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Burocracia sufoca extracao legal de madeira e predadores avancam

OESP, Nacional, p.A12
03 de Jul de 2005

Burocracia sufoca extração legal de madeira e predadores avançam
Empresas que cumprem todas as normas para extrair madeira no Amazonas se sentem desestimuladas pelo Ibama
Roldão Arruda
Na Amazônia, onde quase toda a exploração de madeira é feita de maneira predatória, cresce lentamente o número de empresas que se dispõem a seguir todas as normas legais do País e a cumprir as determinações científicas para explorar a madeira com o mínimo impacto ambiental possível. Elas trabalham com madeira certificada, negociam com os países mais exigentes do mundo em relação ao meio ambiente e, de acordo com especialistas, representam a melhor alternativa de exploração da floresta.
Seria natural supor que estas empresas estivessem sendo estimuladas. Mas não é o que está ocorrendo, segundo alertas que começaram a ser disparados na semana passada pela Associação dos Produtores Florestais Certificados da Amazônia (APFCA). Eles mostram que as empresas estão sendo sufocadas pelo excesso de burocracia do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e por uma greve de funcionários que paralisou a instituição no Pará - o Estado com as maiores empresas nesta área. Embora o chamado período da safra tenha começado em junho, a maior parte dos operadores de madeira certificada ainda está à espera de autorizações para iniciar o corte da madeira.
Uma das situações mais dramáticas é a da Orsa Florestal, que toca um projeto de manejo na fronteira do Pará com o Amapá. A área de florestas explorada pela empresa, com 545 mil hectares de extensão, já foi invadida uma vez e está ameaçada por nova invasão. Além disso, parte de suas atividades está paralisada, por causa da burocracia do Ibama. Segundo o presidente da empresa, o administrador de empresas Roberto Silva Waack, os prejuízos chegam a R$ 300 mil por semana.
Para Waack, que também é biólogo, as invasões são estimuladas por madeireiras. "Estamos próximos de Paragominas, onde ocorreu um violento processo de devastação florestal", diz. "A pressão sobre as áreas próximas que preservam florestas está aumentando. É o clássico esquema de ação das madeireiras ilegais."
"É inacreditável", diz Carlos Guerreiro, diretor da Ghetal, madeireira certificada que opera no Amazonas, e presidente da APFCA. "Quem opera na ilegalidade continua trabalhando, enquanto nós, que seguimos rigorosamente as leis, pagamos tributos, cumprimos leis trabalhistas e ambientais, ficamos paralisados. Só na minha empresa são 140 trabalhadores com braços cruzados. Em outras são 400 ou 500."
A situação é agravada por uma série de invasões de terras. Entre as cinco grandes empresas que atuam com madeira certificada no Pará, duas estão com partes das terras ocupadas por invasores e outras três enfrentam ameaças de invasão.
A última invasão ocorreu há duas semanas no município paraense de Portel. Cerca de 300 pessoas ocuparam uma parte dos 250 mil hectares da floresta explorada pela Cikel Brasil Verde - uma das maiores da Amazônia na área das certificadas. O dono da área invadida, o Grupo Martins, recorreu à Justiça e obteve uma liminar de reintegração de posse. Até agora, porém, não foi cumprida.
SEM-TORA
Ninguém sabe se existe uma coordenação por trás das invasões. Segundo executivos ouvidos pelo Estado, é provável que sejam estimuladas por madeireiros que agem na ilegalidade - com a promessa de comprar a madeira que os invasores conseguirem. Daí a expressão movimento dos sem-tora, cada vez mais repetida na região.
Não está descartada, porém, a possibilidade de as invasões serem estimuladas por alguma organização semelhante ao Movimento dos Sem-Terra (MST). "As áreas certificadas são bastante atraentes para invasões", diz o engenheiro florestal Tim van Eldik, consultor da Mil Madeireira - empresa do grupo suíço Precious Woods e a primeira da Amazônia a receber a certificação do Conselho de Manejo Florestal - o selo mais cobiçado por madeireiras que atuam na legalidade em todo o mundo.
O engenheiro, de origem holandesa, explica que as áreas certificadas possuem boa infra-estrutura, com estradas, escolas, sistema de abastecimento de água, além de serem ricas em madeira. "O manejo de baixo impacto deixa em pé muitas árvores que o madeireiro tradicional já teria derrubado", diz.
A demora na emissão de autorizações para o início de atividades nas áreas de madeira certificada aumenta o risco de prejuízos das empresas. A safra, no jargão do setor, é o período de seca amazônico, de junho a dezembro. É só nesse período que se faz a extração da madeira e a maior parte do beneficiamento industrial.
No período de chuvas, os empregados das madeireiras certificadas não cortam mais árvores. Por causa da enorme dificuldade para recolher as toras e porque não é aconselhável do ponto de visto ecológico: os danos à floresta são muito maiores na estação das águas.
Como já se passaram 30 dias desde o início da safra, os técnicos das empresas prevêem dificuldades para cumprir metas de produção e acordos estabelecidos com compradores no exterior.

