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Brasilia monitora testes nucleares

CB, Cidades, p.24-25
29 de Mar de 2005

Brasília monitora testes nucleares
Parque Nacional abriga aparelho, instalado pela ONU, capaz de captar explosões atômicas
Samanta Sallum
Da equipe do Correio
O Parque Nacional de Brasília (PNB) é a maior reserva ecológica em meio urbano do país. São 30 mil hectares de árvores, flores, córregos e uma infinita coloração de vida silvestre. A região, no entanto, abriga algo mais que a fauna e a flora do cerrado. Tem outros segredos. A área chamou a atenção dos ingleses, na década de 60, depois dos americanos, nos anos 70, e recentemente da Organização das Nações Unidas (ONU). O resultado disso é que hoje o parque é ponto estratégico no monitoramento internacional de testes nucleares clandestinos.
Entranhada na reserva ambiental, existe uma aparelhagem avaliada em quase US$ 1 milhão. São 14 estações sismológicas que captam as ondas provocadas por terremotos nos diversos cantos do mundo. Uma dessas estações, a infra-sônica, foi instalada pela ONU e tem uma missão bem específica: registrar abalos de explosões causadas por testes nucleares. A estação PS-07, única no Brasil, faz parte de uma rede de 50 espalhadas por todos os continentes.
O Parque Nacional de Brasília foi considerado um local privilegiado para esse tipo de estudo. Uma das vantagens é a proximidade com a Universidade de Brasília (UnB) que serve de base para análise e retransmissão de informações. Graças ao interesse internacional pelo parque, a UnB recebeu recursos, por meio de convênios, e hoje detém conhecimento altamente qualificado sobre abalos sísmicos. Mas o crescimento urbano de Brasília começou a atrapalhar as pesquisas, e as estações precisarão ser transferidas de lugar.
Os sensores e as torres de transmissão terão de ser interiorizados na reserva ambiental. A necessidade de mudança é resultado do aumento de ruídos na área que contorna o Parque Nacional. A ocupação do Lago Oeste e o movimento da rodovia da Estrada Parque Contorno (DF-001) estão atrapalhando a captação das ondas pelos aparelhos, que têm alta sensibilidade. É preciso baixo nível de ruídos para não atrapalhar os sensores”, explica o chefe do Observatório Sismológico da UnB, professor Lucas Vieira Barros.
A UnB vai investir R$ 1 milhão para fazer as adaptações necessárias nas estações este ano. Duas que estavam na região limítrofe do parque já foram desativadas por causa do crescente ruído na região. E também já houve roubo de parte dos equipamentos. Anos atrás, essa região era isolada. Hoje, o cenário mudou. Tivemos de redesenhar a disposição dos aparelhos para garantir a eficiência do monitoramento”, diz Barros.
Ponto estratégico
As primeiras estações no parque foram instaladas pelo Serviço Geológico Britânico em 1962. O local foi escolhido porque era isolado, longe de atividades humanas. O objetivo, na época, era monitorar particularmente os abalos da Cordilheira dos Andes. Uma década depois, os americanos descobriram o ponto estratégico e pediram licença ao governo brasileiro para ter também uma estação. Para isso, foram assinados convênios com a universidade, que impulsionaram a criação do Observatório Sismológico da UnB. É a universidade que opera os equipamentos estrangeiros e controla os dados registrados no parque.
A estação infra-sônica instalada pela ONU registra abalos com equipamento colocado a cem metros de profundidade. Os dados registrados são transmitidos por uma torre de 30 metros para a central de informações na UnB, onde está a antena receptora. De lá, os dados são retransmitidos via satélite para central da ONU em Viena. O monitoramento é ininterrupto (veja infografia).
O monitoramento de explosões nucleares faz parte de tratado internacional de 1996 assinado por 71 países, inclusive o Brasil, com objetivo de coibir testes de armas nucleares. Por conta do convênio com a ONU, a UnB recebe US$ 100 mil por ano para operar a manter os aparelhos. De outra estação, que faz parte de parceria com os Estados Unidos, as informações são transmitidas para a central de Albuquerque, nos Estados Unidos, que abastece o Serviço Nacional Americano de Informações sobre Terremotos.
América do Sul
A UnB instalou e controla 60 estações sismológicas em todo o Brasil, incluindo as 12 do Parque Nacional. O arranjo sismográfico de Brasília é o maior da América do Sul. Foi capaz de captar o terremoto ocorrido na Ásia ontem. A área mais sensível a abalos é nossa vizinha: Mato Grosso. Em 31 de janeiro passado, completou 50 anos do maior abalo sísmico do Brasil, com magnitude superior a seis. Ocorrido na Serra do Tombador, os tremores foram sentidos até na cidade de Cuiabá, a 380 quilômetros do epicentro. Não houve danos na época, porque a área atingida era pouco povoada. Cem estações sismográficas no mundo registraram o fato.
Há poucos dias houve outro tremor no Mato Grosso, de 4,7 pontos na escala Richter. A região atingida na quarta-feira é conhecida como Vale do Arinos e inclui municípios de Porto dos Gaúchos, Novo Horizonte do Norte, Juara e Tabaporã. Não foram registradas quedas de casas ou prédios, nem feridos. A UnB mantém na região uma estação sismológica porque os abalos são freqüentes. Entre 1998 e 2002, foram registrados na área três mil abalos. O segundo maior foi em 1998, com 5,1 de intensidade, no norte do Mato Grosso.

