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Brasil deve cumprir as metas da ONU ate 2015

O Globo, Economia, p.27-28
01 de Abr de 2005

Brasil deve cumprir as metas da ONU até 2015
Demétrio Weber
O Brasil deverá cumprir até 2015 a maioria das 18 metas estabelecidas mundialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o combate à pobreza, a promoção da educação e da saúde e a melhoria das condições de vida da população. Mas, ao mesmo tempo em que ainda precisa superar problemas típicos da África subsaariana, como falta de saneamento básico e altos índices de mortalidade materna, o Brasil tem pela frente o desafio de reduzir desigualdades regionais que fazem o país conviver internamente com indicadores de Primeiro e Quarto Mundos.
É o que mostra um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) feito por especialistas de cinco universidades brasileiras, e divulgado ontem no país. Além da dificuldade em melhorar as condições de saneamento da população, o Pnud antevê problemas para que o Brasil avance em áreas como habitação e proteção de florestas. Isso porque, na habitação, o número de moradias improvisadas — como favelas — cresceu de 0,4% para 0,5% do total de domicílios entre 1991 e 2000, mostrando que o país não tem feito investimentos para a baixa renda.
Isso fica evidente, ainda, no elevado número de residências sem banheiro (19,2% em 2000, contra 24,8% de uma década antes). Já na área florestal, o Pnud alerta que o Brasil tem hoje 36,85% de sua área geográfica sem qualquer cobertura vegetal, um índice considerado elevado. Os três indicadores, porém, não têm metas com números fixos, apenas de compromisso de melhora de bem-estar.
— Há otimismo no Brasil em relação a atingir as metas e é provável que o país consiga isso, nas médias. Mas o Brasil das médias é artificial. O Brasil real é o dos contrastes regionais, raciais e sociais — alertou o representante da ONU e do Pnud no Brasil, Carlos Lopes.
Nove estados alcançariam a meta de combate à pobreza
O estudo levou em conta principalmente dados da última década já divulgados pelo IBGE ou pelo Ministério da Saúde. No caso do combate à pobreza, a pesquisa foi feita por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que concluíram que é preciso elevar a velocidade de redução da pobreza. Do contrário o Brasil não atingirá a meta de diminuir pela metade o número de pobres que vivem com menos de US$ 1 por dia (no conceito PPC, que avalia o poder de compra do dólar em cada país).
O professor Eduardo Pontual Ribeiro, responsável pelo levantamento de combate à pobreza, disse que é muito provável que o Brasil atinja a meta, se considerado o impacto do Bolsa Família e o critério de renda da ONU.
Mesmo dentro dos parâmetros mais elevados de renda usados no estudo, o Rio e outros oito estados alcançariam a meta em 2015, mantido o ritmo de redução da pobreza registrado na década de 90. Os casos mais problemáticos em termos de redução da pobreza aparecem em São Paulo, Amazonas, Amapá e Distrito Federal. Nestes estados a pobreza e/ou a indigência aumentaram na década de 90. Destaca-se o caso de São Paulo. Embora seja um estado rico, com a menor proporção de pobres entre seus habitantes (menos de 15%), sua grande população o coloca como um dos três maiores contingentes de pobres do país. Se desconsiderar São Paulo no cômputo de pobreza e indigência no Brasil, a queda da pobreza no país poderia chegar a 43% e a redução da indigência passaria de 34,8% para 45,1%, bem próxima à meta de redução de 50%, ressalta o estudo.
Dentro do estado de São Paulo, o comportamento da capital e dos municípios da Região Metropolitana é extremamente preocupante. Se esses municípios fossem retirados das estimativas, o estado teria na verdade uma redução na pobreza, ao invés de um aumento. Neste sentido, a cidade de São Paulo deve ser um importante foco de atenção das políticas de combate à pobreza no país, avaliam os pesquisadores do Laboratório da UFRGS.
— O Brasil é heterogêneo e os estados também — afirmou Ribeiro, informando que, sem São Paulo, a média brasileira de redução de pobreza seria suficiente para atingir a meta até 2015.
O estudo mostrou que as deficiências de saneamento básico são um entrave para avanços sociais no Brasil. Em 2000, 93,7 milhões de pessoas (55,6%) viviam em residências sem rede coletora de esgoto. A previsão é de que, mantido o atual ritmo de investimento, 42,3% da população continuem nessa mesma situação em 2015. Mesmo no item de acesso a água potável, em que o Brasil deverá atingir a meta, a estimativa é de que 15% da população ainda vivam sem esse serviço no ano 2015.
O representante da ONU no Brasil disse que o país tem a obrigação de atingir as metas e enfrentar as desigualdades regionais, pois tomou a iniciativa de liderar um movimento mundial de erradicação da fome.

