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Caiapós pedem troca na Funai

CB, Brasil, p.12
Autor: POSSUELO, Sydney
29 de Jan de 2006

Caiapós pedem troca na Funai
Líderes querem a exoneração do presidente Mércio Pereira Gomes. Eles se dizem decepcionados com as declarações dele sobre as terras e fazem defesa do sertanista Sydney Possuelo, demitido depois de criticá-lo

Paloma Oliveto

Vinte e três líderes indígenas caiapós querem a saída do presidente da Fundação Nacional do índio (Funai), Mércio Pereira Gomes. Eles mandaram carta ao antropólogo, semana passada, exigindo que ele deixe o cargo. "Você é quem tem de sair", afirmam, em referência à demissão, na semana passada, do sertanista e indigenista Sydney Possuelo. Ex-coordenador do Departamento de índios Isolados, Possuelo foi exonerado por criticar Mércio. Em entrevista concedida à agência de notícias Reuters, o presidente da Funai afirmou que no país há muitas terras para os índios.
Por meio da assessoria de imprensa, a Funai informou que não iria se pronunciar sobre a reação dos índios, alegando que a declaração de Mércio foi interpretada de forma equivocada. A carta é assinada por 23 líderes do povo caiapó, que vive no Pará, mas não recebeu o apoio formal do principal deles: o cacique Raoni. Ele não assina o documento.
Os líderes caiapós, porém, consideram que o presidente não tem interesse na demarcação de terras tradicionais ocupadas pelos índios. "Você não quer demarcar. Por isso falou que índio tem muita terra", apontam na carta divulgada à imprensa. Os caiapós também reclamam das invasões às suas reservas: "Você sabe muito bem sobre estes invasores no município de São Félix do Xingu (PA). Como você é contra nós, você não quer fazer nada. Você quer que nós briga (sic) com os invasores, nós matar (sic) invasores e invasores matar nós (sic) índios" :
Na carta, os caiapós lamentam a saída de Possuelo. "Estamos muito decepcionados com você", escreveram a Mércio. "Você em vez de falar e defender os índios, falou contra os índios e defende a sua declaração para demitir o Sydney Possuelo, que vem defendendo os índios do Brasil", apontam. Segundo a Funai, o indigenista foi exonerado do cargo porque havia divergências entre ele e a administração do órgão.
Críticas
Possuelo voltou a afirmar, em entrevista ao Correio (leia abaixo), que Mércio está traindo os índios. "Segundo a lei, o presidente da Funai tutela os povos indígenas. É como um pai que cuida dos filhos. Um tutor infiel não pode permanecer no cargo. Ele traiu os índios e está traindo as leis", defende. Possuelo diz que essa não foi a primeira vez que Gomes estaria traindo os povos indígenas. "Lembro-me de uma conversa que tivemos, em que ele disse que só atende índio dentro da reserva Quer dizer que quando sai da reserva o índio deixa de ser índio? Quando um brasileiro vai para os Estados Unidos ele deixa de ser brasileiro?", questiona.
Um dos maiores sertanistas do país, com trabalho premiado no exterior, Possuelo questiona os motivos da sua demissão. "0 governo é indiferente à questão indígena. Se não tem um chefe que determine que ele (o presidente da Funai) faça o que faz, ele está a serviço de quem? 0 que ele anda falando só vai beneficiar os madeireiros, os plantadores de soja, o agronegócio. É uma pergunta que tem de ser feita', provoca Possuelo diz que não teve a oportunidade de fazer a pergunta a Mércio. "Ele nem me telefonou para me demitir", critica. 0 chefe de gabinete do presidente, Roberto Lustosa, foi quem o comunicou.

Entrevista: Sydney Possuelo
'Lula é indiferente ao índio'

Decepcionado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sertanista e indigenista Sydney Possuelo acredita que a atual administração petista é o pior governo para os índios nos últimos 20 anos. Ele também acredita que, depois das declarações do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, o caminho para a demarcação de novas terras indígenas foi dificultado. Um exemplo seria a liminar de reintegração de posse que favoreceu uma fazenda localizada dentro da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. A decisão do juiz é um reflexo dessa nova ordem" avalia. A liminar foi concedida na semana passada por um juiz federal de Roraima (leia ao lado), que, na prática, ignorou o decreto de homologação da reserva, assinado por Lula ainda no ano passado. Abaixo, trechos da entrevista ao Correio:
A Funai informou que o senhor foi demitido porque havia divergências com a atual administração. Além da crítica às declarações do presidente, que outros problemas ocorreram?
Não consigo enxergar nenhum beneficio no que esse homem (Mércio Pereira Gomes) tem feito por aí. Eu discordo dele desde o primeiro dia em que ele colocou os pés na Funai, na primeira reunião. 0 que ele disse, sobre a quantidade de terras indígenas foi muito perigoso, foi terrível. Principalmente porque o momento da política indigenista é de fragilidade. Está tudo desarticulado, a saúde dos índios está péssima. Também é um momento em que a Amazônia está sendo invadida por grileiros. Quando diz que tem muita terra para os índios, é como dizer que essas terras são inúteis para a população. É dizer que a árvore em pé não vale nada, só vale cortada. A questão não é se índio tem ou não pouca terra, mas a postura do presidente da Funai.
O senhor acha que, ao demiti-lo, ele estava cumprindo ordens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Sou um crítico danado do Lula, porque, ao se omitir, ele mostra qual a política do seu governo. Mas não acho que ele tenha mandado me exonerar. Então, se Mércio não tem um chefe que determine que ele faça o que faz, ele está a serviço de quem? Será que é meramente à postura do governo? Eu acho que o governo Lula é indiferente ao índio.
Que interesses ele poderia estar defendendo?
Não sei, acho que essa pergunta tem de ser lançada. 0 que ele está falando só vai beneficiar os madeireiros, os plantadores de soja, o agronegócio.
O senhor acreditava que a política indigenista iria melhorar no governo Lula?
Sempre fui apolítico, nunca me filiei a partido nenhum, mas sempre votei no Lula. Eu estava embalado pelo sonho romântico do operário, do trabalhador que chega ao poder. Acreditei nisso. Mas o governo Lula é uma balela que já foi desfeita. 0 presidente não tomou nenhuma atitude e pode se arrepender disso. No Brasil, as pessoas torcem o nariz para a questão indígena, mas é uma área sensível, que tem muito peso internacional. Não falo sobre a minha demissão, mas sobre Lula ter se omitido em relação às declarações do Mércio. Falar que índio tem muita terra em um momento em que a questão está sendo discutida na América Latina, por causa da chegada de um índio ao poder...
Pode-se esperar agora um Abril Indígena mais crítico?
Com certeza. Os caiapós, que mandaram a carta para o presidente da Funai, são um dos povos indígenas mais aguerridos. Eles vão à luta. Há pouco tempo, a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) escreveu um manifesto duríssimo. Essas pessoas estão se manifestando de uma forma dura contra o presidente da Funai, à medida que percebem que nenhuma providência é tomada. (PO)

CB, 29/01/2006, Brasil, p. 12

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