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Brasileiros expulsos apelam a Lula

OESP, Economia, p. B1
15 de Mai de 2006

Brasileiros expulsos apelam a Lula
Medida aprovada pelo governo boliviano pode afetar mais de 7 mil famílias em áreas da fronteira com o Brasil

Agnaldo Brito

Ameaçados de expulsão e sem alternativas de reassentamento, brasileiros que moram há anos na Província de Nicolas Suárez, no meio da Amazônia boliviana, pedem que o governo Lula faça um acordo capaz de evitar a expropriação de terras e a expulsão de famílias inteiras do país. A ofensiva do governo Evo Morales na fronteira da Bolívia com o Acre faz parte de um plano para frear e fazer recuar o que o governo de La Paz chama de "invasão pacífica" de brasileiros.
A medida pode provocar um problema social para um grupo de mais de 7 mil famílias de brasileiros - número estimado pelo Serviço Nacional de Migração - que vivem ilegalmente no norte do país. O governo boliviano ainda não informou o que fará com os brasileiros que forem alcançados por medidas de expulsão.
Até agora, o único apoio dado aos brasileiros sai do Consulado do Brasil em Cobija, norte da Bolívia. É uma ajuda tímida, resume-se a conceder informações sobre como fazer a regularização no país. Dado o risco em que estão, neste momento é um apoio insuficiente.
"Não sei para onde vou se tiver que sair com minha família daqui, mas não tenho como resistir. Espero que o Brasil conheça o que está acontecendo aqui e ajude", diz Daniel Batista de Souza, seringueiro e dono de uma propriedade não regularizada no meio da Amazônia boliviana.
O consulado ainda espera a chegada de um diplomata brasileiro a Cobija para avaliar a situação. Segundo Julio Miguel Silva, vice-cônsul brasileiro, a previsão é que o enviado de Brasília chegue à região na próxima semana. Uma missão poderá ir até a área onde estão os brasileiros, um território isolado, cujo acesso é feito por uma estrada aberta por um dos madeireiros da região, alvo também do governo Evo Morales.
Se for, verá quão precárias são as condições de vida de famílias como a do casal Bento da Cruz Araújo e Maria Deuza Teixeira. Moram numa casa de madeira de dois cômodos, onde cria três filhos. O casal enfrenta um dilema: desobedece à ordem o governo e continua na área ou abandona a região e volta para Xapuri, no Acre.
A reportagem do Estado localizou a família de Araújo, uma das que foi notificada pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Inra). À esposa de Araújo, Maria Deuza Teixeira, autoridades do Instituto entregaram uma notificação de "desalojamento", ou simplesmente expulsão. Um documento de duas páginas escrito em espanhol no qual havia a determinação para que a área fosse desocupada em 15 dias. O prazo venceu dia 10.
Nem Araújo nem Maria Deuza entenderam uma única linha do documento, sequer o que disse a autoridade do instituto no dia que entregou a notificação. Apesar de morarem na Bolívia, muitos brasileiros não falam a língua. Só entenderam a ordem do documento dias depois, quando ouviram informações pelo rádio.
Não sabem o que fazer e, por enquanto, aguardam no mesmo local. Maria Deuza alega que está em situação legal na Bolívia, portanto não poderia ser expulsa. Já Araújo não tem documentos e afirma que não tem como tirá-los. A renda de R$ 150 a R$ 200 não comporta um gasto. A regularização custa perto de R$ 1 mil, um preço excessivamente elevado para grupos de trabalhadores com renda tão baixa. "Preciso que o governo brasileiro me ajude, não tenho como resolver isso sozinho", pede.
O casal está na área há mais de 20 anos, e divide com outra família brasileira terras de onde faz a extração do látex (matéria-prima da borracha) e a coleta da castanha amazônica. Além da renda da borracha, plantam roça de milho, feijão e arroz.
Jociclei de Souza Ferreira e Sheila da Costa Moreira, também seringueiros, não chegaram a ser notificados pelo Inra, mas a falta de informação sobre os critérios a serem adotados para definir quem fica na terra ou quem vai sair provocam apreensão na família. Como outros, não possuem alternativa de morada.
"Ninguém sabe o que vai acontecer. Tem muito boliviano andando por aqui agora. Não havia tantos assim há alguns anos. Consegui me regularizar e acho que não vou perder minha terra. Estamos aqui há tantos anos, não é possível perder isso", diz Sheila. O problema é a falta de documentos que provem a titularidade da terra. Assim, o saneamento que será feito pela Bolívia pode obrigar muitos a retornar ao Brasil.

