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Brasil na contramão

O Globo, Economia, p. 23
01 de Jun de 2011

Brasil na contramão
País deve manter programa que dobra fatia de usinas nucleares na geração de eletricidade

Na contramão: Brasil deve manter programa que dobra fatia da energia nuclear na geração de eletricidade
País deve manter programa que dobra fatia de usinas nucleares na geração de eletricidade

Danielle Nogueira, Eliane Oliveira e
Mônica Tavares

No momento em que vários países decidem rever seus programas nucleares - segunda-feira, a Alemanha anunciou que vai desativar suas usinas até 2022 -, o Brasil toma a direção contrária e decide usar benefícios fiscais para estimular a ampliação de seu programa atômico.
Depois do acidente em Fukushima, no Japão, em março último, países como Suíça, Bélgica e China cancelaram ou suspenderam novas licenças para a construção de usinas. Enquanto isso, o Brasil está construindo Angra 3 e a Câmara dos Deputados aprovou, semana passada, medida provisória que concede incentivos fiscais para compra de equipamentos a serem usados na geração nuclear. Reportagem de Danielle Nogueira, Eliane Oliveira e Mônica Tavares em O Globo.
A MP 517 ainda será votada no Senado. Além disso, o governo Dilma Rousseff deve manter a estratégia de mais quatro usinas até 2030, como previsto no Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, hoje em revisão. Ao lado de Angra 1, 2 e 3, as novas unidades dobrariam a fatia da fonte nuclear na geração de eletricidade, para 5%.
O avanço da participação nuclear na matriz elétrica, bem como a expansão do gás natural (de 2,6% em 2009 para 8%), se daria ao custo da retração da fatia da hidreletricidade, fonte limpa e barata (de 85% para 78%). A energia vinda da biomassa e dos ventos também sofreriam uma leve redução. Juntas, elas respondiam por 5,7% em 2009 e cairão a 5% em 2030. É justamente nestas duas fontes que o Brasil deveria investir para conter o avanço nuclear, diz José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.
- A energia da biomassa e dos ventos deve ser mais bem aproveitada. Além disso, programas de eficiência energética devem ser implementados. Após o acidente da usina nuclear japonesa de Fukushima, os países discutem se mantêm ou não seus programas nucleares. Não é o momento de expandi-lo.
Rejeitos ainda não têm destino final

O diretor da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Eletronuclear, Luiz Pinguelli Rosa, engrossa o coro dos contrários à expansão do programa nuclear brasileiro. Para ele, não é apenas uma questão de segurança, mas também de preço. Nos seus cálculos, o custo da energia hidráulica está em cerca de R$ 78 o megawatt-hora (MW/h), considerando os projetos de Belo Monte (PA) e o complexo do Rio Madeira (RO). A tarifa da energia eólica e da gerada a partir do gás natural está em torno de R$ 150 o MW/h, e a da energia nuclear giraria em torno de R$ 250 o MW/h, considerando o investimento em Angra 3, de R$ 9,9 bilhões.

- A energia nuclear não emite gases de efeito estufa, mas é cara no Brasil. Além disso, após Fukushima, outras diretrizes de segurança podem ser tomadas - diz Pinguelli.

A subsecretária de Economia Verde do Estado do Rio e vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Suzana Kahn, lembra a incerteza quanto ao destino dos rejeitos radioativos.

- Em estudos recentes, o IPCC indica que as fontes renováveis dão conta do aumento da demanda mundial de energia até 2050. Não concordo que a nuclear seja uma opção para já. E
tem uma questão que não está equacionada: o lixo radioativo.

Não há no mundo depósitos definitivos para abrigar os resíduos de alta radioatividade.

Os partidários da energia nuclear dizem que o potencial hidrelétrico no Brasil estará esgotado em 2025 e que essa opção será necessária para a segurança energética. Lembram o caráter político da decisão alemã, uma vez que a coalizão verde e social-democrata já aprovara, há 11
anos, proposta que encerraria a era nuclear. A chanceler Angela Merkel resistia em seguir a determinação, mas voltou atrás para obter a simpatia dos verdes.

- Não adianta o Brasil tomar uma decisão com viés emocional. O problema com Fukushima não foi a tecnologia nuclear, e sim um erro de projeto - diz o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Edson Kuramoto.

Das quatro usinas que constam do PNE 2030, duas seriam no Nordeste e outras duas, no Sudeste. A Eletronuclear já identificou 40 áreas onde as elas poderiam ser erguidas. Apenas quatro estados (AC, MS, RN e PR) ficaram de fora, segundo o assessor da presidência da estatal, Leonam Guimarães: - A decisão alemã não muda a necessidade energética brasileira.

Mas vamos esperar a revisão do PNE para saber em que áreas faremos estudos mais aprofundados.

Tudo indica que não haverá mudanças nas diretrizes na política energética brasileira. A área técnica do governo, porém, não descarta a possibilidade de haver algum impacto da decisão no Brasil, devido ao aumento de exigências em termos de custos com segurança daqui em diante.

Em avaliação preliminar, o governo considera que a Alemanha está sendo movida por pressões políticas e que a decisão não será seguida por atores importantes, como os franceses, muito
dependentes de energia nuclear.

