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Brasil volta a apostar na producao de biodiesel

OESP, Economia, p.B1
28 de Jun de 2004

Brasil volta a apostar na produção de biodiesel
Combustível alternativo poderá ser acrescido ao óleo diesel na proporção de 2%
RENÉE PEREIRA
Quase 30 anos após a criação do maior programa de combustível renovável do mundo, o Proálcool, o Brasil volta a apostar num novo projeto de energia limpa: o biodiesel, uma alternativa para reduzir a dependência do petróleo, melhorar a qualidade do ar e contribuir para a inclusão social. Se a regulamentação sair em novembro, como previsto, a partir de 2005 os veículos brasileiros movidos a óleo diesel (caminhões, locomotivas e ônibus) já estarão circulando com um porcentual de biodiesel.
Em recente entrevista ao Estado, a ministra de Minas de Energia, Dilma Rousseff, afirmou que o combustível renovável deverá ser um dos principais focos do governo Lula. Segundo o secretário-executivo do ministério, Maurício Tolmasquim, a intenção é começar o Programa de Biodiesel com o chamado B2, ou seja, misturar 2% do combustível renovável no diesel, o que significará cerca de 800 milhões de litros de biodiesel na frota brasileira. O aumento deverá ser gradual, podendo chegar a 5% em 2010.
O combustível renovável é produzido com óleos vegetais, novos ou usados, gorduras animais, resíduos industriais e esgoto sanitário reagidos com um porcentual de metanol ou etanol (álcool extraído da cana-de-açúcar). O processo resulta em biodiesel e glicerina - matéria-prima empregada na indústria de cosméticos e explosivos.
Mas no Brasil o foco está, especialmente, nos óleos vegetais, obtidos a partir da soja, mamona, dendê, milho, girassol, babaçu, palma, algodão e colza reagidos com álcool etílico. "Assim, teremos um combustível 100% renovável", afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) Miguel Dabdoub, responsável pela fórmula do biodiesel com álcool da cana-de-açúcar.
Mas além da questão ambiental, o uso do biodiesel - que praticamente não emite enxofre - também deve ser estratégico do ponto de vista econômico.
Segundo Tolmasquim, o diesel representa um grande gargalo para o País, que tem de importar 15% do combustível consumido (6 bilhões de litros, que custam cerca de US$ 1,2 bilhão). Mesmo que o Brasil alcance a auto-suficiência em petróleo, haverá necessidade de importar diesel comum.
Isso porque o óleo extraído não tem qualidade para a produção daquele combustível. "A adoção do biodiesel tende, aos poucos, a diminuir nossa dependência do diesel comprado no mercado internacional", diz Tolmasquim.
Ele afirma que a intenção do governo é voltar-se principalmente para a produção de biodiesel de óleo de mamona. Cerca de 50% do combustível que será consumido no País deve vir dessa matéria-prima, por causa do apelo social. A plantação, cultivo e colheita da mamona são intensivos em mão-de-obra, contribuindo para a criação de empregos e distribuição de renda para milhares excluídos nas regiões mais carentes, argumenta o assessor da presidência da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), José Roberto Rodrigues Peres.
Além disso, a mamona é facilmente adaptável ao semi-árido do Nordeste.
"Queremos que famílias dessas regiões produzam a mamona e vendam para as indústrias", diz Tolmasquim. Mas o governo terá de dar alguma contribuição.
"Esses pequenos agricultores precisarão ter acesso a crédito e garantia de compra do produto", ressalta Peres. Outro ponto positivo da mamona é o período entre a plantação e a colheita, de apenas seis meses. Isso contribuiria para acelerar a formação de uma indústria de biocombustível.
"No caso do dendê, o produto só começa a ser colhido em seis anos", diz o assessor da Embrapa.
Apesar dos inúmeros projetos de empresas e universidades, o Brasil ainda não tem capacidade produtiva para os 800 milhões de litros necessários para formar a proporção de 2% no óleo diesel.
Para o professor Dabdoub, inicialmente o governo teria de determinar que a proporção fosse de até 2% - ou seja, não haveria obrigatoriedade. Mas é preciso estipular uma data para que o uso seja obrigatório e para que a indústria se desenvolva, afirma.
Na opinião do presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes, Alísio Vaz, o biodiesel precisará de um tratamento especial, principalmente na questão tributária. Para os especialistas, o governo precisa desonerar o combustível de alguns impostos na fase inicial do programa até atingir a produção em grande escala. Outra dúvida: quem fará a mistura do diesel com o biodiesel, a distribuidora ou a refinaria?

