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Brasil à procura de novo mapa

JB, País, p. A3
21 de Dez de 2003

Brasil à procura de novo mapa
Na Câmara e no Senado, 12 projetos de lei pretendem alterar a geografia do país, criando e dividindo Estados e Territórios

Rafael Sento Sé

Se aprovados os projetos de criação de novos Estados e territórios federais, em tramitação na Especial para o JB
Câmara e no Senado, professores de geografia e cartografistas terão dificuldade para traçar, e definir, o novo desenho do país. Levantamento da Frente Parlamentar sobre a Criação de Novos Estados e Territórios no Brasil aponta a existência de 12 propostas que modificariam o mapa brasileiro.
O Estado mais rico do país se repartiria em dois: São Paulo e São Paulo do Leste - incluindo as desenvolvidas regiões de Piracicaba e Campinas. As cidades-satélites deixariam de integrar o Distrito Federal se o Estado do Planalto Central se tornasse realidade. A Guanabara renasceria e a cidade do Rio voltaria a ser capital do Estado. O Estado do Rio não desapareceria. O poder político e administrativo seria transferido para Campos e o Norte Fluminense viraria uma espécie de potentado. E Minas do Norte?
- Não conheço ninguém em Minas Gerais que queira deixar de ser mineiro - afirma o deputado Ronaldo Dimas (PSDB-TO), coordenador da frente parlamentar, nascido em Minas Gerais.
A redivisão do território brasileiro envolve a integração nacional, o desenvolvimento social e a identidade cultural. Dimas defende o retraçado das divisas estaduais argumentando que é uma forma de diminuir as desigualdades regionais.
- O número de deputados per capita do Tocantins é maior que o de São Paulo, Estado que concentra um poder econômico extremamente superior - observa o deputado.
A maior parte dos projetos se concentra no mapa da Região Norte, onde ainda predominam Estados de grande extensão territorial, como Pará e Amazonas, e do Centro-Oeste, como o Mato Grosso, que somam metade do territórios total do Brasil. Não é por menos que se transformam em alvo de cobiça de políticos vaidosos, eleitoralmente ambiciosos e com objetivos pessoais nem sempre confessados. Propõem levantar fronteiras e montar os territórios do Rio Negro, Solimões e Tapajós, mais os Estados de Carajás, Araguaia e da Ilha de Marajó. Nem o ponto mais ao Norte do país, referência de aulas de geografia, escapa da sanha eleitoreira. O Território do Oiapoque está nos planos de políticos da região.
No Nordeste, grassam propostas para erguer o Maranhão do Sul, Gurguéia, no sul do Piauí, e o Estado do São Francisco, na porção oeste da Bahia. O novo Maranhão não abre mão de Nova Iorque, cidade de 4 mil habitantes, e Gurguéia ficaria famosa pela pobre Guaíba, primeiro município beneficiado pelo Fome Zero. Já separado no passado, Mato Grosso geraria ainda os Estados do Mato Grosso do Norte ou do Araguaia e o Território do Pantanal.
Dimas afirma que alguns projetos, ''sem padrinho'', têm chances mínimas de seguir adiante. Maranhão do Sul, Tapajós e Carajás, contudo, ganham celeridade e, caso conquistem mais adeptos, podem se tornar realidade depois de um plebiscito, condição indispensável para que áreas territoriais sejam revistas e conquistem autonomia.
Entre os parlamentares, a redivisão territorial não é unanimidade. A deputada Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) observa que, caso saia do papel, o Território do Rio Negro, no Amazonas, abrigará 80% de população indígena.
- A quantidade de estrangeiros que pesquisam a biodiversidade da Floresta Amazônica é muito grande e o assédio às populações indígenas pode ser perigoso - adverte Vanessa.
As idéias em tramitação no Congresso pecam pela ausência de estudos técnicos. Apesar do longo trajeto percorrido por comissões, não se exige a apresentação de estudos de viabilidade.
- A população tem o direito de escolher. Durante o plebiscito, cada lado apresentará estudos e números. A falta de estudos mais detalhados é risco pequeno, que precisa ser corrido - opina o coordenador da Frente Parlamentar pró-criação de Estados e Territórios.
O professor Rafael Sanzio, do Centro de Cartografia Aplicada e Informações Geográficas da Universidade de Brasília, pensa diferente.
- Qualquer proposta de redivisão tem que ser baseada em análises técnicas. Há muito tempo não se faz um estudo geográfico no Brasil. Não se tem proposta técnica, apenas demanda política.
Sanzio define os projetos como ''intervenções meramente incrementais, sem visão da unidade territorial''.
- Existem localidades distantes três dias de barco de capitais. A solução, contudo, não está em criar outros Estados, mas sim em modernizar o transporte fluvial.
O deputado Ronaldo Dimas, no entanto, assegura que boa parte dos projetos em tramitação tem respaldo popular.
- São demandas de populações que se sentem excluídas e não recebem assistência do poder público - assegura o parlamentar.
Novos Estados e territórios federais podem ser criados a partir de projeto de decreto legislativo, com realização de plebiscito nos municípios e unidades da Federação submetidas à divisão. O aval do referendo não basta, contudo, para o Estado ganhar autonomia política ou o Território garantir sustento dos cofres da União. Nestes casos, a sanção presidencial é obrigatória.

