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Brasil chega tímido à Convenção do Clima da ONU, dizem especialistas

O Globo, Sociedade, p. 18
03 de Dez de 2018

Ameaça de se retirar de acordo global faz país perder força nos debates e pode levar a retaliações comerciais

Helena Borges e Renato Grandelle

As negociações da 24ª Conferência do Clima (COP24) começam hoje em Katowice (Polônia) e a delegação brasileira chega ao evento sob constrangimento, dizem especialistas em políticas públicas de meio ambiente ouvidos pelo GLOBO. O mais significativo encontro mundial sobre o tema nos últimos três anos, a COP24 terá duração de duas semanas, até o próximo dia 14, e contará com a presença de dezenas de milhares de participantes de 190 países. Seu principal desafio será o de encontrar uma maneira de implementar as diretrizes do Acordo de Paris, assinado em 2015, que tem como um dos objetivos centrais limitar o aquecimento global.
Mas estabelecer um consenso sobre os próximos passos do acordo climático global e a implantação e regras de fundos bilionários prometidos por nações mais ricas às pobres também estarão no centro das atenções do evento.

O Brasil chega ao evento, dizem observadores do tema, em posição delicada. Nos últimos dez dias, o governo brasileiro anunciou o maior aumento no desmatamento da Amazônia da última década; o presidente eleito Jair Bolsonaro cancelou a realização da próxima convenção no Brasil e já deu a entender que pretende retirar o país do Acordo de Paris.

Anunciado como futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo anunciou que combaterá políticas de governo que compactuem com o "alarmismo climático". É a ele que os delegados brasileiros, funcionários técnicos do Itamaraty que representam os interesses nacionais na conferência, responderão a partir do ano que vem.

- A convenção do clima nasceu no Brasil (na Rio 92). Fomos o único país em desenvolvimento a estabelecer uma meta de redução de emissões de gases estufa. Agora, somos uma interrogação - lamenta Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. Ele acredita que o "Brasil será assunto na COP", mas não por um bom motivo.

Mas, para o especialista, o novo governo perceberá que não bastará seguir o exemplo do presidente Donald Trump, que anunciou no ano passado a retirada dos EUA do Acordo de Paris.

- Não temos o poder de barganha americano. Sofreremos consequências econômicas mais graves. Muitos países podem evitar acordos comerciais com o Brasil se não participarmos de um tratado climático.

Já o cientista e professor do Instituto de Estudos Avançados da USP Carlos Nobre considera que o país não pode "arredar pé" de seus compromissos, sob pena de perder sua credibilidade internacional. No Brasil, reduzir a emissão de poluentes significa combater o desmatamento - que, no entanto, aumentou 14% entre 2017 e 2018.

- Houve uma enorme queda na fiscalização, o que deu a impressão de impunidade para o setor mais conservador do agronegócio, o maior responsável pelo desmatamento - diz Nobre, que é professor do Instituto de Estudos Avançados da USP. - O Brasil precisa participar do esforço para evitar que a temperatura global aumente mais de 1,5 grau Celsius, o que, permanecendo no ritmo atual de emissões, pode acontecer em 2031.

Questionado se os acontecimentos recentes afetam o desempenho da delegação brasileira, o Itamaraty não respondeu.

MAIS RISCOS
A COP24 se inicia em meio a um quadro de fortalecimento político dos chamados "negacionistas", que refutam o aquecimento global. Seu principal expoente hoje é Trump. O governo polonês, que está sediando o evento este ano, faz coro à crença da Casa Branca: diminuiu os investimentos em energias renováveis e aumentou em combustíveis fósseis.

O Acordo de Paris é um conjunto de metas estabelecidas individualmente pelos próprios países participantes. Cada nação signatária anuncia o que está disposta a fazer para diminuir as emissões de gases poluentes. O objetivo é que as metas, somadas, reduzam a velocidade do aquecimento do planeta. Em 2020, as propostas devem sair do papel, de acordo com os compromissos firmados pelas partes. O coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini, avalia que a essa altura das negociações, o debate deveria estar mais elaborado.

- De um lado há cada vez mais cientistas dando alertas, além do próprio planeta, com tsunamis e incêndios de proporções inéditas. De outro estão dois dos dez maiores emissores, Brasil e EUA, com governantes (Trump e Bolsonaro) que vão para o caminho contrário. Em vez de um debate fortalecido, teremos mais riscos.

Menos pessimista, a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade, Ana Toni, lembra que o aquecimento global é fato cientificamente comprovado e que sua negação é uma "tática política".

- Mexe-se com interesses profundos, por isso a reação. Minha surpresa é que tenha demorado tanto.

Sem os EUA, a expectativa é a de que a China assuma maior protagonismo nas negociações internacionais, mas o gigante asiático precisa lidar com um paradoxo. É simultaneamente o maior investidor do mundo em energias renováveis e o maior poluidor do planeta.

O Globo, 03/12/2018, Sociedade, p. 18

https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-chega-timido-convencao-do-cli…

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