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Cai número de conflitos por terras

OESP, Nacional, p. A16
Autor: ARRUDA, Roldão
02 de Set de 2010

Cai número de conflitos por terras
De janeiro a julho, foram 365 ocorrências, ante 547 no mesmo período do ano passado, segundo a Comissão Pastoral da Terra

Roldão Arruda

A proximidade das eleições está levando os movimentos de sem-terra a reduzirem suas atividades. Levantamento parcial sobre conflitos por terra, divulgado ontem pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostra que o número global de ocorrências baixou de 547 no período de janeiro a julho de 2009 para 365 no mesmo período deste ano.
O número de famílias envolvidas, segundo o levantamento, baixou de 47.739 para 33.413. Analisadas separadamente, as invasões de terras tiveram uma queda de 35%, variando de 200 nos primeiros sete meses do ano passado para 131 neste ano.
O número de assassinatos em decorrência dos conflitos pela posse da terra baixou quase pela metade, passando de 13 para 7. A tendência, a julgar pelo ocorrido em outros anos eleitorais, é que os números continuem baixando nos próximos meses, até o final do período eleitoral.
A redução das invasões e dos acampamentos acaba tendo reflexos em outras ocorrências. Em 2009 foram registrados 16 casos de expulsão de propriedades rurais, atingindo 800 famílias. Em 2010, são 10 ocorrências, envolvendo 653 famílias.
Em relação ao número de famílias despejadas pelo Judiciário, foram 52 casos, com despejo de 6.844 famílias, em 2009, e 44 ocorrências envolvendo 3.792 famílias, em 2010.
Água. O levantamento da CPT também sinaliza que, apesar do declínio geral nos conflitos, ocorreram aumentos em alguns casos e áreas específicos. O mais visível é o que envolve disputas pela água, em torno de hidrelétricas.
De janeiro a julho foram registrados 29 conflitos pela água, espalhados por 14 Estados. O número é 32% maior do que o verificado em 2009, com 22 conflitos, em 13 Estados.
A CPT constatou ainda o aumento das tensões no Nordeste - região que concentrou 54% do total das ocorrências. Ali, o total de conflitos por terra passou de 95 para 126 e o de ocupações, de 57 para 65.
Em relação ao trabalho escravo, os números ficaram melhores. Em 2009, foram registradas 134 ocorrências, enquanto em 2010 o total ficou em 107.
Prisões. A CPT considerou preocupantes os números sobre violência e confrontos nos casos levantados. Na Região Sudeste o número de trabalhadores presos em decorrência de conflitos passou de 3, em 2009, para 11 em 2010. O número de agredidos passou de 4 para 15. Na Região Sul, o número de presos passou de 12 em 2009 para 18, em 2010 e o número de agredidos de 2, em 2009, para 20 no ano passado.
Indiretamente, o relatório sinaliza que os sem-terra tendem a alterar o modo de agir em anos eleitorais. Ao mesmo tempo que diminuem as invasões, aumentam as manifestações públicas pacíficas, com intenção é chamar a atenção para problemas relacionados à posse da terra. O volume de manifestações passou de 323, envolvendo 104.262 pessoas, em 2009, para 385, em 2010, com a participação de 165.530 pessoas.
Plebiscito. Faz parte da estratégia de provocar debates públicos a consulta popular sobre o limite da propriedade da terra, que começa hoje e segue até o dia 7. Organizado pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária, com o apoio da CPT, MST, pastorais sociais da Igreja Católica e outras organizações, o objetivo do plebiscito, não oficial e não reconhecido pelas autoridades, é discutir a estrutura fundiária do País e, por tabela, o agronegócio.
"O censo agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE, revela que o agronegócio representa 15,6% dos estabelecimentos agrícolas, embora monopolize 75,7% da área cultivável, mas quem produz a maior parte dos alimentos para o mercado interno são os pequenos produtores", diz um dos textos sobre o plebiscito que está sendo distribuído por todo o País.
O plebiscito deve ser anunciado oficialmente hoje em São Paulo, em evento com a presença do bispo Enemésio Angelo Lazzaris, da CPT. e Gilberto Portes, dirigente do Fórum pela Reforma Agrária.
O tema causa polêmicas no interior do episcopado católico. D. Cristiano Krapf, bispo da Diocese de Jequié, na Bahia, divulgou pela internet um artigo afirmando que a real intenção do fórum é caminhar em direção ao confisco das grandes fazendas. "Vingando ou não, a campanha vai provocar confusão e aumentar os conflitos", acusou ele.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100902/not_imp604008,0.php

MST evita criar problemas para o PT em ano eleitoral

Análise: Roldão Arruda

O Movimento dos Sem-Terra (MST) e outras organizações que defendem a redistribuição de terras no País costumam reduzir suas ações em períodos eleitorais. O relatório da CPT divulgado ontem confirma essa tendência, que, a julgar pelo que já se viu em 2002 e 2006, deve se acentuar em agosto, setembro e outubro, até o segundo turno das eleições.
A explicação que os líderes do MST costumam dar para a mudança de atitude é a participação dos seus militantes no debate e na disputa eleitoral, apoiando candidatos ligados à causa. Também dizem que nessa época do ano as instituições oficiais ligadas à questão agrária ficam praticamente paralisadas, à espera do novo governo. Não valeria a pena, portanto, bater às portas desses órgãos com reivindicações.
Há, porém, um terceiro motivo, não explicitado, que é a ligação entre o movimento e o PT. Quando recuam para o fundo do palco no ano eleitoral, os militantes dos sem-terra também estão preocupados em não criar constrangimentos aos candidatos de partidos que apoiam sua causa - especialmente os petistas. Levando em conta que uma parcela do eleitorado vê o MST como uma espécie de ameaça à ordem instituída, sabem que o melhor a se fazer é não acirrar conflitos e acusações.
Do outro lado, partidos que disputam terreno com o PT fazem o contrário: em ano eleitoral procuram exibir de todas as maneiras ao eleitorado os vínculos entre petismo e emessetismo. O PSDB e o DEM acusam os petistas e o governo Lula de serem lenientes com as invasões, reavivam comissões parlamentares sobre o tema, falam da insegurança no campo e, nas sabatinas, entrevistas e debates, prometem, se eleitos, agir com mão de ferro contra o MST. Até o PT fala mais duro contra o movimento, garantindo que só apoiará medidas a favor da reforma agrária que estejam rigorosamente dentro da lei.
É no contexto desse jogo eleitoral que os sem-terra reduzem o número de invasões.
É jornalista de "O Estado de S. Paulo"

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100902/not_imp604009,0.php

OESP, 02/09/2010, Nacional, p. A16

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