Bolívia agora quer deter 'invasão pacífica'

Na fronteira com o Acre, brasileiros correm o risco de serem expulsos
A tensão na fronteira entre os Estados do Acre e o Departamento de Pando, na Bolívia, deve crescer nos próximos meses. O governo do presidente Evo Morales montou um plano para frear o que classifica de "invasão pacífica" de brasileiros na faixa de fronteira. As medidas que serão tomadas a partir de agora prevêem a recuperação de terras, identificação e expulsão de brasileiros em situação ilegal e retomada do controle dos recursos florestais, estes ameaçados pela migração de várias madeireiras do Brasil para a Bolívia.
Os organismos de Estado responsáveis por essas três áreas (Instituto Nacional de Reforma Agrária, Serviço Nacional de Migração e Superintendência Florestal) terão o suporte das Forças Armadas bolivianas para garantir o cumprimento do plano de recuperação da influência na fronteira.
O plano do governo, segundo relato da diretora regional do Serviço Nacional de Migração, Ruth Araúz Cayami, é o de recuperar "a soberania, a dignidade, a terra e o território". Segundo ela, o governo Evo Morales vai perseguir o resgate desses quatro pilares do Estado.
Uma das ações que serão adotadas nas próximas semanas será a desativação de três escolas de ensino fundamental, construídas e custeadas pelo governo do Acre. Para Ruth Cayami, a existência de escolas bancadas com recursos brasileiros na Bolívia é a prova da ingerência do Estado do Acre sobre território boliviano.
Ela disse que os estabelecimentos escolares serão nacionalizados e adminstrados pelo Estado boliviano. O currículo escolar seguirá o sistema educacional da Bolívia. As professoras também serão do país.
INFLUÊNCIA
A presença brasileira na fronteira é muito grande. Famílias com áreas na Província de Nicolas Suárez, onde as primeiras notificações exigindo a saída de brasileiros foram dadas, são do ponto de vista cultural e econômico integradas e dependentes do Acre.
As crianças evidenciam como a Bolívia perde influência na região. Apesar de serem cidadãs bolivianas, nenhuma criança adotou o espanhol como língua. Falam português, por influência dos pais, mas, principalmente, pela ausência total de bolivianos na região. "Eles só convivem com brasileiros, não têm contato com nenhum boliviano", afirma o seringueiro Daniel Batista de Souza, pai de três filhas.
A constatação de que há uma "invasão pacífica" brasileira em Pando é verdadeira, mas a reversão dessa situação existente há anos pode trazer traumas.
"Sabíamos dessa situação, mas não houve qualquer governo que enfrentasse o problema no norte do País. A pergunta era: quando vamos enfrentar esse problema? Chegou a hora", diz Ruth. Segundo ela, a "invasão pacífica" é um fenômeno apenas entre o Acre e o Departamento de Pando.A.B.

Deportação deverá começar em setembro

O Serviço Nacional de Migração do Departamento de Pando informou que a deportação de brasileiros em situação ilegal no país deverá começar em setembro, quando estiver concluído o levantamento que o governo deverá fazer na região. A migração admite que esta operação deverá ser traumática, mas garante que o governo tentará minimizar os problemas. A informação é da diretora regional do Serviço Nacional, Ruth Araúz Cayami.
Ela explica que o trabalho será feito em duas fases. Até junho, autoridades de migração percorrerão a faixa de fronteira entre o Departamento de Pando e o Estado do Acre. O objetivo é saber quantos brasileiros moram na região e qual a situação de cada um no país.
Todos terão chances de se regularizar até agosto, mês em que termina o acordo entre o Brasil e a Bolívia para legalização dos estrangeiros em cada um dos países. "A partir disso, nós vamos começar a deportar os brasileiros", afirmou.
Embora exista um prazo para legalização, muitos brasileiros não têm recursos financeiros para custear os documentos ou condições para se deslocar das áreas onde vivem até o centro de atendimento do Serviço Nacional. Questionada sobre esse problema, Ruth disse que a solução pode envolver a ajuda do governo brasileiro.
A embaixada brasileira em La Paz tem criticado o governo boliviano por não cumprir o acordo bilateral criado para facilitar legalização de estrangeiros de cada um dos países. A.B.

OESP, 15/05/2006, Economia, p. B1

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