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Brincadeira de criança indígena

Diário de Cuiabá - www.diariodecuiaba.com.br
Autor: Elias Januário
16 de Jul de 2008

Mato Grosso destaca-se no cenário nacional pela sua dimensão territorial com mais de novecentos mil quilômetros quadrados de extensão. Também é outro gigante na sua diversidade étnica, cultural e ambiental, onde encontramos espaços marcados pela mais diferentes formas de vegetação, de povos e de práticas culturais.

O estado abriga em seu território 38 povos indígenas com uma população de aproximadamente trinta mil indivíduos, falante de uma expressiva diversidade lingüística e portadores de um acervo de cultura material e imaterial de riqueza inestimável.

Fazendo parte deste acervo cultural encontramos as brincadeiras de crianças indígenas, pouco estudadas, mas existente em praticamente todos os povos presentes no estado de Mato Grosso e pontuadas em relatos de importantes pesquisadores como Lévi-Strauss, Baldus, Fritz Tolksdorf e Charles Wagley.

Durante muitas décadas os povos indígenas foram considerados pelos estudiosos como sociedades sem história. Tempos depois, a historiografia indígena diversificada em mitos, lendas e rituais, foi revista pelas áreas da Antropologia e História Indígena, que promoveram mudanças substanciais na efetivação das novas relações entre a historiografia indígena e as culturas das diversas etnias de nosso país, trazendo à tona, conhecimentos e saberes deste universo da criança índia.

Para os povos indígenas, grande parte das brincadeiras estão inseridas no fazer cotidiano, no aprender fazendo, a partir das atividades cotidianas realizadas pelos pais. Seja nas correrias perseguindo pequenos animais com seus arcos e flechas, nos banhos nos rios e lagos ou nas atividades que acontecem nas roças e nos rituais. Dessa forma, para os antropólogos como Amorim, o lúdico no contexto indígena está intimamente relacionado ao aprendizado das práticas sócio culturais de seu povo.

Baldus, um dos grandes estudiosos da cultura indígena, reforça em suas pesquisas a intrínseca relação que ocorre na natureza para se divertir e ao mesmo tempo aprender, quando se trata de comunidades indígenas tradicionais. Com isso, o mundo da criança está ligado com o mundo do adulto, apenas separado pelo viés da diversão. O lúdico corrobora com o aprendizado das regras sociais, que acontece de maneira não forçada e sim num contexto de naturalidade e simplicidade.

A natureza é o elemento propulsor do brincar cotidiano, onde elementos do meio ambiente como sementes, fios, folhas, cabaças, pedaços de paus, frutos, argila, entre outros são utilizados nas brincadeiras e nos jogos criativamente inventados pelas crianças indígenas. Observando brincadeiras e jogos das crianças tapirapés, é possível perceber que são brinquedos naturais, ou seja, retirados da natureza, onde se divertem ao redor de suas casas ou em correria pelo pátio da aldeia.

Entre os brinquedos feitos por algumas etnias destacamos os bakairis com as bolas de palha, os paresis com as de seiva, os piões entre os tapirapés, as petecas e bonecas de barro entre os karajás, apitos e bonecas de algodão feitos pelos rikbaktsas e as flechas de buriti feitas pelos xavantes, entre outras.

O contato com a sociedade não-índia tem provocado impactos nas formas e nos objetos utilizados pelas crianças indígenas para brincarem. A inserção de objetos industrializados nas aldeias tem colocado em risco esse rico acervo lúdico existente no universo da criança indígena, na medida em que as novas tecnologias presente nos brinquedos começam a ocupar o espaço da natureza.

Lidar com essa realidade é mais um dos desafios que os povos indígenas têm, entre tantos outros, para manter viva a identidade étnica e cultural, buscando caminhos que possibilitem pelo menos uma convivência intercultural, onde aspectos fundamentais da formação da criança e da construção da identidade indígena sejam resguardados.

* ELIAS JANUÁRIO é doutor em Educação e coordenador do Proesi - Programa de Educação Superior Indígena Intercultural da Unemat

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