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Brasil: avanços na conservação privada rumo ao retrocesso

http://www.oecoamazonia.com
Autor: Andreia Fanzeres, Fabio Stephans e Maria Clara Valencia
11 de Mar de 2011

O Brasil detém a maior extensão da Amazônia, mas ainda não sabe dizer a quem 53% dessa região pertence, o que afeta diretamente o êxito de políticas ambientais e socioeconômicas. De acordo com um estudo de 2009 do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), dos 4,91 milhões de km2 da Amazônia Legal brasileira, cerca de 23% são supostamente propriedades privadas, mas sem qualquer validação pelo cadastro administrado pelo governo. Há ainda 9% de posses, 21% de áreas públicas, mas que podem estar sendo ocupadas. Apenas 4% das áreas têm alguma validação no cadastro de imóveis rurais.

Essa insegurança fundiária atrapalha e muito as intenções do país de gerir a natureza em terras privadas. Este é um dos motivos que explicam por que tem sido tão difícil assegurar o cumprimento do Código Florestal Brasileiro, estabelecido em 1965 como vanguarda na legislação ambiental mundial ao determinar áreas de proteção permanente (APP), cujos usos são restritos, e percentuais de proteção da floresta de acordo com o bioma em que a propriedade se localiza (posteriormente atualizados para: 80% no bioma amazônico, 35% em áreas de Cerrado dentro da região amazônica e 20% nas demais áreas do Brasil).

Mais de 80 milhões de hectares no Brasil estão em desacordo com o Código Florestal porque sua implementação não tem sido prioridade. Sobram áreas abandonadas, especialmente na Amazônia, que poderiam ser aproveitadas economicamente sem a necessidade de novos desmatamentos. Quando convém, governadores e ministros da área de agricultura no Brasil costumam lembrar deste fato para dizer que a produção agrícola no país é sustentável. Mas, no Brasil, geralmente quando uma lei não é respeitada, opta-se por alterá-la.

Atualmente, legislação ambiental brasileira que define o modo como as áreas privadas devem ser conservadas está prestes a sofrer mudanças baseadas em pleitos ruralistas. As alterações propostas para o Código Florestal Brasileiro, de modo geral, reduzem as exigências de proteção da vegetação próxima a cursos d'água, nascentes, áreas úmidas. Também anistiam pessoas que cometeram crimes ambientais até 22 de julho de 2008. As áreas de preservação permanente (APPs) seriam reduzidas de 30 para 15 metros nas margens de pequenos riachos (de até 5 metros de largura), quando há pesquisas mostrando que até a proteção vigente é insuficiente e precisaria aumentar para 200 metros no mínimo, em vez de diminuir. A medida atingiria em cheia as áreas de nascentes mais importantes para a hidrografia.

Parlamentares ruralistas não estão levando em conta que o incentivo a novos desmatamentos em áreas frágeis, como encostas e beira de rios, vai aumentar as chances de grandes inundações contra milhares de pessoas, sem mencionar as perdas para a biodiversidade e os serviços ambientais essenciais que as matas prestam ao país e ao planeta.

Bolívia: Conservação privada só no papel

A Bolívia é um país com mais de um milhão de quilômetros quadrados de extensão, dos quais cerca de 70% estão localizados nas terras baixas (abaixo de 500 metros), sendo que a bacia amazônica abrange quase 430 mil quilômetros quadrados. Com extensões tão grandes de florestas e sua biodiversidade, o estado boliviano estabeleceu áreas protegidas que abrangem 17% do território nacional. Porém, este percentual não foi suficiente para proteger todas as florestas e ecossistemas presentes na Bolívia.

Para complementar o sistema de áreas protegidas, a Bolívia desenvolveu um programa de fomento à conservação em territórios ou propriedades privadas. Lamentavelmente, na prática, a Amazônia boliviana ainda não é objeto de maiores esforços para sua conservação, ao existir no país incipiente desenvolvimento de políticas, ferramentas e incentivos que motivem e promovam a ampliação de áreas protegidas privadas.

