VOLTAR

Brasil, Índia e China devem adotar metas de redução de gases de efeito estufa?

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: VEIGA, José Eli da; ROSA, Luiz Pinguelli
08 de Dez de 2007

Brasil, Índia e China devem adotar metas de redução de gases de efeito estufa?

Sim

A responsabilidade é com o futuro

José Eli da Veiga

A mudança climática continua a ser questão bem controversa, como atesta recentíssimo balanço feito com Petterson Vale, disponível em www.zeeli.pro.br. Mesmo assim, as evidências coletadas por amplíssima maioria de cientistas consolidam a tese de que o aquecimento global é o maior desafio já enfrentado pela espécie humana.
Se não houver mudança radical de atitude, a elevação da temperatura será suficiente para que bilhões de pessoas sofram de crescente falta de água; para que caiam os rendimentos agrícolas de inúmeros países pobres; para que as florestas amazônicas sejam irreversivelmente comprometidas; para que seja ainda mais turbinada a atual extinção de espécies; para que muitas geleiras desapareçam; para que o derretimento da placa de gelo da Groenlândia acelere a elevação do nível do mar; e para que o "permafrost" siberiano exale seu imenso estoque de metano (CH4), gás-estufa bem mais furioso que o dióxido de carbono (CO2).
Esse é o recado do recente sumário da síntese do quarto relatório do IPCC, enfatizado há dois dias pelo manifesto de 212 cientistas naturais (http://bali40graus.folha.blog.uol.com.br). Duas provas de que o Protocolo de Kyoto deve ser visto como o maior dos crimes culposos já cometidos contra a humanidade. Havendo risco de ruptura da resiliência de ecossistemas essenciais para a manutenção das condições da vida humana no planeta, não pode haver irresponsabilidade maior do que usar os fóruns internacionais sobre o clima para atiçar pendengas geopolíticas decorrentes de disparidades criadas ou consolidadas por dois séculos de industrialização.
A atual dependência de fontes fósseis de energia precisa ser ultrapassada da forma mais pragmática possível, o que exigirá ações simultâneas em três frentes. De um lado, o estabelecimento de sólida cooperação científica que engendre descobertas capazes de descarbonizar as matrizes energéticas. De outro, maximizar nove iniciativas de tipo paliativo: a) aumento da eficiência energética; b) redução da intensidade de carbono das economias; c) captura e seqüestro de carbono proveniente de combustíveis fósseis, sobretudo do carvão; d) uso da energia nuclear condicionado ao equacionamento de sua tripla restrição (custo, segurança e risco bélico); e) amplo uso de energias renováveis disponíveis; f) amplo uso de biocombustíveis; g) tecnologias de armazenagem de energia; h) melhores infra-estruturas de transmissão; i) desenvolvimento de novos vetores energéticos, como o hidrogênio.
Mas, para estimular a adoção dessas práticas e paralelamente acelerar pesquisas que ensejem nova revolução energética, é imprescindível uma terceira ação que encareça a emissão de carbono, que pode ser obtida por duas vias: imposto ou leilão de direitos de poluir. Mas ambas requerem tetos descendentes de emissão que não poderão esperar por 2013.
É aqui que o realismo mais entra em choque com as idiossincrasias dos corpos diplomáticos. Séria redução das emissões depende de acordo entre apenas uma dúzia de atores, cujas responsabilidades não podem ser relegadas às quase 200 nações que assinaram a Convenção do Clima e que estão em Bali para disputar o campeonato mundial de hipocrisia.
Entendimentos conseqüentes sobre sacrifícios e compensações precisam ocorrer entre a meia dúzia de adultos e a meia dúzia de adolescentes que, em conjunto, logo concentrarão quase todas as emissões de carbono do mundo, pois já respondem por 80% das emissões resultantes do consumo de combustíveis fósseis. Isto é, sem as de desmatamentos e queimadas agropecuárias. Em ordem decrescente, a primeira meia dúzia é formada por EUA, União Européia, Rússia, Japão, Canadá e Austrália. A segunda, por China, Índia, África do Sul, México, Brasil e Indonésia.
É urgente que o Itamaraty deixe de querer atribuir a responsabilidade só aos países que mais cedo foram capazes de aproveitar as vantagens da revolução industrial e passe a ser orientado pelo presidente da República para que o Brasil busque assumir a liderança da banda adolescente dessa negociação.

