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Cada vez mais quente

Veja, Ambiente, p. 96-97
02 de Out de 2013

Cada vez mais quente
Relatório do IPCC sobre mudanças climáticas, realizado com maior apuro no levantamento de dados e na revisão, tenta recuperar a imagem manchada do órgão da ONU

Raquel Beer

O quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) demorou seis anos para ser preparado, contém 1900 páginas, levou em consideração 9200 artigos científicos publicados nesse período e foi exaustivamente checado antes de ser divulgado. O cuidado extra teve por objetivo recuperar a boa imagem do órgão das Nações Unidas responsável por estudos do clima, cuja integridade foi abalada por falhas vexatórias descobertas no relatório anterior, de 2007.0 quinto relatório do IPCC, divulgado na sexta-feira passada em Estocolmo, é taxativo nas suas conclusões: as mudanças climáticas continuam e a atividade humana é a principal responsável. A possibilidade de o homem ser o maior causador do aquecimento global é estimada em 95%.
Nesse aspecto, a cada edição o relatório se torna mais severo. O primeiro, em 1990, responsabilizava sobretudo a natureza. Em 2001, a probabilidade de responsabilidade humana subiu para 66%, e chegou a 90% em 2007. Todos os relatórios foram coerentes, contudo, em prever consequências catastróficas caso se mantenha o aquecimento.
Uma das precauções no preparo do relatório de 2013 foi só considerar pesquisas publicadas em revistas respeitadas pelos cientistas, como Science e Nature. Nas versões anteriores era permitido utilizar dados de qualquer estudo. Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, certificou: "Sessenta por cento dos 259 autores não participaram da edição anterior e trazem novas perspectivas". O trabalho de revisão foi extenso. Houve três rodadas de análise, com 54000 comentários de revisores, o dobro dos recebidos na versão anterior.
As medidas resultaram em mudanças nos dados. Para estimar as alterações climáticas, o relatório apresenta modelos diferentes de previsão, que vão dos menos apavorantes aos mais drásticos. Em 2007, as previsões de aumento da temperatura global até 2100 variavam de l,8a4graus. O relatório de 2013 leva em conta uma diferença de 1 a 3,7 graus. Se for considerado o cenário que era mais provável nos prognósticos de 2007, a temperatura deveria se elevar 1,9 grau-estimativa agora revista para 13 grau (veja o quadro).
O maior desafio enfrentado nesse relatório foi responder às críticas feitas pelos cientistas chamados de "céticos" que põem em dúvida as previsões catastróficas para o aquecimento global. A seguir, algumas dessas questões, com as respostas do IPCC:

Se o clima global sempre variou, em ciclos naturais, por que o aquecimento 5 agora é culpa do homem?
No passado, mudanças naturais, como erupção de vulcões, explicaram as variações. Desta vez, não há motivo aparente e pressupõe-se que haja 95% de probabilidade de que a culpa seja do homem.
Se o mar absorve parte do gás carbônico (CO2), o principal causador do aquecimento, por que nos preocuparmos?
Mesmo que demore milênios para que o C02 volte à atmosfera, a absorção de radiação pelos oceanos aumenta a temperatura da água e a evaporação de gases que retêm calor.
Como se justifica a estabilidade da temperatura global desde 1998?
A redução no aquecimento é passageira e se deve principalmente à recente redistribuição de calor nos oceanos, fenômeno que freou provisoriamente a elevação da temperatura.
Para justificar aparentes anomalias - como o aumento da área congelada da Antártica em 1,8% por década -, o relatório considera, pela primeira vez, que as consequências das mudanças climáticas são diferentes para cada área do globo. Na Antártica, águas frias das profundezas dos oceanos sobem à superfície, substituindo a corrente quente. Esse seria o motivo do congelamento, Mas o aquecimento é preocupante na maior parte do planeta. No Brasil, a temperatura deve aumentar 5 graus em noventa anos, o que afetará ecossistemas como o cerrado - que deve ver sumir metade de sua vegetação.
Após as denúncias de falhas no relatório de 2007, cientistas e leigos se tornaram cautelosos em relação ao IPCC. Se em 2007 sete em cada dez cientistas confiavam nos dados do órgão, agora a porcentagem caiu para três em dez. Na semana passada, representantes de governos se reuniram com membros do IPCC para a revisão final do relatório. "Ninguém quer queimar o filme", resumiu a brasileira Suzana Kahn, vice-presidente do comitê que divulgará a segunda parte do relatório, em 2014. "Nas reuniões discutimos dados que no futuro podem afetar políticas governamentais", completa. Continuam a existir pressões para dar destaque às conclusões segundo os interesses de cada país - e isso se reflete no texto final do relatório. Mas fica mais fácil tomar decisões baseadas em dados não manipulados.
COM REPORTAGEM DE VICTOR CAPUTO

Veja, 02/10/2013, Ambiente, p. 96-97

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