Estudo não considera programas como Bolsa Família, diz governo
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome divulgou nota ontem contestando a projeção do estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) de que o Brasil não conseguirá atingir, até 2015, a meta de redução dos índices de pobreza e miséria pela metade em relação a 1990. O ministério destaca que os dados analisados pelo Pnud desconsideram o impacto de programas de transferência de renda como o Bolsa Família, criado em 2003 e que já beneficia 6,5 milhões de famílias.
Até o fim do ano, o Bolsa Família, programa social de maior visibilidade do governo Lula, deverá pagar 8,7 milhões de benefícios, no valor de R$ 15 a R$ 95 por mês. A meta é atender a toda a população abaixo da pobreza até o fim de 2006, beneficiando 11 milhões de famílias.
A nota destaca ainda que o estudo do Pnud, realizado pelo Laboratório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), usou outra metodologia para estabelecer o número de pobres brasileiros. Pelos critérios do Pnud, que orientaram a fixação da meta de erradicação da pobreza em 2015, seriam carentes todos aqueles que vivem com menos de US$ 1 por dia, considerado aí o chamado dólar PPC (Poder de Paridade de Compra). Esse dólar é calculado de modo a ajustar a moeda americana pela quantidade de bens e serviços que ela permite comprar em cada país. A idéia é fazer uma comparação mais precisa entre os países.
A nota diz que o estudo do Pnud faz projeções com base numa taxa média de redução da proporção de pobres no período 1991-2000, que foi de apenas 2,22%. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o impacto do Bolsa Família e de outras políticas socais do governo acelerou a redução da pobreza, o que precisaria ser levado em conta.
O estudo do Pnud mostrou que o Brasil tem avançado no acesso da população negra à escola. Na década de 1990, a proporção de crianças brancas na faixa de 7 a 14 anos matriculadas na escola subiu de 86,5% para 96,2% (entre 1991 e 2000). No casa das crianças negras, o percentual subiu de 73,4% para 93,1% no mesmo período. Em termos de analfabetismo, o percentual de negros entre 15 e 24 anos que não sabiam ler nem escrever caiu de 17% para 7,6% entre 1991 e 2000. Entre a população branca, a redução foi de 5,6% para 2,8% na mesma faixa etária.
O estudo enfatizou, no entanto, que o progresso nas matrículas foi acompanhado de uma perda de qualidade no ensino. Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), exame nacional realizado pelo Ministério da Educação (MEC), têm mostrado sistematicamente que a maioria dos alunos termina a quarta série incapaz de ler e escrever textos curtos nem fazer as quatro operações matemáticas. O estudo mostra que, em 2001, apenas 45,5% dos alunos matriculados em escolas pública tinham acesso a bibliotecas no estabelecimento de ensino. Na rede particular, esse percentual era de 86,6%.