José Eli da Veiga, 59, é professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade). É autor de "A Emergência Socioambiental", entre outras obras.
www.zeeli.pro.br

Não

A conferência do clima em Bali e o Brasil

Luiz Pinguelli Rosa

Apesar do grande impacto político do quarto relatório divulgado neste ano pelo IPCC, não se espera muita coisa da 13ª Conferência das Partes (COP) da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Um tema recorrente em Bali será o provável não-cumprimento do Protocolo de Kyoto pelos países desenvolvidos e ex-comunistas que integram o Anexo 1 da convenção. Entre os países ricos, são exceções o Reino Unido e a Alemanha, cujas emissões foram reduzidas. Os EUA não ratificaram o protocolo. Os países ex-comunistas reduziram as emissões devido ao colapso de suas economias.
Uma boa notícia é a mudança de posição da Austrália. A má notícia é que os EUA não mudarão sua posição.
A esperança é que essa situação seja modificada após as eleições norte-americanas. Porém, o Partido Democrata estava no poder em 1997, quando os EUA fizeram jogo duro contra a proposta brasileira, em Kyoto, de criar o Fundo de Desenvolvimento Limpo com recursos dos países do Anexo 1 para financiar projetos de fontes alternativas nos países em desenvolvimento. Houve até uma carta de Clinton para FHC reclamando da posição do Brasil. O fundo foi derrotado, mas em seu lugar ficou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
Outro tema recorrente em Bali, que causa a maior polêmica no Brasil, é o novo regime da convenção após 2012.
Para alguns, os países em desenvolvimento devem ter de reduzir suas emissões, em particular os emergentes. São visados China, Índia e Brasil, pois são grandes emissores. Porém, apesar de a China, por exemplo, aumentar muito seu consumo, a energia per capita está muito abaixo da dos EUA, da União Européia ou do Japão.
Os países em desenvolvimento não têm obrigação de reduzir suas emissões porque seu consumo de energia per capita é muito baixo. Mas tendem a aumentar suas emissões com o crescimento econômico.
As classes de renda mais alta nos países em desenvolvimento têm alto consumo de energia per capita, mas a maioria da população é pobre e tem consumo de energia muito baixo. Assim, há forte desigualdade na emissão de gases de efeito estufa per capita dentro de cada país, seguindo a desigualdade na distribuição de renda.
Deve-se resolver o problema das emissões juntamente com o da exclusão social e energética. No início do atual governo, 12 milhões de brasileiros não tinham luz elétrica, daí o programa Luz para Todos.
O Brasil tem grande componente de energia renovável em sua matriz energética -hidroeletricidade, álcool, carvão vegetal e bagaço de cana.
Há o Proinfa, da Eletrobrás, para fontes de energia alternativas, e o programa do biodiesel. Mas há problemas, como a menor participação da hidroeletricidade e o aumento da termeletricidade nos leilões para a expansão da geração elétrica. Estudos da Coppe-UFRJ mostraram que há emissões de hidroelétricas, mas muito menores que as das termelétricas. As nucleares não emitem.
A maior parte das emissões brasileiras vem do desmatamento da Amazônia, apesar de ter sido reduzido nos três últimos anos. Aí está a maior possibilidade de reduzir nossas emissões. Em reunião com o presidente da República, foi sugerido pela ministra Marina Silva um plano nacional de ação sobre esse assunto, tendo o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas se incumbido de apresentar uma proposta. O presidente referiu-se ao plano na ONU e assinou há poucos dias um decreto criando uma comissão interministerial para elaborá-lo.
O primeiro ponto da proposta do fórum é "definir metas de redução da taxa de desmatamento e queimadas".
Foi também sugerida a destinação de parte da renda petrolífera de Tupi e do pré-sal a fontes alternativas e eficiência energética no país.
O Brasil poderia retomar em Bali a proposta de uma taxa internacional sobre o consumo de combustíveis fósseis para financiar fontes alternativas e eficiência energética, além de um novo mecanismo para remunerar a redução do desmatamento. A redução das emissões pelo Protocolo de Kyoto será muito pequena para conter o aquecimento global previsto pelo IPCC. É necessário um esforço mundial muito maior.

Luiz Pinguelli Rosa, 65, físico, é diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Foi presidente da Eletrobrás (2003-04).

FSP, 08/12/2007, Tendências/Debates, p. A3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.