Rio e Brasília no foco da polêmica
A mudança da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília deixou seqüelas que se manifestam ainda hoje. A Frente Parlamentar de Trabalho sobre a Criação de Novos Estados e Territórios no Brasil analisa um projeto para recriar o Estado da Guanabara e outro para dividir o Distrito Federal. A questão é polêmica. Especialistas consideram que os dois projetos podem gerar segregação.
Na avaliação do pesquisador Carlos Eduardo Sarmento, do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, a construção de Brasília não se deu apenas para atender a uma demanda da Constituição de 1891, de levar a capital para o interior. Serviu também para afastar o centro de decisão política da pressão das massas.
Apesar da diferença entre os momentos históricos, uma das justificativas para a criação do Estado do Planalto Central, segundo o autor da proposta, o ex-senador Francisco Escórcio, é o risco de se ''perder a capital administrativa do Brasil''.
Para defender sua tese, o ex-senador apresenta números da evolução demográfica de Brasília e do Distrito Federal. Em 1960, a população de Brasília representava 46% do total do Distrito. Hoje este percentual não chega a 18%.
De acordo com o novo plano, Brasília ficaria restrita ao Plano Piloto, Núcleo Bandeirante, Cruzeiro, Lago Sul, Lago Norte, Candangolândia, Guará e Paranoá. O Estado do Planalto Central seria formado por 13 cidades-satélites, 26 municípios de

Goiás e três de Minas Gerais.
- Pode acabar acontecendo uma ''guetificação'' - alerta o professor Rafael Sanzio, da UnB.
A Guanabara, por sua vez, retornaria ampliada ao mapa brasileiro. Antes restrito à cidade do Rio, o Estado cresceria em direção à Costa Verde, incorporando Paraty, Angra dos Reis, Mangaratiba, Itaguaí, Piraí, Rio Claro, Seropédica e Niterói. O novo Rio de Janeiro ficaria com a Baixada Fluminense, a Região Serrana, o Norte Fluminense, a Região dos Lagos e o Sul. Campos, reduto político da família Garotinho, que governa o Rio há dois mandatos, seria a nova capital.
- É necessário reparar uma injustiça do governo militar: a população não foi consultada sobre o fim da Guanabara, nem mesmo quando a democracia foi restaurada - argumenta o deputado federal José Divino (PMDB-RJ), um dos autores da proposta.
Carlos Eduardo Sarmento, do CPDoc, acredita que até hoje o carioca não aceita a dissolução.
- Existem diferenças, mas é preciso pensar um plano de desenvolvimento estratégico conjunto. Não se pode virar as costas para a Baía de Guanabara - afirma o pesquisador, que não acredita na viabilidade econômica do novo Estado. (R.S.S.)

Tocantins, a mudança mais recente

Há 15 anos, o Brasil fez o retoque mais recente nos contornos de suas divisas. Na esteira da Constituição de 1988, nasceu o Estado do Tocantins, desmembrado de Goiás pelo esforço do então deputado federal Siqueira Campos, sob o argumento de que o antigo Estado era muito extenso, com 2 mil quilômetros de uma ponta à outra.
As medidas territoriais são argumento recorrente entre os que defendem o novo desenho do mapa brasileiro. Autor da proposta de redivisão do Amazonas, o senador Mozarildo Cavalcanti afirma que, se o Tocantins for reincorporado a Goiás, colaboraria com 45% da receita. Antes da separação, a porção Norte correspondia a apenas 4% da arrecadação do Estado.
O professor Rafael Sanzio, da UnB, reconhece que por trás da divisão havia um apelo histórico, mas ressalta outros interesses.
- Houve um forte componente político - afirma.
Siqueira Campos, eleito o primeiro governador do novo Estado, ainda domina o cenário político, à frente do grupo conhecido como União do Tocantins. Dos 139 prefeitos, 130 são aliados do ex-governador. O filho Eduardo Siqueira Campos se elegeu para o Senado e os oito deputados federais pertencem a seu grupo político. Ainda assim, o deputado federal Darci Coelho (PFL-TO), primeiro vice-governador, não reconhece a existência de uma oligarquia.
- Sempre há renovação de nomes. Dos oito deputados federais, somente três foram reeleitos - lembra Coelho.
Presidente do Comitê Pró-Criação do Estado do Tocantins, o deputado faz questão de apresentar números favoráveis: garante que foram asfaltados quase 4 mil quilômetros de rodovias e criados 37 cursos de formação de professores.
Apesar de muitos políticos exaltarem o sucesso do novo Estado, o professor Rafael Sanzio ressalta que o êxito poderia não se repetir nos dias de hoje.
- São momentos políticos e históricos diferentes - avisa. (R.S.S.)

JB, 21/12/2003, País, p. A3

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