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Cacique do Acre conhece de perto a realidade dos índios capixabas

Portal Século Diário - http://www.seculodiario.com.br
Autor: Flávia Bernardes
21 de Jul de 2011

Índio, cineasta, culto, politizado, premiado, sereno e de muito longe. Assim pode ser caracterizado o cacique Syã, da área indígena de Hunikuî do Rio Jordão, no Acre, bem na faixa da fronteira entre o Brasil e o Peru, que esteve no Estado e se surpreendeu ao saber da existência dos índios Tupinikim no Espírito Santo.

"Conheci a história da luta por 18 mil hectares dos índios daqui e fiquei surpreso. Lá nós temos 1.700.000 hectares para 10 mil habitantes e, só eu, com o dinheiro do prêmio que ganhei com meu filme, comprei mais 25 mil hectares", disse Syã.

Premiado por seus documentários no Brasil e EUA, Syã corre o País na busca de uma integração entre os povos indígenas. A intenção, segundo ele, é levar união e ressaltar que, como qualquer outro ser humano, o índio deve se inserir na sociedade para que seu valor seja reconhecido.

Interessado com a descoberta das aldeias Tupinikim existentes em Aracruz, norte do Estado, Syã conheceu uma dos maiores símbolos da resistência indígena na região. Dona Helena, 63 anos, que mora em Caieiras Velha, em Aracruz, e nunca tinha conhecido um parente tão distante. Segundo ela, se não fossem os filhos e o marido, de 103 anos, ela partia para o Acre com o parente, como eles se chamam carinhosamente, para resgatar todo o conhecimento sobre a mata perdido com a morte dos mais velhos da aldeia.

A ideia do índio da etnia Hunikuî é moderna. Para ele, lutar pela terra é um fato, faz parte da história, mas para que o índio vença os preconceitos da sociedade e saia do que por muitos é chamado de marginalidade, é necessário que ele se prepare para conquistar representatividade na sociedade, sem se perder de seus valores ancestrais.

A história vivida por Syã não é diferente a dos Tupinikim do Estado, onde a luta pela terra e por respeito foi motivo de um isolamento negativo para as comunidades. Mas ele ressalta: "Foi pelo resgate das raízes e da educação que hoje a área indígena Hunikuî do Rio Jordão mantém sua sólida tradição, fortes, e inseridos na sociedade".

Ao todo, 32 aldeias estão distribuídas nos quase dois milhões de hectares na fronteira do Brasil com o Peru que, apesar do isolamento, garantiram seu espaço e respeito na sociedade.

As vivências de Syã devolveram a esperança a Dona Helena, exaurida após anos de luta pela terra indígena tomada pela ex-Aracruz Celulose (Fibria), que ela lembra com tristeza. Ainda marginalizados na região, os índios possuem a terra, porém, segundo Dona Helena, não dá nem para arar de tantas raízes e tocos deixados pela empresa de celulose.

"Criávamos os filhos no rio, ninguém comia carne dessas de galinha, era caça, marisco e ainda fazíamos cal com a concha da ostra para vender. Sobrevivíamos assim, mas hoje até estrada passa aqui no meio trazendo muita coisa ruim. Nem dormir sossegados podemos mais. Muitos desanimam, pois faltam os nossos rios limpos, a nossa caça, isso gera desunião do povo", desabafou Dona Helena.

Um só objetivo

Mais do que uma troca de experiência, o encontro entre Syã e Dona Helena retratou um esforço uno de povos que, mesmo distantes, buscam na união de sua nação e no resgate de suas raízes conquistar o respeito da sociedade.

Engajado, Syã quer trocar experiências. O objetivo é levar lideranças da comunidade Tupinikim do Espírito Santo para o Acre e, lá, trocar experiência sobre a mata, sementes, pajelança e tradições. Sobretudo, visando à garantia do lugar do índio na sociedade brasileira.

O trabalho aqui já vem sendo feito aos poucos, com escassos recursos, porém há muito esforço dos índios da região. Na escola de Caieiras Velha, por exemplo, 150 alunos estudam não apenas o português, mas também o Tupi e a intenção é que um dia todos voltem a se comunicar na língua de seus ancestrais.

É fato também que, para isso acontecer, falta muito. Segundo a professora de Tupi, Flávia Quiezza, após completarem o colegial, muitos alunos acabam se dispersando para outros municípios para estudar. A migração, diz ela, impede que eles continuem com o trabalho de resgate da língua iniciado nas aldeias Tupinikim.

O irmão de Flávia, Jucelino da Silveira, 29 anos, é quem coordena as cinco escolas da região e também tem sonhos. Dividido entre a gestão das escolas de Caieiras Velha, Irajá, Pau Brasil (Tupinikim) e Boa Esperança e Três Palmeiras (Guaranis), o índio Tupinikim está concluindo sua pós-graduação e já planeja chegar ao doutorado.

Empenhado, Jucelino já quer conhecer a terra do parente e, para Syã, é esse o caminho. Afinal, diz ele, as firmezas das ações estão sem dúvida baseadas nos conhecimentos e nos valores de seus ancestrais, porém, sem esquecer que o novo pode servir de instrumento para melhorar a vida do povo indígena.

"Não queremos mais ter medo ou ter que ficar pedindo por nossos direitos. Temos que disputar as vagas que nos dão direito de também fazer leis para proteger aquilo que acreditamos. Índio não é só água, bichinho e tanga, nós somos seres humanos", disse Syã, satisfeito com a visita.

Vestido com sua faixa na cabeça e vestimenta típica de quem enfrenta o frio da fronteira entre o Brasil e o Peru, Syã Kaxinawá, como é chamado pelos brancos, diz no auge dos seus 47 anos que está velho e por isso corre o País na busca de levar união e o fortalecimento dos povos indígenas.

Aqui, parece que ele iniciou sua missão. Como disse Jucelino: "A força o povo Tupinikim tem, o que faltava era exatamente afunilar os pensamentos para se chegar onde quer".

Trajetória

Após participar dos primeiros cursos de formação de professores indígenas promovidos pela Comissão Pró-Índio do Acre, Syã estabeleceu-se em Rio Branco, onde passou a exercer a representação política de seu povo e teve participação central na criação da União das Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas (UNI). Desde 1988, e por quase 15 anos, foi presidente da Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ). Seu trabalho pela preservação da floresta e a organização dos povos que nela vivem, foi premiado em 1994 com o Prêmio Reebok dos Direitos Humanos.

Syã também foi premiado por suas produções cinematográficas como os documentários Fruto da Aliança dos Povos da Floresta (1989), Povos do Tinton René (1991), A estrada da autonomia (1992) e Kaxinawá: the real people (1993). Seus filmes foram exibidos e premiados em festivais e mostras etnográficas no Brasil e nos EUA.

O interesse de Syã pelo vídeo nasceu em 1987, quando começou a documentar as mobilizações de seu povo e da então nascente Aliança dos Povos da Floresta, primeiro em Rio Branco e depois no Vale do Juruá, durante a criação e implantação da Reserva Extrativista do Alto Juruá.

Candidato a prefeito de município de Jordão por duas vezes, e a deputado estadual, em outras duas, elegeu-se vice-prefeito em 2004.

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