'Há muita gente com medo de aprovar projetos'
Para diretor de Programa de Florestas, controle ficou mais rígido após operação contra corrupção ambiental
Em Brasília, no Ministério do Meio Ambiente, o diretor do Programa Nacional de Florestas, o engenheiro florestal Tasso Rezende de Azevedo, reconhece as dificuldades das empresas que trabalham com madeira certificada. "É uma pena, porque são as que fazem o melhor trabalho de exploração florestal na Amazônia, as que nós pretendemos estimular", diz logo em seguida.
Na opinião dele, os funcionários públicos ficaram mais rígidos após a Operação Curupira, da Polícia Federal, que desbaratou uma rede de corrupção ambiental, envolvendo funcionários do Ibama - tanto na área de desmatamento quanto na de transporte ilegal de madeira. "Provavelmente há gente com medo de assinar autorizações, aprovar projetos; e outras que podem estar preocupadas em mostrar que não têm nada a ver com esquemas de corrupção e começam a implicar com tudo, principalmente os projetos que despertam menos suspeitas e dúvidas, as jóias da coroa."
A intensificação dos conflitos fundiários na região - onde 75% das terras são públicas, pertencem ao município, ao Estado ou à União - também ajudou a enrijecer os controles. Ele ainda inclui na lista de explicações o desaparelhamento do Ibama, que tem menos funcionários do que precisa; e as divergências no interior do instituto: "Há quem acredite que a certificação madeireira, com auditorias próprias, compete com o trabalho do Ibama. Não compreendem que a certificação e suas auditorias acabam elevando a empresa a um patamar acima daquilo que a lei exige."
URGÊNCIA
O Ministério do Meio Ambiente tentará nos próximos dias desatar os nós mais graves, para evitar prejuízos nas empresas: "É uma situação emergencial. As empresas certificadas não trabalham na chuva e se organizam para fazer estoques nos períodos de seca. Não podem esperar muito pelas autorizações."
Segundo Azevedo, a melhor solução seria a aprovação pelo Congresso do Projeto de Lei 4.776: "Ele trata da gestão de florestas públicas, que representam 75% da Amazônia. Regulamenta a exploração dessas florestas, amplia o espaço para as áreas de manejo."
O projeto já deveria ter sido votado em regime de urgência na Câmara. Mas no meio da explosão das denúncias sobre o mensalão e as brigas pela criação de comissões parlamentares de inquérito ela foi considerada menos importante. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) empurrou-a para uma lista de projetos comuns, onde figura em 14.o lugar - e não tem prazo previsto para votação.
Na opinião do empresário Iacir Peracchi, proprietário da Juruá Florestal, que opera no Pará, a demora na aprovação do projeto prejudica os esforços de preservação da floresta. "Há empresas de grande porte dispostas a trabalhar de forma séria na exploração florestal, mas não encontram áreas", conta. "A lei facilitaria tudo isso."
FRAQUEZA
Os executivos das empresas vêem os problemas do Ibama também como sinais do enfraquecimento do ministério. "A ministra Marina Silva é cheia de boas intenções e tem sido apresentada como um dos trunfos deste governo", diz Carlos Guerreiro. "Mas enfrenta divergências internas e não dispõe de recursos para levar adiante os projetos. Já havia morosidade no governo anterior, mas agora aumentou."

Manejo certificado tem produção pequena
POUCO: A área ocupada com florestas de manejo certificado soma 1,4 milhão de hectares. No total são 23 projetos, com uma produção de 700 mil m3-uma parcela pequena diante dos 25 milhões de metros cúbicos arrancados anualmente da região amazônica. Os certificados são emitidos sob orientação da organização internacional Forest Stewardship Council -criada em 1993 para lutar pelo desenvolvimento sustentável das florestas. Os principais compradores da madeira e dos produtos industrializados com selo da FSC são os países europeus, como Holanda, Bélgica, França. Para obtera certificação, a empresa precisa demonstrar capacidade para controlar de maneira rigorosa o corte das árvores, com o menor impacto possível sobre a floresta. Um dos projetos mais ambiciosos nesta área é o do grupo Orsa, que atua numa de 545 mil hectares de florestas nativas, na região norte do Pará, onde funcionou no passado o Projeto Jari, do americano Daniel Ludwig.. R.A.

OESP, 03/07/2005, p. A12

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