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Brasileiros da gema

CB, Brasil, p.13
13 de Jul de 2004

Antropologia
Catorze povos indígenas ainda vivem totalmente isolados na floresta amazônica, sem nenhum contato com o homem branco. Número reduzido de funcionários da Funai dificulta a aproximação com essas tribos
Brasileiros da Gema
Ullisses Campbell
Da Equipe do Correio
José Carlos Meirelles, 56 anos, perdeu a conta de quantas flechadas de índios já levou pelo corpo. A mais recente ocorreu há duas semanas quando pescava num rio do município de Feijó, no Acre. Distraído, o sertanista da Fundação Nacional do índio (Funai) chegou a ver o indígena que o acertou no pescoço. Pelas características, ele acredita tratar-se de um povo que nunca fez contato com brancos. Brasileiros da gema. Puro sangue nacional.
Em todo o país, há 14 grupos indígenas que vivem isolados e mais quatro que fizeram o primeiro contato com brancos recentemente. A Funai ainda precisa investigar outros 26 pontos de referências no meio da Amazônia. Funcionários da fundação suspeitam de que na região existem povos totalmente isolados.
Meirelles trabalha justamente em expedições que localizam povos indígenas na Amazônia. Sertanista há 16 anos e funcionário da Funai há 40, foi ele quem comandou a expedição que localizou os Awa-Guajá, no noroeste do Maranhão. Atualmente, é chefe de proteção etnoambiental no rio Euvira, sul do Acre, na fronteira com o Peru.
Expedições
A Funai mantém em seu quadro apenas três sertanistas, quando o ideal seria ter pelo menos 15, já que existem mais de 20 pontos onde há suspeita de povos isolados. Cabe a esse profissional liderar as expedições que fazem o primeiro contato, quase sempre o mais perigoso. "Os sertanistas são homens especializados em sobre viver na selva", ressalta Sydney Possuelo, chefe do Departamento de índios Isolados da Funai, que dispõe apenas de quatro servidores na base e nove no campo.
Devido à escassez de funcionários, uma série de trabalhos nessa área está parada. Possuelo diz que seria necessário fazer pelo menos uma expedição por ano para localizar povos indígenas que vivem isolados. Geralmente, em cada expedição, seguem 36 pessoas, incluindo médicos, enfermeiros, antropólogos. E também índios civilizados de diversas etnias. A presença deles pode facilitar o contato com povos desconhecidos. A última expedição nesse sentido foi feita há três anos, envolveu 36 pessoas, seguiu pela fronteira do Brasil com Peru e durou 110 dias.
Concurso
O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, disse que haverá um aumento no número de funcionários do Departamento de índios Isolados. Eles serão recrutados por meio de concurso público que está em andamento. No entanto, o quadro de sertanistas não aumentará, porque se trata de uma função que é formada dentro do próprio órgão. "0 sertanista é um expert. Ele atesta que um índio passou pela selva observando os galhos quebrados, identificando cacos de cerâmica e folhas caídas no chão", explica Meirelles.
Desde a Constituição de 1988, a política indigenista do Brasil mudou radicalmente. Até então, os sertanistas da Funai saíam pelo país à procura de povos isolados para fazer contato. Com isso, ocorria um desastre. Os índios passaram a contrair doenças de brancos e, e partir desse contato, várias etnias descobriram que suas reservas naturais escondiam riquezas, como ouro e madeira, o que acabou despertando a cobiça em vários povos indígenas.
Atualmente, a orientação da Funai é evitar o contato com povos isolados. Os sertanistas, quando podem, atuam apenas identificando as áreas onde existem povos isolados. Em seguida é feita uma demarcação para proteção da área e um sobrevôo pa tentar identificar a etnia. "Quando esse trabalho não é feito, esses povos tendem a desaparecer", diz Sydney Possuelo.
O solitário
Muitos povos indígenas que foram contatados na década c 80 preferiram continuar no isolamento depois do primeis contato. Um caso típico ocorre na região de Tanaru, sul de Rondônia. A Funai identificou um índio solitário que anda pela selva e evita ao máximo contato com brancos. "Tudo leva crer que seu povo desaparece devido à violência e à ganância dos pecuaristas da região", diz indigenista Roosevelt Mathias da Universidade Federal de Rondônia.
Os sertanistas da Funai ter taram várias vezes chegar perto dos acampamentos que o índio solitário montou numa deter minada região da floresta. Em vão. A cada aproximação, ele abandonava a maloca a segui pela mata. Na fuga, levava consigo apenas panelas de barro armas semelhante a facões, feitas de madeira.
De 1900 a 1960, quando governo investia na localização e no contato com os povos indígenas, cerca de 80 etnias desapareceram no Brasil. Hoje diversos povos estão ameaça dos de desaparecimento por conta de conflitos com garimpeiros, madeireiros, fazendeiros e devido à abertura de estradas. As queimadas e a poluição também são ameaças para povos indígenas.

CB, 13/07/2004, p. 13

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