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Cafe brasileiro com novo conceito

OESP, Negocios, p.B16
24 de Nov de 2004

Café brasileiro com novo conceito
Exportadores investem em ações sociais e certificações para conquistar o mercado europeu
Andrea Vialli
O Brasil, maior produtor e exportador de café verde (em grão) do mundo, começa a prestar atenção no modo como está produzindo para não perder mercado para países como Vietnã e Uganda. É o chamado café sustentável - uma tendência que vem se desenhando graças a pressões de organizações não-governamentais internacionais. O comprador, em especial o europeu, quer saber se o café produzido aqui atende a preceitos básicos de preservação ambiental e inclusão social das famílias cafeicultoras.
De olho nesse movimento - ainda incipiente, mas que pode tornar proporção de barreira não tarifária em futuro próximo - o Conselho dos Exportadores de Café (CeCafé), entidade que congrega os exportadores brasileiros de café verde, está levando o conceito de responsabilidade social para seus mais de 50 associados. E já mantém programas de capacitação para cafeicultores e de reforço escolar para os filhos dos produtores, com ênfase no aprendizado de informática.
Para isso, o CeCafé se associou a empresas exportadoras, com o objetivo de dividir os custos com a implantação de salas equipadas com computadores em escolas da zona rural de municípios produtores como Santo Antônio do Pinhal (SP), Guaxupé (MG) e Barra do Choça (BA). O Conselho ajudou a abrir salas em 8 regiões produtoras, iniciativa que já beneficia 1.500 crianças. Entrou em cena até um parceiro internacional, a espanhola Icona Café, que investiu US$ 8 mil no centro de informática de Santo Antônio do Pinhal. "A premissa é de que o conceito de responsabilidade social permeie toda a cadeia", diz Guilherme Braga, diretor geral do CeCafé.
O objetivo do programa, chamado "Criança do Café na Escola", é manter os filhos dos cafeicultores por mais tempo na escola, o que inibe o trabalho infantil nas fazendas - prática muito comum no interior do País. "O investimento não é alto, mas o alcance social é enorme", afirma Cairo Lúcio Cardoso, diretor administrativo e financeiro da Exportadora de Café Guaxupé. Junto com o CeCafé, foram investidos em torno de R$ 20 mil na montagem de uma sala numa escola na zona rural de Guaxupé. A trader deve fechar este ano com 1 milhão de sacas de café verde exportadas.
As práticas sustentáveis podem elevar o preço da saca de 60 quilos em até US$ 8. Mas para isso a fazenda produtora e os negociantes do café devem ter um selo que comprove seu engajamento. Um deles é o Utz Kapeh, da organização holandesa de mesmo nome, que oferece afiliação a cafeicultores, torrefadores e traders. O certificado da entidade - cujo nome significa "bom café", na língua antiga do povo maia - garante ao mercado internacional que o café possui excelente qualidade e segue uma série de preceitos de responsabilidade socioambiental.
Entre as diretrizes do código de conduta da Utz Kapeh, estão princípios sociais: respeito às leis trabalhistas, pagamento justo, capacitação, cuidados com a saúde dos trabalhadores e educação das crianças. Em relação ao meio ambiente, são sugeridos o uso moderado de fertilizantes e pesticidas, bem como o manejo correto das embalagens desses produtos. O produtor deve ter ainda o compromisso de minimizar o uso da água e energia - fontes renováveis são bem-vindas - e de reduzir a poluição e a erosão no solo. Uma certificação do gênero pode demandar recursos de US$ 30 mil.
A espanhola Icona mantém com outras dez traders cafeeiras européias uma fundação chamada Café Mundi, que financia projetos de sustentabilidade em diferentes países. "A idéia é oferecer oportunidades para que a comunidade cafeeira tenha condições de melhorar seu nível de vida", diz o diretor da Icona, Fernando Navarro. Para cada projeto, são destinados até US$ 10 mil.

Café Bom Dia colhe vantagens do grão orgânico
Estratégia: Há quatro anos, quando começou a investir na produção de café orgânico, a mineira Café Bom Dia tinha os olhos fixos no crescimento desse nicho, em especial no mercado externo, receptivo à onda naturalista. Mas o que surpreendeu a empresa foi o ganho ambiental nas fazendas onde mantém as plantações de café orgânico. Sem os fertilizantes e defensivos agrícolas, ressurgiu a fauna até então escassa - pássaros, insetos, pequenos mamíferos. "Toda a fazenda se modifica com a cultura orgânica", afirma Sydney Marques de Paiva, diretor presidente da empresa. Hoje a Café Bom Dia produz o fruto orgânico em quatro fazendas próprias e também compra de 150 produtores independentes, de pequeno e médio porte. A transformação de uma lavoura convencional em orgânica, no entanto, leva tempo e custa dinheiro. "São cerca de três anos para reverter uma plantação, pois é este o tempo médio que o solo precisa para eliminar os resíduos dos agroquímicos", explica Paiva. "E há queda na produtividade de até 50% no primeiro momento, pois a terra se ressente da falta de nutrientes. Depois, volta ao equilíbrio natural", diz. No entanto, as perdas financeiras decorrentes dessa fase de adaptação podem ser recuperadas com o posicionamento do produto que, por ter um perfil premium, custa em torno de 30% a mais que o café convencional. "O modo de produzir orgânico garante um ganho de sabor e aroma, o que agrega valor ao produto", garante. A Café Bom Dia sabe a lição de cor. A empresa foi pioneira, entre as produtoras brasileiras, a exportar o café torrado, moído, empacotado e a lançar marca lá fora, a Marques de Paiva. Deve fechar 2004 com vendas de US$ 8 milhões (sendo US$ 6 milhões só para os EUA) e pretende dobrar esse faturamento no ano que vem.

OESP, 24/11/2004, p. B16

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