Proálcool esvaziou programa alternativo
Pesquisas começaram na década de 70, e continuam em vários Estados
As pesquisas com o biodiesel tiveram início na década de 70, mas foram ofuscadas pelo Programa Nacional do Álcool. Durante todos esses anos, cientistas e pesquisadores não desistiram de suas experiências. Hoje, quase todas as grandes universidades do País têm seu programa de combustível renovável e as primeiras empresas privadas começam a se movimentar para explorar o mercado. Mas será preciso muito mais para criar uma indústria de biodiesel no Brasil, capaz de abastecer todo o território nacional.
Um dos pioneiros no desenvolvimento do biodiesel no Brasil é o pesquisador Expedito José de Sá Parente, da Tec Bio (Tecnologias Bioenergéticas). Os experimentos começaram em 1978 com várias matérias-primas (soja, babaçu, amendoim, algodão, colza, entre outros) e anunciado e patenteado em 1980.
Segundo ele, foi a primeira patente mundial do diesel vegetal. Hoje a Tecbio fornece plantas industriais para produção do biodiesel.
Entre os clientes está a empresa Brasil Ecodiesel, que tem um grande projeto para a produção do combustível no Piauí. O primeiro núcleo de plantio de mamona foi inaugurado no interior do Estado, no município de Canto do Buriti, a 500 quilômetros de Teresina, e beneficiará 35 famílias. Esses agricultores terão a garantia de que a empresa vai adquirir a safra para produzir o óleo sob a forma de biodiesel.
O terreno para a plantação, doado pelo governo, foi dividido em células.
Cada trabalhador recebe um lote agrícola de 25 hectares (15 para plantio de mamona, 3 para cultivo livre e 7 para reserva florestal) e uma casa de alvenaria de 36 m2. No final do contrato, de dez anos, os agricultores ganham a casa. A primeira colheita de mamona já está sendo feita e deve durar de 120 a 150 dias.
A primeira usina para o beneficiamento do óleo da mamona deve ficar pronta em março, na cidade de Floriano, no Piauí, e terá capacidade para 25 milhões de litros por ano. Uma outra deve ser feita em Teresina ou Fortaleza, com produção de 100 milhões de litros. Segundo o diretor da Brasil Ecodiesel, Nelson Silveira, enquanto o modelo para o uso do combustível não sai, o óleo extraído da mamona será exportado. Se o programa realmente sair do papel, a empresa deverá criar mais três usinas de beneficiamento.
Outra companhia que também aposta no biodiesel é a Petrobrás. Seu diretor de Gás e Energia, Ildo Sauer, diz que o novo plano estratégico da estatal determina 0,5% do investimento total para energias renováveis. "Parece pouco, mas é um passo significativo. Serão US$ 80 milhões até 2010." A empresa também tem um centro de pesquisa que transforma a mamona em biodiesel e uma plantação de mamona em Alto Rodrigues, no Rio Grande do Norte.
Em Charqueada, região de Piracicaba, no interior de São Paulo, outra unidade industrial está sendo construída para produção do biodiesel a partir da soja pela empresa Petroquímica Capital. A previsão é de que comece a operar ainda este ano, usando basicamente o resíduo do refino de óleo de soja. Por enquanto, o produto também deverá ser exportado, enquanto o uso do combustível não é regulamentado.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) Miguel Dabdoub orienta o projeto. Ao lado de sua equipe, o pesquisador está testando em vários veículos e motores o combustível feito a partir de óleo vegetal e etanol. Na Europa, o biodiesel é feito com metanol, substância tóxica. Entre as empresas que fazem parte do experimento estão a Peugeot-Citroën, Engins, Valtra e América Latina Logística (ALL).
A Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também tem um programa para desenvolvimento do biodiesel. O coordenador do Instituto de Mudanças Globais da Coppe, Luciano Basto, diz que desde 1999 o combustível vem sendo estudado pelos técnicos da instituição. "Já fizemos experiências com mais de 20 matérias-primas, entre elas resíduos industriais, esgoto sanitário e plantas diversas." Hoje a universidade esta testando biodiesel, a partir da soja e do óleo de fritura, em quatro caminhões do serviço de limpeza pública do Rio de Janeiro. (R.P.)

OESP, 28/06/2004, p. B1

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