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Brasil vai ser investigado pelo tráfico de diamantes do garimpo roosevelt

Estado de Minas-Belo Horizonte-MG
16 de Mai de 2005

O futuro do bilionário mercado de diamantes brasileiros será definido nos próximos dias, com a chegada de uma comissão internacional que vai fiscalizar as principais áreas de extração de pedras do território nacional. O Brasil está na mira dos representantes do Certificado Kimberley, documento compartilhado por um seleto grupo de 52 nações, e que atesta a legalidade, a origem e qualidade da mais cobiçada pedra do mundo.

O mercado de gemas brasileiro é apontado, em vários relatórios de organizações não-governamentais, como gerador de conflitos sangrentos em território nacional e também no exterior, onde os diamantes financiam violentas guerras civis em países como Angola e Congo. O País é acusado ainda de usar sua certificação para dar fachada legal a pedras extraídas em áreas clandestinas e pode ser punido com a cassação do certificado ou ainda ser alvo de uma sanção pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A inspeção internacional interessa de perto a Minas Gerais, oficialmente, o maior produtor do País. Na rota da visita, estão Diamantina e Coromandel, cidades mineiras que "esquentam" diamantes, como o ESTADO DE MINAS revelou, com exclusividade, na série Diamantes da Ilegalidade, publicada a partir de outubro do ano passado.

Uma realidade que a Polícia Federal brasileira conhece bem, desde que identificou pelo menos sete organizações criminosas, especializadas na compra e revenda das gemas ao exterior e na "lavagem" de sua verdadeira origem. Já são 12 os inquéritos instaurados em Rondônia, que revelam que os comandantes desse negócio têm ligações com o terrorismo internacional, as guerras civis na África e com os responsáveis pelo assassinato de 29 garimpeiros na reserva Roosevelt, dos índios cintas-larga, ocorrido no ano passado. De acordo com o delegado federal Mauro Spósito, chefe da força-tarefa que investiga o contrabando das pedras, o principal alvo hoje da PF é o libanês naturalizado brasileiro Khalil Najib Karam, que vive em Brasília, transitando entre gabinetes para defender seus interesses e impulsionar seus negócios. "Ele é investigado por vários atos ilícitos, entre eles terrorismo", afirma Spósito.

Líder absoluto

O roteiro da comissão prevê a visita aos estados de Rondônia, onde está a reserva Roosevelt; Mato Grosso, na cidade de Juína; e também aos garimpos de Minas, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, além de Coromandel, no Triângulo. Oficialmente o maior produtor de gemas no País, Minas Gerais tem em Belo Horizonte um descendente de libanês nascido em Serra Leoa, Hassan Ahmad, investigado por contrabando. Dono da empresa Primeira Gema, na Zona Sul da capital, Hassan é hoje um dos maiores certificadores de diamantes do Estado. Sozinho, ele respondeu em 2004 pelo comércio de 83,68% de toda a produção da gema em Minas e movimentou cerca de US$11,7 milhões na exportação da pedra. Isso sem ter direito oficial de explorar uma única área produtora de diamante.

Hassan - que tem outros integrantes de sua família investigados por tráfico de drogas e de diamantes além de lavagem de dinheiro na África -, já teve negócios também com o libanês Khalil Nagib, de acordo com o delegado Mauro Spósito. A disputa pela empresa Adamas Pesquisa e Mineração Ltda, com sede em Coromandel, colocou os "sócios" em lados opostos. O racha com Hassan, entretanto, não abalou os negócios do libanês, que mantém boas relações com o índios cintas-larga, da reserva Roosevelt, especialmente Oita Martina Cinta-Larga, um de seus principais fornecedores de gemas. Levantamento da PF e do Ministério Público Federal indica que, até meados do ano passado, o garimpo ilegal nas terras indígenas retirava 20 milhões de diamantes na região. Cerca de 80% desse total eram contrabandeados por compradores mineiros.

Relatório mostra falha no processo

Relatório inédito da ONG Parternship África Canadá (PAC), concluído no mês passado, faz uma devassa nos negócios do contrabando de diamantes e, conseguiu comprovar falhas na certificação das gemas. Ele é um dos documentos que forneceu subsídios para a visita ao Brasil da comissão do Certificado Kimberley. Os investigadores da ONG concluíram que há uma "existência continuada de venda de diamantes ilegais em Brasília, Mato Grosso e Rondônia". "Isso implica que as redes de tráfico internacional de diamantes ainda são capazes de movimentar as pedras de um continente para o outro e continuam encontrando compradores no exterior para esses diamantes brutos sem documentos", concluem. Na base de operações do libanês Khalil, a capital federal, os investigadores simularam a compra de pedras contrabandeadas e constataram a facilidade.

A organização relata que foram necessários apenas dois dias para encontrar, em Brasília, três vendedores, de diferentes grupos, cada um deles com lotes da gema bruta, que variavam de 100 a 600 quilates, além de "meia dúzia de outros vendedores de pedras lapidadas". Nas negociações, foi oferecida aos investigadores até mesmo um nota fiscal fria, essencial para se obter o certificado Kimberley. Segundo a PAC, a simulação das transações aconteceu no café do Hotel Nacional - tradicional ponto de encontro de deputados e senadores - e em um luxuoso hotel na Asa Norte. Essa realidade fez com que a ONG concluísse: "De fato, os legisladores em Brasília que procurarem descobrir se o contrabando de diamantes ainda existe no seu país, nem precisam ir tão longe".

Certificado Kimberley

A iniciativa de se criar um selo de origem e qualidade para os diamantes data do ano 2000, na tentativa de pôr fim às guerras na África, fomentadas pela disputa pela pedra preciosa. Foram três anos de discussões entre organizações não-governamentais, empresas e comerciantes, para oficializar o Sistema de Certificação do Processo Kimberley, acordo legal entre mais de 52 países que produzem e processam diamantes. Sem o certificado, emitido depois de passar pelo controle interno de cada uma dessas nações, que deve identificar todo o caminho das gemas desde a origem, nenhuma pedra poderia ser comercializada.

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