- O mundo não vai acabar - disse um alto funcionário.

Congresso: cautela com novas usinas

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura Filho, considera que não haverá impacto nas usinas brasileiras. Ele explicou que a tecnologia de Angra 3 é a mais utilizada no mundo, a mesma de Angra 2, e lembrou que a decisão alemã era esperada. De fato, em almoço com o presidente da Alemanha, Christian Wulff, no mês passado, Dilma foi alertada para tal. Ela teria feito um apelo a Wulff para que seja mantido o crédito de exportação conferido pelo governo alemão à empresa francesa Areva, responsável por fornecer à Eletronuclear os equipamentos de Angra 3.

Deputados e senadores dos maiores partidos consideram que as obras de Angra 3 devem continuar. Mas defendem que novas usinas devem ser analisadas no Congresso e na academia.

O vice-líder do PPS, deputado Arnaldo Jardim (SP), classificou a atitude da Alemanha de demagógica. Já o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), defendeu a criação de uma comissão especial para tratar das atuais usinas. E o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), considera que o país tem de avaliar a necessidade das usinas nucleares: - A MP 517 é para a conclusão de Angra 3, não interfere em outras usinas - disse ele, relator da MP no Senado.

O PV, que é contra programas nucleares, está colhendo assinaturas para aprovar um plebiscito sobre a instalação de novas usinas no país.
COLABORARAM Emanuel Alencar e Isabel Braga

'Não é bom para a Alemanha, não é bom para o Brasil'

CORPO A CORPO
SYLVIA KOTTING-UHL

Graça Magalhães-Ruether

BERLIM. A deputada alemã do Partido Verde diz que a decisão do governo de Berlim de fechar as usinas atômicas pode ter efeito também na exportação de tecnologia e de equipamento nuclear para o Brasil. Sylvia Kotting-Uhl prevê um longo debate parlamentar na Alemanha, em junho, sobre a politica de exportação. "A consequência poderá ser a suspensão da garantia estatal Hermes para um crédito de exportação" (C 1,4 bilhão), disse. Sem a garantia do governo alemão, o negócio deve se tornar menos atraente para a francesa Areva-Siemens (antiga Siemens- KWU), que constrói Angra 3.

O GLOBO: A senhora apresentou recentemente, no Parlamento, uma moção contra o plano do governo alemão de oferecer o seguro estatal Hermes para créditos de exportação nuclear para o Brasil. A garantia estatal foi suspensa?

SYLVIA KOTTING-UHL: Não. A minha moção foi recusada. Mas isso foi pouco antes de Fukushima. Depois disso, houve uma guinada de 180 graus na politica nuclear do governo (de Angela Merkel), que culminou com a decisão de fechar todas as usinas do país. Uma série de mudanças na politica nuclear acompanhará essa mudança. Teremos um longo debate no Parlamento em junho. De antemão, já antecipo que o governo alemão vai ter que cancelar a garantia de crédito de exportação nuclear para Angra 3, de C 1,4 bilhão porque não vai ter meios de manter a sua credibilidade fomentando uma tecnologia de alto risco em uma região de risco que é Angra. O que não é bom para a Alemanha não pode ser bom também para o Brasil.

Mas o governo alemão pode apenas suspender o seguro de crédito, porque a exportação propriamente dita é feita pela empresa Siemens-Areva...

SYLVIA: É isso mesmo. Se a empresa vai continuar ou não com o projeto no Brasil vai depender dos seus interesses econômicos. A suspensão do seguro vai com certeza dificultar o negócio. O projeto de Angra 2 foi interessante para a Siemens (o consórcio com a Areva ocorreu em 2005) porque o crédito foi garantido pelo governo alemão.

A Siemens, antigamente a maior produtora de centrais nucleares da Europa, acaba de anunciar seu plano de retirada do consórcio nuclear. O negócio da tecnologia nuclear não tem futuro na Alemanha?

SYLVIA: Sim. Já quando os verdes fizeram parte do governo federal alemão (de 1998 a 2005), tomamos a decisão de fechar as usinas. Depois, quando Merkel assumiu, resolveu prolongar o tempo de funcionamento das centrais, uma forma de aumentar a sua rentabilidade e agradar ao lobby atômico. Mas a nossa decisão de não construir novas usinas ela não mudou. Sem um mercado interno, as empresas começaram a ter problemas. A exportação é uma saída, mas a competição aí é enorme.

A senhora espera que a decisão pioneira da Alemanha influencie outros países a fazer o mesmo?

SYLVIA: Espero que sim. Mas se vamos ser um exemplo a ser seguido, vai depender de como vamos conseguir desenvolver a energia renovável. Os planos do governo são de um aumento das fontes renováveis (sobretudo energia solar e eólica), de 17% para 35%. Devemos mostrar aos outros países que a nossa indústria não sofre com a renúncia à energia atômica, mas, pelo contrário, ela vai é lucrar com o desenvolvimento de novas tecnologias. A catástrofe de Fukushima mostrou que o risco é grande em qualquer país do mundo.

O Globo, 01/06/2011, Economia, p. 23

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