Queda de fome e pobreza não está garantida
Flávia Oliveira
O primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio corre o risco de não ser cumprido pelo Brasil, se o país não acelerar o ritmo de redução da pobreza e da fome em seu território nos próximos dez anos. No pacto firmado com a ONU, os países-membros se comprometeram a diminuir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a um dólar por dia e o percentual de habitantes que passam fome. No Estudo temático sobre pobreza e fome” — elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a pedido do Pnud — os pesquisadores afirmam que a velocidade de redução de pobreza é atualmente insuficiente para o país alcançar a meta 1”.
De 1991 a 2000, a proporção de pobres (pessoas que vivem com menos de meio salário-mínimo por mês) caiu de 40,08% para 32,75%. Já a extrema pobreza (renda mensal inferior a um quarto do salário-mínimo) caiu de 20,24% para 16,31% da população. Segundo o estudo, mantido mesmo ritmo de redução, o nível de pobreza cairia 37,6% — e não os 50% da meta — até 2015, enquanto os de indigência recuariam 34,8%.
Rio, Minas, Espírito Santo e Sul apresentaram avanços
O documento, contudo, ressalta que estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Rondônia, Mato Grosso e Goiás, além de toda a Região Sul, conseguiriam reduzir a pobreza à metade até 2015. O provável não cumprimento do primeiro objetivo do milênio está relacionado ao mau desempenho de estados como São Paulo (o maior e com a maior quantidade de pobres em números absolutos), Amazonas, Amapá e Distrito Federal.
Se desconsiderar São Paulo, a queda da pobreza no país poderia chegar a 43%, e a redução da indigência passaria de 34,8% para 45,1%, bem próxima à meta de redução de 50%”, ressalta o estudo. Em São Paulo, afirma o relatório, a pobreza aumentou nos anos 90, principalmente em razão dos indicadores da capital e da Região Metropolitana.
No que diz respeito à pobreza extrema, o relatório chama a atenção para os avanços em estados do Nordeste, como Paraíba, Piauí, Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará. Todos eles conseguirão cumprir a meta de redução de indigência se repetirem nos próximos anos os níveis dos anos 90.
O economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), diz que a diferença de desempenho entre São Paulo e o resto do país está relacionado ao modelo de desenvolvimento que ergueu o maior estado do país, mas entrou em decadência na década passada, com as reformas estruturais da economia. Prova disso, é que o próprio interior paulista, para onde migrou boa parte dos negócios, apresenta mais vigor do que a capital e seu entorno.
— O Brasil tem transitado entre um modelo de desenvolvimento velho e um novo, ainda em gestação. As dores são mais agudas onde o modelo antigo era mais marcante e São Paulo é o melhor exemplo. Não é à toa que há maior avanço em estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará, áreas onde o desenvolvimento tem se baseado em redes de micro e pequenas empresas e políticas públicas descentralizadas — afirma Urani.
Mortalidade infantil caiu, mas há riscos para a meta
Sonia Rocha, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista nos tema pobreza e indigência, acredita que São Paulo tem mais dificuldades de melhorar seus indicadores porque, mesmo com um desempenho econômico menos vigoroso, continua atraindo migrantes, especialmente do Nordeste. Essas pessoas, que talvez nem fossem consideradas pobres em seus estados de origem, passam dificuldades financeiras quando chegam a São Paulo, onde o custo de vida é mais alto:
— A ascensão social de pobre para não-pobre ocorre em quatro ou cinco anos. Não é tão rápida quanto no passado, mas ainda ocorre. E como a oferta de serviços públicos e as oportunidades de trabalho são maiores, as pessoas insistem em viver lá. Já o Rio não tem esse fenômeno da migração. Por isso, não melhora muito, mas também não piora.
Para ela, reduções expressivas da pobreza e da miséria no Brasil só vão ocorrer com a redistribuição significativa de riqueza. Os programas de transferência de renda estão aumentando, mas ainda são muito marginais, diz:
— Para dar um novo salto, precisaríamos de mecanismos mais robustos. Mas não sabemos transferir renda, e os programas existentes são de difícil controle e necessitam de uma sintonia fina entre os governos federal e locais, que não têm tradição de bons serviços.
A coleção de estudos também dedica um volume à redução da mortalidade infantil. A meta é diminuir em dois terços a morte de crianças com menos de cinco anos até 2015. O relatório, a cargo da Universidade Federal do Pará, afirma que a maioria dos estados reduziu significativamente a taxa de mortalidade infantil. De 1990 a 2000, a redução média no país foi de 41,94%, com o Nordeste caindo 42,13%.
Apesar desse avanço, não se pode afirmar que o país conseguirá atingir a meta 4. Seja porque não existem dados suficientes ou ainda porque o país precisaria reduzí-la para 16,5 por mil nascidos vivos até 2015, o que não é compatível com a tendência de queda verificada de 1990 a 2000”, diz o texto. Em 2000, a taxa de mortalidade infantil estava em 28,7 por mil.
O relatório reconhece, no entanto, os avanços. Especialmente no Nordeste, onde as políticas públicas de combate à desnutrição e à mortalidade infantil começam a se espalhar. Em Tejuçuoca, sertão do Ceará, a prefeitura criou um centro de recuperação que reduziu a desnutrição de crianças de até 1 ano de 10% para 2,16% de 1998 a 2004. No ano passado, seis crianças morreram. Em 2005, não foi registrada nenhuma morte.

