Agência FAPESP
Autor: ROMERO, Thiago
13 de Jul de 2007
Caminhos do saber tradicional
Ciência interessa às sociedades indígenas? A pergunta serviu de título para uma mesa-redonda na 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Belém, em que foram apresentadas opiniões opostas de representantes de etnias da região amazônica.
"O conhecimento indígena não é coletivo e nem público, por isso deve ter regras claras para ser acessado", defendeu André Fernando Baniwa, diretor da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que destacou ser a favor do avanço do conhecimento tradicional por meio de parcerias com pesquisadores "brancos", desde que regras de conduta sejam discutidas antes dos estudos.
"Antigamente, os pesquisadores nos faziam questionamentos e, inocentemente, falávamos o que não devíamos. Então, começamos a analisar os benefícios que as pesquisas poderiam trazer para nossas comunidades e também quais os caminhos possíveis de seus resultados na sociedade, para entender que essa aliança é importante", disse.
A Foirn, associação civil sem fins lucrativos fundada em 1987, representa cerca de 750 aldeias com mais de 35 mil pessoas, nos municípios de Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira, no noroeste amazônico.
Em parceria com o Instituto Socioambiental, a Foirn elaborou em 2000 uma série de regras de conduta para que os povos do rio Negro pudessem aprender a compartilhar experiências com cientistas, com procedimentos como, por exemplo, a exigência da justificativa, objetivos e procedimentos do estudo.
Segundo Baniwa, tais critérios foram estabelecidos para permitir a repartição dos benefícios das pesquisas de acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica e demais leis que regulamentam os trabalhos e metodologias científicas, além de garantir a publicação de artigos científicos em co-autoria de pesquisadores indígenas e não-indígenas.
"A atividade de pesquisa é importante para nossas comunidades e ajuda a valorizar as tradições culturais, auxiliando na gestão do território e em novas aplicações de saúde. Mas aprendemos a identificar o que é bom para nós e não mais aceitar tudo o que vem de fora das tribos", afirmou Baniwa.
O pajé Davi Kopenawa Yanomami, da Comissão Pró-Yanomami (CCPY), apresentou um ponto de vista diferente: "Nosso criador é um só e deixou a ciência guardada debaixo da terra. Esse conhecimento, que é sagrado e por isso deve ser respeitado, não pode ser arrancado e nem destruído".
Ele atribuiu boa parte das doenças que chegaram às aldeias ianomâmi nas últimas décadas aos "homens brancos" que ali estiveram. "Hoje, temos sérios problemas com malária, gripe e tuberculose que provavelmente foram transmitidas por missionários, garimpeiros e militares que freqüentaram nossas terras. Eu, como pajé, não posso mais permitir que isso aconteça", disse.
"Muitos cientistas destruíram os recursos naturais de nossas terras sem nos pedir permissão. O pensamento do povo ianomâmi é diferente. Não estamos preocupados somente com nossos povos, mas com toda a população brasileira, que também precisa nos ajudar a preservar a Amazônia", disse.
Os ianomâmis, conhecidos pela relevância em termos de proteção da biodiversidade amazônica, formam uma sociedade de caçadores-agricultores no norte da Amazônia, cujo território cobre aproximadamente 192 mil quilômetros quadrados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela. A população total é estimada em cerca de 26 mil indivíduos.
Agência FAPESP, 13/07/2007
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