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Autor: FERRAZ, Clarice
05 de Fev de 2025
Brasil, liderança climática em tempos de retrocesso
Com seus recursos naturais e expertise, país tem condições de liderar essa transição, consolidando-se como um ator altivo, soberano e competitivo
05/02/2025
Clarice Ferraz
Economista e diretora do Instituto Ilumina.
As primeiras decisões de Donald Trump à frente do governo norte-americano ilustram uma visão anacrônica e imediatista. Longe de surpreender, medidas como a saída do Acordo de Paris e a aposta na expansão da indústria de óleo e gás reforçam um padrão de negacionismo e de negligência com questões climáticas globais.
A aposta na expansão da indústria de óleo e gás ignora as evidências científicas de que a queima dos combustíveis fósseis é a principal causa do aquecimento climático. Os anos de 2023 e 2024 foram, sucessivamente, os mais quentes registrados na história. Além dos recordes, foi destacado que o aumento das temperaturas enfrenta uma nova aceleração cujos efeitos ainda são desconhecidos. Eventos extremos são cada vez mais frequentes e têm se agravado. Os devastadores incêndios em Los Angeles, que saíram de controle devido aos fortes ventos, mostram como a crise climática e os eventos extremos se retroalimentam. Os impactos econômicos e sociais são tremendos. O governo americano se equivoca e aumenta a vulnerabilidade de sua economia e de sua população.
A ambição imperialista, mesmo apoiada em sua máquina de guerra, é insustentável. Enquanto perdem protagonismo mundial face à China, os EUA se isolam e se consolidam como inimigos do futuro da humanidade. A Europa terá de encarar suas contradições de submissão à Otan e de defensora da transição energética. Já estão em vigor na União Europeia (UE) diretrizes balizando as relações comerciais de países-membros, apoiadas na necessidade de descarbonização das economias. Em outubro de 2023, entrou em vigor o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês), que estabelece um preço para o carbono emitido durante a produção de bens importados para a UE. A metodologia de cálculo das emissões incorporadas é baseada no Acordo de Paris e no pacote Fit for 55, que visa a redução das emissões de gases de efeito estufa em 55% até 2030.
Mais recentemente, após anos de negociação, entrou em vigor, em julho de 2024, a Directive on corporate sustainability due diligence (Directive 2024/1760), que visa promover o comportamento corporativo sustentável e responsável nas operações das empresas e em suas cadeias de valor globais. As empresas que se enquadram no escopo da diretriz devem identificar e abordar os impactos adversos de suas ações em direitos humanos e ambientais dentro e fora da Europa. Há uma série de novas oportunidades para empresas brasileiras e produtos produzidos no Brasil, caso o país transforme sua pauta de exportações, baseada em commodities e produtos energointensivos.
Essa nova configuração traz enormes tensões geopolíticas, mas abre espaço para profundas e necessárias transformações. O mundo precisa de estratégias que contenham o aumento das temperaturas e as mudanças climáticas.
A ameaça de crise financeira em um mundo dolarizado não é menor do que a provocada pelo colapso do equilíbrio ecológico do planeta. Ao contrário. Estamos falando de efeitos com séculos de duração que desestruturam todas as cadeias produtivas globais tais como as conhecemos. Neste novo tabuleiro, o Brasil tem a chance de exercer importante protagonismo global se liderar uma transição energética que prove ser possível alinhar sustentabilidade com progresso econômico.
Podemos trilhar um caminho alternativo. Nossos recursos renováveis e a riqueza da nossa biodiversidade são ativos incomparáveis para o desenvolvimento de estratégias de bioeconomia e de prestação de serviços ambientais. Nossos ecossistemas únicos, como a Floresta Amazônica e a Foz do Amazonas, constituem mecanismos planetários naturais de regulação de carbono, os "sumidouros de carbono" essenciais para o equilíbrio do clima. Sua preservação deve ser financiada e pode estimular novos acordos de cooperação internacional em prol de um futuro possível. Em março de 2023, foi assinado o acordo entre países-membros da ONU que prevê a criação de zonas marítimas protegidas.
Além disso, nossa matriz elétrica ainda majoritariamente descarbonizada, com sistemas de armazenamento hidrelétrico de empreendimentos já amortizados, nos coloca em posição de destaque no cenário global, caso o sistema interligado nacional volte a ser tratado de forma sistêmica e com o objetivo de garantir a segurança de abastecimento, com emissões reduzidas e tarifas mais competitivas. Eventos climáticos extremos, com custos humanos e econômicos crescentes, reforçam a urgência dessa transição. A alternativa à transição é a ruptura dos sistemas que sustentam a vida humana no planeta. Como sede da COP30 em 2025, o Brasil tem a oportunidade de reafirmar seu papel como líder de um futuro possível e positivo, rompendo com a dependência excessiva de receitas do petróleo. Insistir nesse modelo não só aumenta nossa exposição às oscilações do mercado internacional, mas também limita a construção de uma economia mais resiliente e diversificada.
A atual pauta brasileira de exportações é extemporânea, baseada em commodities e energointensiva. Poderia ser muito diferente. O Brasil pode liderar em áreas em que poucos conseguem competir. Nossa expertise em biocombustíveis e na eletromobilidade adaptada à realidade nacional - como o carro híbrido movido a etanol, mais sustentável que os veículos elétricos tradicionais - exemplifica nosso potencial para soluções mais sustentáveis. Mas precisamos de transformações estruturais, modais de transporte coletivo e planejamento urbano que reduzam distâncias e "revegetalizem" as cidades. Esses diferenciais posicionam o país como uma referência em transição justa, dentro dos limites ecológicos do planeta. Além disso, a redinamização da economia voltada para o mercado interno é outro elemento estratégico que promove a redução de nossa exposição ao dólar, nos protege de choques inflacionários e diminui a dependência das receitas de exportação na composição do PIB nacional e colabora para o equilíbrio de nosso balanço de pagamentos.
No cenário geopolítico, há espaço para o fortalecimento de alianças estratégicas baseadas em sustentabilidade. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, constituída por oito países-membros da América do Sul que possuem o bioma amazônico, é o único bloco socioambiental de nações dedicadas à Amazônia. A Europa já possui uma série de diretrizes com objetivo de combater o agravamento da crise climática. O tema é de grande sensibilidade política. O choque com as políticas da nova administração americana deverá fomentar parcerias alternativas. Há espaço para que lideranças focadas na biodiversidade e em soluções integradas alcancem resultados significativos. Esse tipo de abordagem não apenas enfrenta os desafios da crise climática, mas também fortalece a estabilidade política e social, tanto internamente quanto no cenário internacional.
A postura agressiva e unidimensional do presidente norte-americano subestima a complexidade de um mundo à beira do colapso climático e da urgência da descarbonização das atividades produtivas. As demandas sociais por sustentabilidade e os financiamentos internacionais para uma economia verde continuam a crescer. O Brasil, com seus recursos naturais e expertise, tem condições de liderar essa transição, consolidando-se como um ator altivo, soberano e competitivo.
Este é o momento de reafirmarmos nossa singularidade e nossa liderança. Biodiversidade, energia limpa e inovação são mais do que diferenciais; são os alicerces de um futuro possível em que o Brasil pode se destacar como referência global. Ao abraçar essa responsabilidade, não apenas enfrentaremos os desafios climáticos com resiliência, mas também inspiraremos outras nações a seguirem um caminho mais justo e sustentável.
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