RJ, MG e RS celebram resultado da pesquisa
Flávia Oliveira, Sueli Cotta e Chico Oliveira
A governadora Rosinha Garotinho comemorou os resultados do Rio de Janeiro no relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O estado é citado, com Rio Grande do Sul e Minas Gerais, como alguns dos que estão contribuindo para o cumprimento da meta de redução da pobreza e da fome à metade até 2015.
— Nossa intenção é fazer todo o possível para alcançar os objetivos com essas organizações — disse a governadora ao GLOBO, no fim da tarde de ontem.
O governo do estado contabiliza 1,8 milhão de fluminenses que se beneficiam com alguma política social oficial. Ao mesmo tempo, as decisões de investimentos de grandes empresas que estão se instalando ou ampliando seus negócios no Rio, completa Rosinha, vão estimular a geração de emprego e renda, com reflexo nas condições de vida da população.
Em Minas Gerais, apesar da pobreza de regiões como o Vale do Jequitinhonha, foi possível melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano do estado. Algumas ações aparentemente simples como a entrega de mata-burros, bueiros e vigas metálicas para construção de pontes, têm mudado a vida das pessoas e acabam tendo uma repercussão maior para as comunidades do que obras de maior vulto. O Vale do Jequintinhonha também tem recebido recursos para programas de combate a mortalidade infantil, e os investimentos na área de saúde previstos no Orçamento do estado para este ano devem chegar a R$1,8 bilhão.
No RS, agricultura familiare investimento privado
No Rio Grande do Sul, a redução da pobreza, segundo o governador Germano Rigotto, é explicada pelo fato de o estado ter os melhores indicadores sociais do país quando se considera mortalidade infantil, analfabetismo e os próprios níveis de educação. — O Rio Grande do Sul tem boa parte de sua agricultura baseada na agricultura familiar. Além disso, houve uma série de ações tomada ao longo dos anos pelo poder público e também pela iniciativa privada, que reforçaram esses índices.

SP: Pnud projetou cenário dos anos 90
Aguinaldo Novo
SÃO PAULO. A secretária de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, contestou ontem os dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) de que a probreza no estado vai aumentar 34% até 2015, puxando para baixo a média geral do país. Segundo ela, ao adotar como parâmetro a década de 90 — marcada por sucessivas crises econômicas — o trabalho deixou de registrar os efeitos de programas recentes para redução da desigualdade.
— O estudo, no mínimo, partiu de uma metodologia grosseira. É impossível considerar um cenário estático dos anos 90 e projetá-lo até 2015. Há todo um esforço, um conjunto de políticas, e os indicadores mais recentes mostram progressos — afirmou a secretária estadual, ressaltando que não havia lido todo o trabalho, composto por cinco relatórios diferentes.
O Estudo Temático sobre Pobreza e Fome foi produzido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e faz parte de um trabalho do Pnud feito por especialistas de cinco universidades brasileiras.
Na avaliação dos técnicos, ao contrário de São Paulo, estados como Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul teriam condições de reduzir seus níveis de pobreza em até 60%. Mesmo dentro dos parâmetros mais elevados de renda utilizados no estudo do Pnud, nove estados, incluindo o Rio de Janeiro, alcançariam a meta em 2015.
Maria Helena disse que, por seu peso na economia, o estado de São Paulo foi mais afetado do que outras regiões pelos sucessivos choques na década de 90. Mesmo assim, continuou a apresentar proporcionalmente os melhores indicadores sociais do país.
— E isso quem fala não sou eu, mas o próprio Pnud, por meio do seu Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil — afirmou a secretária.
Por esse Atlas, 5,9% da população de São Paulo estavam em condição de indigência (com ganho diário inferior a US$ 1) em 2000. Já o número de pobres (que sobrevivem com US$ 1 por dia) era de 14,3% da população total.
— É menos do que o número registrado pelo Pnud no Reino Unido em 2002 (de 17%).
Maria Helena citou uma série de programas sociais e de distribuição de renda para mostrar que o governo estadual tem se empenhado na redução da desigualdade. Segundo ela, 750 mil famílias recebem todos os dias um litro de leite por meio do programa Viva Leite.
Cerca de oito mil jovens entre 15 e 24 anos já passaram pelo Ação Jovem, que provê ajuda financeira para a conclusão de cursos de supletivo e capacitação profissional. A meta é estender o programa para 25 mil pessoas neste ano.

O Globo, 01/04/2005, p. 27-28

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