre como o setor sucroalcooleiro poderá crescer sem comprometer as belezas naturais. Uma espécie de marco regulatório está sendo discutido junto à Assembléia Legislativa e ao Executivo, o que deverá nortear políticas públicas no futuro. "Isso vai trazer mais tranqüilidade para todos", resume o representante do Sindalcool.
O governador Blairo Maggi avalia que Mato Grosso será pioneiro nesse tipo de definição legal. Para ele, que é um dos maiores sojeiros do mundo, o fundamental não é ser o grande produtor de álcool do Brasil e sim, o mais organizado. "Evoluímos muito (na área ambiental). Estamos fazendo protocolos de intenção com vários setores para que todos trabalhem dentro do que é razoável. Não seremos os maiores neste momento, mas seremos os melhores", completa.
Dentro dessa estratégia, que Maggi chama de "pulo do gato", está a intenção de produzir etanol a partir do milho - como nos Estados Unidos - aproveitando a estrutura das usinas de álcool já instaladas. Se der certo, o estado terá condições de fabricar o combustível durante a entressafra da cana. "Ficamos entupidos de milho por alguns meses do ano e o preço cai muito. A idéia é ver se a gente consegue dar uma sustentação ao grão e, ao mesmo tempo, cria oportunidades para os investidores", afirma. (LP)

Leis Claras atraem investimentos

A Prefeitura de Angélica, a 250 km de Campo Grande, perderá o posto de maior empregadora de mão-de-obra assim que a construção de uma usina de álcool e açúcar - localizada na área rural do município - chegar ao fim. A indústria, que tem data prevista para começar a operar em junho de 2008, contratará 1,2 mil funcionários e é resultado de pesados investimentos estrangeiros e nacionais.
Em Mato Grosso do Sul, esse casamento deu tão certo que o estado passou a incentivar a fixação de empresas que têm sede fora do país. O interesse externo pelo etanol brasileiro encontrou em algumas cidades condições apropriadas para vingar. Há leis claras, boa vontade dos governos em reduzir a burocracia e os impostos e, especialmente, terras úteis a serem ocupadas. "Está sobrando dinheiro no mundo e os recursos acabam vindo para o país. Se o estrangeiro escolheu Mato Grosso do Sul é porque se sente seguro", resume sem falsa modéstia o vice-governador Murilo Zauith.
A população de Angélica já se acostumou a esbarrar em americanos e argentinos. Vez por outra, franceses e ingleses também passam pela cidade. Por causa desse movimento atípico de pessoas, que precisam se alimentar e dormir bem, praticamente todo o comércio está em reforma. Na principal rua, pintores, pedreiros e marceneiros retocam fachadas e levantam pequenos prédios. Com apenas 10 mil habitantes, não há hotéis, somente duas pousadas. "Ninguém pagava IPTU. Os imóveis não tinham valor algum. Agora, as pessoas estão motivadas e começaram a quitar os débitos antigos", diz o prefeito João Donizete Cassuci (PDT).
Danilo Reiz Basílio, 19 anos, fiscaliza de perto as obras do restaurante da família, o Dalawi. A perspectiva de lucrar com a chegada dos novos moradores que vão trabalhar na usina obrigou seu pai, o proprietário, a ampliar as instalações. "A intenção era trocar o telhado e parar por aí, mas como o movimento cresceu decidimos mudar a cozinha de lugar, fazer um banheiro novo e aumentar o salão", descreve. "Hoje, só cabem 60. Vão caber 200", completa o rapaz.
A cerca de 120 Km de Angélica, no município de Naviraí, a Infinity Bio-Energy adquiriu a Usinav, uma destilaria de médio porte. Com 75% de sua participação acionária nas mãos de bancos, entre eles, o Merrill Lynch, a Infinity é formada por 50 investidores europeus e americanos. "Além de Naviraí, pretendemos construir mais três usinas em Mato Grosso do Sul. Estamos satisfeitíssimos com o investimento", afirma Sérgio Thompson-Flores, o presidente da Infinity Bio-Energy, que já destinou US$ 400 milhões ao negócio envolvendo álcool e cana-de-açúcar. (LP)

CB, 29/04/2007, Economia, p. 24-25

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