VOLTAR

Brioches para os famintos de energia

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: KURAMOTO, Edson
14 de Abr de 2007

Brioches para os famintos de energia

Edson Kuramoto

Como qualquer produto de consumo, a eletricidade necessita ser produzida, estocada, transportada e distribuída até chegar as nossas casas e fábricas. Porém, diferentemente dos demais produtos, sua estocagem em grandes quantidades depois de ser produzida é inviável, já que as baterias, único meio tecnológico hoje disponível para sua armazenagem, são muito caras e volumosas, além de poluidoras quando descartadas.

Para produção de grandes quantidades de eletricidade, a estocagem é feita armazenando o insumo que a produz, ou seja, água nas barragens das hidrelétricas, carvão nos pátios de armazenamento, óleo e gás em reservatórios. O combustível nuclear permite estocar grande quantidade de eletricidade em um volume muito pequeno e a baixo custo. Cerca de 80% da eletricidade produzida pela França são de origem nuclear, que mantém um estoque de combustível para dois anos de consumo.

No caso das energias alternativas, nossos ecologistas ainda não perceberam que não existem meios de estocar o vento, para geração eólica, nem a luz do sol, para geração solar. Estas duas formas de energia têm grandes vantagens, mas são apenas complementares.

A maior parte de nossas hidroelétricas foram construídas não muito distantes dos grandes centros de consumo, em locais com topografia favorável e que já haviam sido desflorestados por nossos antepassados. Entretanto, a partir dos anos oitenta, nossa capacidade hidroelétrica aumentou enquanto a quantidade total de água armazenada permaneceu praticamente constante. Passamos então a ter um problema de estocagem, evidenciado pelo "apagão" de 2001.

Em face dos requisitos ambientais, as novas e tão necessárias hidroelétricas na Amazônia serão construídas com pequenos reservatórios. O problema de estocagem persistirá. A única solução é a complementação térmica, tanto convencional como nuclear.

Temos grandes reservas de urânio, suficientes para mais de cem anos se construirmos um parque gerador semelhante ao da França. O megawatt-hora de origem nuclear tende a ser mais barato e é menos poluidor que o produzido pelas térmicas convencionais, não contribuindo para as mudanças climáticas. As usinas eletronucleares são, portanto, um complemento incontornável para nossa hidroeletricidade. Entretanto, a segurança dos reatores e os rejeitos nucleares são apontados por nossos ecologistas como sendo o impedimento para a utilização da energia nuclear.

Com mais de 12.000 reatores-anos de experiência operacional, ocorreram dois acidentes com usinas nucleares: o de Tchernóbil, na Ucrânia, do tipo soviético RMBK, que nunca seria licenciado no Ocidente, e o de Three Miles Island, nos Estados Unidos, com um reator PWR do mesmo tipo que usamos no Brasil, não ocorrendo nenhuma morte nem contaminação externa.

As mortes por violência e trânsito em um mês no Rio de Janeiro ou São Paulo suplantam as mortes já contabilizadas no acidente de Tchernóbil. Se a conta for feita para um ano, suplantarão todas as mortes que essa organização espera que ainda venham a ocorrer.

Convivemos, inevitavelmente, com uma série de rejeitos muito perniciosos, seja ingerindo água e alimentos contaminados com metais pesados e tóxicos, seja respirando ar poluído nas grandes cidades. A Humanidade, entretanto, não convive com os rejeitos nucleares: por ocuparem pequeno volume, eles podem ser encapsulados e mantidos seguramente sob controle, isolados do público e do meio ambiente, por muitos séculos.

As fontes alternativas de energia, como a eólica e a solar, podem contribuir, mas não atendem à demanda crescente de eletricidade de um país urbanizado e em desenvolvimento como o Brasil. Essas instalações exigem investimentos muito altos em comparação com as fontes hídricas e térmicas. Além disso, produzem muito pouca energia em relação à área que ocupam e operam com fatores de capacidade inferiores a 20%, isto é, para cada 1.000 MW instalados, somente 200 MW são, em média, disponíveis ao longo do ano, devido à característica cíclica dos ventos e da insolação. Os fatores de capacidade das hidrelétricas e térmicas são da ordem de 55% e 85%.

O consumo de eletricidade per capita do brasileiro é menor do que a metade do consumo do português e está abaixo da média mundial. Grande parte dos nossos lares ou não consome ou usa menos energia elétrica do que necessitaria para uma qualidade de vida minimamente aceitável. Para atender às necessidades decorrentes do crescimento populacional e socioeconômico, precisamos aumentar significativamente nossa oferta de energia. Se desejarmos que isto ocorra sem provocar mudanças climáticas, não podemos abrir mão da contribuição da energia nuclear.

Quando o faminto povo francês pedia pão porque tinha fome, Maria Antonieta perguntou: "Por que vocês não comem brioche?" No Brasil, quando precisamos construir hidroelétricas e centrais nucleoelétricas, ONGs ambientalistas, algumas com viés internacional, argumentam: por que não usar as energias alternativas? Estão oferecendo brioches energéticos ao povo brasileiro!

O Globo, 14/04/2007, Opinião, p. 7

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.