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Câmara lança relatório sobre terras indígenas

Radiobrás-Brasília-DF
04 de Mai de 2004

Em outubro do ano passado, deputados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara visitaram aldeias indígenas de sete estados brasileiros em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima, Pernambuco, Bahia e Santa Catarina. Os problemas encontrados e as sugestões para resolvê-los estão no relatório apresentado nesta terça-feira (4), em uma audiência pública, na Câmara.

No documento, os parlamentares pedem, por exemplo, que a Presidência da República homologue a demarcação da terra Raposa Serra do Sol em área contínua, apure as denúncias de corrupção na Funai - Fundação Nacional do Índio e crie um grupo de elite para coordenar as ações dos órgãos que lidam com a questão indígena. Os deputados também reivindicam a criação de uma aposentadoria especial para índios e de um programa que permita o acesso dessa população à universidade.

Coordenador da caravana que visitou as aldeias, o deputado Orlando Fantazzini (PT/SP) lembrou da necessidade do governo federal reforçar a segurança na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia. Fantazzini também propõe rapidez na definição de critérios para a exploração mineral na área, restringindo o direito de garimpagem aos índios.

Há um mês, 29 pessoas morreram na região em um conflito entre garimpeiros e índios da etnia Cinta-Larga. "Essa era uma tragédia anunciada", afirma Fantazzini. "Quando visitamos a região, no ano passado, chegamos a enviar relatórios para o governo, mas nada foi feito", denuncia.

Secretário de Acompanhamento e Estudos Institucionais da Presidência da República, o comandante José Alberto Cunha Couto reconhece que os problemas em Roosevelt eram de conhecimento do governo. No entanto, segundo ele, desde o ano passado estavam programadas ações na área. Há dez dias, essas ações foram incorporadas, como prioridade, a uma operação chamada Mamoré.

A operação reúne 350 funcionários de 22 órgãos federais, concentrados em desvendar o crime organizado em Rondônia. "Cerca de 2/3 desse efetivo está nos postos em torno da reserva, revistando, controlando a entrada e saída de pessoas, pronto para agir com rapidez diante de algum novo conflito na mata", revela o comandante Couto.

Demarcações de terras indígenas

Durante a audiência pública desta terça-feira na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, o professor de direito constitucional da USP - Universidade de São Paulo, Dalmo Abreu Dallari, classificou como inconstitucional a redução de 30% do território inicialmente demarcado para a reserva Raposa Serra do Sol. "O artigo 231 da Constituição estabelece regras muitas claras sobre as terras indígenas", defende Dallari. "Não podemos permitir que a existência de escrituras - a maior parte delas falsas - ou os interesses econômicos levem ao desrespeito dos direitos dos índios à terra."

Ao final da audiência, o professor garantiu que irá recorrer à Justiça Federal com uma ação de inconstitucionalidade caso o governo federal homologue a demarcação da terra Raposa Serra do Sol com os critérios estabelecidos em parecer aprovado na semana passa pela Câmara. O parecer retira da área demarcada 15 quilômetros ao longo da fronteira, o município de Uiramutã e as plantações de arroz.

A reserva Raposa Serra do Sol tem 1,7 milhão de hectares e reúne a população urbana total de não índios de 665 pessoas, distribuídas nas cinco vilas. A população indígena soma 14.719 pessoas que vivem em 148 aldeias das etnias Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona.

Para a subprocuradora-geral da República, Deborah Macedo Duprat, o isolamento dessas tribos em uma demarcação descontínua pode levar ao genocídio da população. "Os índios precisam de áreas para caçar, retirar a tinta para pintar o corpo, realizar rituais", afirma a subprocuradora.

Deborah se diz preocupada com a forma como as demarcações vem sendo modificadas antes de serem homologadas. Para ela, as modificações são ilegais. "Isolar as tribos é um ato de discriminação. Mostra que estamos confinando os índios às suas aldeias e negando a eles a prática do dinamismo cultural."

Assim como o professor da USP, a subprocuradora-geral pediu uma posição mais clara do Congresso e governo federal quanto à política indigenista praticada no país. Os dois também se manifestaram a favor da inclusão do Estatuto do Índio na pauta de discussões parlamentar, assim como os 71 projetos de lei que tratam na questão indígena, em tramitação no Congresso. Mas ressaltam que a avaliação de ambos deve contar com a participação efetiva dos próprios índios.

As reivindicações de Dallari e Deborah foram reforçadas pelo depoimento, ainda na audiência pública, do bispo de São Felix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáglia. Conhecido defensor da causa indígena, Casadáglia propôs uma mudança geral na política brasileira.

"A causa indígena se torna perdida se temos uma política nacional neoliberal. Se obedecemos o FMI, não podemos obedecer as reivindicações dos povos indígenas", acredita Casadáglia.

Suplementação orçamentária

O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, informou nesta terça que irá pedir uma suplementação orçamentária de R$ 60 milhões para o órgão. De acordo com ele, a Funai dispõe de apenas R$ 93 milhões por ano. "A maior parte da verba para a assistência aos índios vai para a Fundação Nacional de Saúde. São R$ 280 milhões de um total de R$ 700 milhões reservados no orçamento para a aplicação da política indígena", revelou. "Hoje, não adianta os índios quererem esganar a Funai para conseguir recurso. Não temos verba", afirmou.

Em depoimento na audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o antropólogo reafirmou a intenção da Funai e do governo em buscar uma política integradora da questão indígena. "Existem grupos estudando onde estão os recursos para as ações com os índios, divididos nos últimos governos em várias instituições. Fazer esse mapeamento não é um trabalho fácil", reconhece Gomes.

Segundo ele, na última semana, a Funai enviou ao Ministério do Planejamento um pedido de abertura de concurso com 500 vagas para o órgão, que prevê a participação de índios. Nos últimos 18 anos, o número de funcionários da Funai caiu de 5,8 mil para 2,1 mil. Na mesma época a população indígena triplicou. Hoje, são cerca de 700 mil índios no Brasil.

"Estamos dispostos a levar nossos planos de valorização dos índios adiante, sem medo de quem fala que a Funai não presta, é corrupta. Os militares já diziam isso do Serviço de Proteção ao Índio", lembra o presidente da Funai, que disse acreditar na intenção do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em homologar a terra Raposa Serra do Sol em área contínua. "Esse é um governo aberto para várias áreas e argumentos. Mas eu não tenho dúvida que será também o governo que vai consolidar a demarcação das terras reconhecidas como indígenas."

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