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Brasil tem recorde de assassinatos de ativistas

O Globo, Sociedade, p. 24
24 de Jul de 2018

Brasil tem recorde de assassinatos de ativistas

POR CESAR BAIMA
24/07/2018 4:30

RIO - O Brasil registrou um recorde de assassinatos em conflitos ambientais e por terra em 2017. De acordo com relatório da organização internacional Global Witness divulgado na manhã desta terça, foram 57 mortes no ano passado, oito a mais que em 2016. Assim, o país continua a liderar a lista dos lugares mais perigosos do mundo para os defensores do meio ambiente e dos direitos humanos, com dezenas deles vivendo sob constante ameaça e, mesmo assim, sem a proteção do Estado.
É o caso, por exemplo, de Maria do Socorro Costa da Silva, 52 anos. Líder comunitária na região de Barcarena, no Nordeste do Pará, ela há anos denuncia o que vê como uso indevido de terras e poluição provocada pela uma empresa beneficiadora de alumínio Hydro Alunorte, e por isso diz ser alvo de frequentes ações de intimidação e ameaças de morte. Em fevereiro deste ano as instalações da Hydro Alunorte foram palco de suposto transbordamento de reservatórios de resíduos que teriam contaminado os rios no seu entorno com metais pesados e outros rejeitos de suas operações.
Inicialmente a empresa negou qualquer problema, mas em maio último o presidente da norueguesa Norsk Hydro, controladora da Alunorte, Svein Richard Brandtzæg, admitiu em comunicado o descarte de "água de chuva e da superfície da refinaria não tratadas no Rio Pará". A atuação da empresa também é alvo de comissão parlamentar de inquérito (CPI) em curso na Assembleia Legislativa do Pará.
- Me sinto como se estivesse numa cadeia - conta Maria do Socorro, que também é presidente da Associação dos Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Caiqama), que reúne cerca de 17 mil famílias, num total de mais de 60 mil pessoas, moradoras da região. - Fico assustada, mas não é isso que vai me fazer parar. Luto pela vida, pela fauna, pela flora, pela natureza, pelas futuras gerações e só vou parar quando morrer.
Segundo Maria do Socorro, mesmo tendo pedido proteção às autoridades em razão das constantes ameaças, sua requisição não foi atendida.
- Não tenho mais para onde correr, mas vou morrer gritando - garante. - Não tenho medo de nada nem de ninguém e não adianta me ameaçar. Vão ter que me ouvir.

Para a Global Witness, o novo recorde de mortes em conflitos ambientais e por terras no Brasil em 2017 é resultado principalmente do enfraquecimento das principais instituições governamentais responsáveis pelas políticas públicas voltadas para estas áreas, em especial o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) nos últimos anos. Com isso, o país registrou três episódios classificados como "massacres" pela organização no ano passado.
No primeiro, em abril, nove pessoas foram assassinadas a tiros e facadas em um assentamento no município de Colniza, a 1.065 km de Cuiabá, Mato Grosso. Na época, investigadores informaram que um grupo encapuzado invadiu a área e atirou contra as famílias que moravam na comunidade de Taquaruçu do Norte, distante cerca de 350 km de Colniza e de difícil acesso. A suspeita é de que os criminosos eram capangas de fazendeiros da região.
Já em maio de 2017 foram agentes do próprio Estado os autores das mortes. Então, policiais civis e militares invadiram a fazenda Santa Lúcia, em Pau D'Arco, no Sul do Pará, ocupada por trabalhadores rurais sem-terra, para cumprir mandados de prisão contra eles. Na ação, dez pessoas - nove homens e uma mulher - acabaram mortos. A versão inicial do governo sobre o massacre era de que teria havido troca de tiros quando da chegada dos policiais ao local. Investigações posteriores, porém, derrubaram o argumento, com a perícia mostrando não haver marcas de tiros nos coletes ou nos carros dos policiais, enquanto O GLOBO demonstrou que um dos mortos foi baleado nas costas. Assim, o próprio Ministério Público confirmou as execuções. Em julho de 2017, a Justiça chegou a determinar a prisão temporária de 13 policiais militares e dois civis envolvidos na operação. No fim do mês passado, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a soltura de todos, que devem responder ao processo em liberdade.
Por fim, em agosto de 2017, pelo menos dez índios foram mortos por garimpeiros ilegais na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, onde diversas tribos ainda vivem isoladas. "O fechamento das bases da Funai no rio do Vale do Javari pode ter facilitado o acesso não monitorado dos garimpeiros a esta área remota, gerando tensões com grupos indígenas não contatados. Os corpos das vítimas nunca foram encontrados, e seus nomes nunca verificados, então eles não foram acrescentados às nossas estatísticas", diz o relatório de monitoramento da violência ambiental e no campo Global Witness deste ano, intitulado "A que preço?".
- É uma situação muito perturbadora - resume Ben Leather, ativista sênior da Global Witness e um dos autores do levantamento, que cobra esforço do governo, com o reforço de instituições como o Incra e a Funai, assim como do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, da Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos, para que o Brasil finalmente consiga sair do topo desta triste estatística. - Para qualquer lado que se olhe o Brasil é um dos lugares mais perigosos para se levantar e defender seu direito à terra e a proteção do meio ambiente. Os ativistas locais trabalhando nestas questões estão lutando por suas vidas. Eles são as pessoas na linha de frente de uma luta que vai beneficiar a todos brasileiros. Mas enquanto o governo continuar a colocar os interesses dos grandes negócios à frente dos das comunidades locais e dos direitos humanos, isso continuará a ser um grande problema no Brasil.

O Globo, 24/07/2018, Sociedade, p. 24

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