VOLTAR

Brasil desperdica a maior fonte de energia, o Sol

OESP, Geral, p.A12
04 de Jul de 2004

Brasil desperdiça a maior fonte de energia, o Sol
Limpa e renovável, ela é praticamente inaproveitada no País, onde 12 milhões vivem sem eletricidade
EVANILDO DA SILVEIRA
Todos os dias o Sol envia para a Terra 10 mil vezes mais energia do que a humanidade consome. Embora venha crescendo a um ritmo de 40% ao ano, o aproveitamento desse enorme potencial ainda é ínfimo. Hoje a potência dos painéis fotovoltaicos, que transformam a radiação solar em energia elétrica, produzidos no mundo num ano chega a 750 megawatts (MW). Muito pouco se comparada com a das usinas hidrelétricas. Só a de Itaipu, por exemplo, tem uma potência quase 15 vezes maior - 11.000 MW.
O Brasil, apesar de ter a maior parte de seu extenso território numa região em que o Sol brilha quase o ano inteiro, ainda aproveita muito mal sua luz como fonte de energia. "Até hoje não há um plano nacional do desenvolvimento do setor", critica Adriano Moehlecke, coordenador do Centro Brasileiro para o Desenvolvimento da Energia Solar Fotovoltaica CB-Solar, instalado em maio, na PUC do Rio Grande do Sul, pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos.
Para debater essa questão, o CB-Solar está organizando o 1.o Simpósio Nacional de Energia Solar Fotovoltaica, que será realizado em Porto Alegre, do dia 19 ao 21. "Um dos objetivos desse simpósio é justamente estabelecer a Rede de Pesquisa em Energia Solar Fotovoltaica", explica Moehlecke. "Além de contribuir com o governo federal para definir e implementar um programa nacional para o desenvolvimento da tecnologia solar fotovoltaica."
Central nuclear - O Sol pode ser comparado a uma gigantesca central nuclear - dentro da qual caberia mais de 1 milhão de Terras -, que transforma hidrogênio em hélio, liberando uma quantidade colossal de energia, em forma de radiação eletromagnética. Só um bilionésimo dela chega ao nosso planeta, no entanto, oito minutos depois de ser liberada da estrela. É o suficiente, entretanto, para manter a vida da Terra.
Mais do que isso. Em termos de energia, pode-se dizer que o Sol é a fonte primária de todas as outras. É por causa dele que ocorre a evaporação, origem do ciclo das águas, que forma os rios, cujo represamento serve para gerar eletricidade. A radiação solar também induz a circulação atmosférica em larga escala, causando os ventos. Petróleo, carvão e gás natural foram gerados a partir de resíduos de plantas e animais que, originalmente, obtiveram a energia necessária ao seu desenvolvimento, do Sol.
Como essas fontes podem causar problemas ambientais ou mais cedo ou mais tarde acabar, o homem vem tentando criar e aperfeiçoar formas de aproveitar a energia do Sol de forma direta. "Hoje, há duas maneiras de fazer isso", explica Hamilton Moss, coordenador do Centro de Referência em Energia Solar e Eólica Sérgio de Salvo Brito (Cresesb), mantido pelo Ministério de Minas e Energia. "Uma são os coletores solares térmicos, que servem para aquecer água, substituindo assim os chuveiros elétricos."
Eles funcionam com base na conversão térmica, que é a transformação da luz solar em calor. "O princípio dessa conversão é a absorção da radiação por um corpo opaco", explica Arno Krenzinger, do Laboratório de Energia Solar, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Isto é, qualquer objeto opaco esquenta ao receber luz do Sol."
Serpentina - Um coletor solar não passa de uma caixa baixa, hermeticamente fechada, com uma "tampa" de vidro. Dentro dela há uma chapa de metal pintada de preto, cor que melhor absorve a radiação solar, e uma serpentina metálica soldada a ela. Ao circular por essa serpentina, a água é aquecida, antes de ir para um reservatório térmico, que mantém sua temperatura até a hora de ser usada.
O preço dos coletores pode parecer caro à primeira vista, se comparado com o de sistemas convencionais. Cada metro quadrado pode custar entre R$ 300 e R$ 500 e a instalação de aquecimento de água para uma casa, incluindo estruturas e reservatório, de R$ 500 a R$ 2.000 por morador.
O diretor do Departamento Nacional de Aquecimento Solar da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), Carlos Faria, diz, entretanto, que não se pode esquecer que do ponto de vista econômico o aquecimento solar é a única tecnologia que se paga com a própria economia que gera. "O retorno de investimento de um aquecedor solar para uma residência é de três a cinco anos", diz. "No setor terciário (hotéis, motéis, escolas, clubes e academias), o retorno é ainda mais rápido, muitas vezes inferior a dois anos."
Cara - A outra forma de aproveitar a energia solar é complexa e cara. Ela se baseia no efeito fotovoltaico, descoberto pelo físico francês Edmond Becquerel (1820-1891), em 1839. "Trata-se do aparecimento de uma diferença de potencial nos extremos de uma estrutura de material semicondutor, produzida pela absorção da luz", explica Moss. "Isso causa uma corrente elétrica. Hoje, as células fotoelétricas são feitas de silício, o mesmo material semicondutor usados nos chips de computador." A energia gerada por esses painéis pode ser usada na hora ou armazenada em baterias, para ser utilizada à noite ou em dias sem sol.
A vantagem dessa energia, que começou a ter suas primeiras aplicações nas viagens espaciais e em satélites a partir dos anos 60, é que ela é renovável e limpa, não causando nenhum tipo de poluição. Além disso, o potencial de produção é enorme. "Só para se ter uma idéia, se cobríssemos o Lago de Itaipu com painéis fotovoltaicos, poderíamos gerar o equivalente ao triplo da energia produzida por aquela que é a maior usina hidrelétrica do planeta", calcula Ricardo Rüther, do Laboratório de Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O problema, lembra Moss, seria como armazenar essa energia. Outra obstáculo é o alto custo das células fotovoltaicas. "Hoje, o custo de 1 quilowatt (kW) de energia fotovoltaica instalado pode ser até oito vezes maior do que o de energia convencional", explica Hamilton Moss. "O primeiro pode custar até US$ 8 mil ante US$ 1 mil do segundo. Por isso, hoje a energia fotovoltaica é mais indicada para comunidades isoladas e distantes das rede de transmissão.
Essas pessoas estão entre os 12 milhões de brasileiros sem acesso à eletricidade."