Ampliação de reserva
O Parque Nacional de Brasília é um patrimônio do meio ambiente que está ameaçado, segundo especialistas. Tem sofrido agressões graves nos últimos anos. A mudança das estações sismológicas para o interior da reserva reflete a pressão sobre os limites da área. O avanço urbano, que ameaça as fronteiras do verde, motivou a criação de um movimento pela ampliação do parque. O Ministério do Meio Ambiente quer aumentar a reserva em 16 mil hectares. Se a proposta for aprovada, ele se tornará o maior parque urbano do mundo.
O Parque está em colapso. Está quase completamente sitiado pelo complexo urbano. A fauna está confinada e a vegetação fragmentada, ou seja, em processo de perda de sua biodiversidade”, alerta a engenheira florestal Christiane Horowitz, doutora em Desenvolvimento Sustentável. Analista ambiental do Ibama, ela trabalha há 20 anos no Parque Nacional.
De acordo com o Projeto de Lei 4.186/04, enviado pelo Ministério do Meio Ambiente ao Congresso, o parque passará de 30 mil hectares para 46 mil hectares. Preservar a qualidade de água consumida no Plano Piloto é um dos mais fortes argumentos do Ibama para ampliar a reserva. Ela protege mananciais hídricos que abastecem a capital. A água da represa Santa Maria, no centro do Parque, é consumida por 350 mil brasilienses. Abastece a Asa Sul, Asa Norte, Cruzeiro, Sudoeste, Octogonal, Guará I, parte do Lago Sul e Lago Norte.
Desinformação
A reserva abriga uma das poucas amostras do bioma cerrado, que ainda remanescem no Planalto Central. É a maior zona-núcleo da reserva da biosfera do cerrado (fase 1) reconhecida pela Unesco em 1994. No dia 5 de abril, o Ibama realizará audiência pública para ouvir a opinião da população sobre o assunto. Na porta do parque já estão sendo coletadas assinaturas para o abaixo-assinado em favor da ampliação. No entanto, há divergência sobre a proposta.
O projeto de lei prevê anexar a área da Chapada Imperial, que um grupo de pessoas afirma ser área particular e por isso teria de haver desapropriação. O governo federal terá de gastar milhões para indenizar os proprietários do local, que já promovem turismo ecológico na região. As partes envolvidas alegam que a população não está devidamente informada sobre o assunto. E que ainda há dúvidas sobre a demarcação das terras que são públicas e das que são particulares. (S.S.)

Para saber mais
País não está livre de abalo
A idéia propagada por muito tempo de um Brasil essencialmente estável, livre da ocorrência de terromotos, é errada. O nosso território está localizado no interior de uma placa tectônica e os terremotos tendem a ocorrer em outras partes mais frágeis, como as bordas dessas placas. Por isso, os tremores de terra aqui são bem mais modestos se comparados ao da região da Cordilheira dos Andes.
Mas os abalos são, sim, significativos, porque já ocorreram vários tremores de magnitude acima de cinco, indicando que o risco de terremotos no país não pode ser simplesmente ignorado. Acima de magnitude três o tremor já causa danos. Os abalos podem surgir em qualquer lugar e a qualquer hora. Os cientistas dizem que não é impossível que algum dia um sismo de conseqüência grave possa atingir uma cidade brasileira. O terremoto é causado pelo rompimento das placas internas por causa de pressão que vem do centro da Terra.

CB, 29/03/2005, p. 24-25

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