Programa leva luz a local isolado de Paraty
Na 2.ª fase, pescadores devem criar cooperativa e tirar proveito econômico da iniciativa
PARATY - Aos 66 anos, a viúva Ilma Rosa Eslebão só veio a conhecer o conforto de ter luz elétrica em casa há pouco mais de um ano. Antes, sua pequena casa, encarapitada num costão rochoso, na Ponta da Joatinga, uma comunidade isolada de pescadores de Paraty (RJ), a duas horas de barco da cidade - único meio de se chegar até lá -, era iluminada apenas por velas e lamparinas. "Antes a gente gastava cerca de R$ 70 por mês com velas e querosene", diz. "Agora é de de graça e ainda podemos ter TV ou som."
Ilma é uma das cerca de mil pessoas de 136 famílias, de seis comunidades isoladas de Paraty, beneficiadas pelo Projeto Paraty, que instalou dois painéis solares, importados do Japão, em cada casa. O programa, no qual foi investido R$ 1 milhão, é uma iniciativa do governo do Estado do Rio e da empresa El Paso Energy do Brasil e foi implantado pela Atech Tecnologias Críticas, a mesma empresa que instalou os equipamentos do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). No ano passado, o projeto recebeu o prêmio Marketing Best - Responsabilidade Social, da Fundação Getúlio Vargas.
Além de eletricidade nas casas, as comunidades de Ponta da Joatinga, Pouso da Cajaíba, Saco da Sardinha e das Praias de Calhaus e Ipanema receberam ainda 30 postes de iluminação. Duas delas - Pouso da Cajaíba e Calhaus - ganharam ainda, no início deste ano, centrais de resfriamento para o pescado, cada uma com 20 metros quadrados equipados com uma geladeira com capacidade para 460 litros e um freezer para 550.
O sistema de refrigeração - que opera com baixo consumo e é acionado por um mecanismo híbrido à base de energia solar e eólica - está gerando renda e mudando a vida das comunidades. Um exemplo ocorreu com safra de lula, em maio e junho. "Antes das centrais, a gente vendia a lula a R$ 1,50 ou R$ 2,00 o quilo", conta Vágner Luís do Nascimento, de 28 anos, pescador que administra a central do Pouso da Cajaíba. "Agora, podemos limpar, embalar e congelar o pescado para vender por um preço melhor. Estamos conseguindo até R$ 15 pelo quilo de lula."
Vágner está também à frente de uma segunda fase do projeto, que está sendo incentivada pela Atech. A idéia é criar uma cooperativa, para gerar renda e dar sustentabilidade ao programa. "Contratamos uma consultoria para não deixar o projeto morrer", diz o presidente da Atech, Tarcísio Takashi Muta.
"Não adianta levar energia apenas para as pessoas verem TV e ter iluminação." O que querem é fortalecer o poder empreendedor nas comunidades, para que elas transformem as centrais em negócio que gere renda.
Para Olímpio Eslebão, de 76 anos, independentemente de vir a ganhar dinheiro ou não, a chegada da energia elétrica na Ponta da Joatinga "melhorou 100% a vida da comunidade". Ele, que já morou em Santos e voltou ao local de nascimento há 35 anos, sabe o valor da luz elétrica. "A vida fica mais fácil com eletricidade", diz. "Sem falar que agora a gente pode ver até a Copa do Mundo, que antes tinha de ouvir pelo radinho." (E. S.)

OESP, 04/07/2004, p. A12

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.