Atualmente no país existem dois tipos diferentes de figuras para a conservação privada voluntária, como indica Jorge Choquehuanca, especialista em áreas protegidas, em seu texto "Conservação privada na Bolívia", publicado na revista Redesma Virtual. São eles: o Regulamento Geral de Áreas Protegidas da Lei de Meio Ambiente, que institui a categoria de Área Protegida Privada (APP), pertencente ao Sistema Nacional de Áreas Protegidas (SNAP). Porém, apesar desta declaratória, não existe um regulamento de aplicação que regule a criação e funcionamento das APPs. O outro instrumento de proteção é a Lei Florestal, que proporciona a base legal para a conservação em territórios privados. Estabelece como categorias de proteção florestas em módulos fiscais, servidões ecológicas em terras privadas, reservas ecológicas em concessões florestais e Reservas Privadas de Patrimônio Natural (RPPN) - do mesmo modo como existe no Brasil. Criando uma RPPN, o proprietário se beneficia com a isenção do pagamento de impostos das superfícies dedicadas à conservação.

A partir desta base legal, na Bolívia é possível definir duas formas de conservação privada: Áreas protegidas privadas, aquelas áreas protegidas manejadas e financiadas voluntariamente por privados. Elas não estão regulamentadas e devem ser declaradas por um prazo determinado ou ser perpétuas. Por sua vez, as reservas privadas de patrimônio natural, são as terras localizadas dentro da totalidade ou parte de uma propriedade privada. São estabelecidas pelo proprietário por iniciativa voluntária para conservar os valores ecológicos ou belezas cênicas ou paisagísticas destacados em seu terreno, mas não devem superar 5 mil hectares cada. O estabelecimento de uma área como RPPN deve ser de pelo menos 10 anos, ou ser perpétuo.

Segundo a pesquisa "Conservação privada e comunitária nos países amazônicos" realizada por Diego Coll e Bruno Monteferri, atualmente existem 45 RPPNs na Bolívia, conservando cerca de 74 mil hectares.

Também o INRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) reconhece a conservação da biodiversidade como função econômica social, justificativa prioritária na Bolívia para assegurar a posse de terras. Desta forma, o estabelecimento de uma RPPN oficializa a decisão voluntária de dedicar uma superfície de uma propriedade à conservação.

Colômbia: cada um por si na conservação de pequena escala

Na Colômbia, 80,7% do território amazônico estão protegidos através de diferentes figuras, como os territórios indígenas, áreas protegidas, parques naturais e reservas florestais. Por isso, pouco se discute sobre a necessidade de conservação em áreas privadas. No entanto, alguns exemplos de organizações civis merecem ser lembrados.

Natalia Hernández, coordenadora do Amazonas 2030, uma iniciativa recente que realizará monitoramento de todas as políticas sobre a Amazônia no país, explica que os terrenos que ficaram fora desses 80,7% estão perto de áreas urbanas, onde existem muitos sítios. "Ali foram criadas algumas reservas da sociedade civil para proteger do avanço do zoneamento urbano", diz. Um exemplo disso são as sete reservas que existem perto de Letícia (capital do departamento de Amazonas, na fronteira com o Brasil), que pretendem proteger a selva do crescimento descontrolado.

Ao redor de Letícia existem aproximadamente 200 hectares que fazem parte das reservas. E embora esta área seja ínfima comparada aos 477.274 km2 da Amazônia colombiana, para Hernández, é importante "porque nós, como particulares, devemos começar a proteger e dar exemplo. Se em nossas pequenas terras não conservamos, não fazemos nada", enfatiza. Oscar Tamayo, coordenador do Nodo Amazonas Enraizados, que reúne as reservas da região, diz que o importante não é a quantidade de terra, mas sim os processos sociais atrás delas, porque "uma maneira de conservar é dar o exemplo". Ele critica, porém, a falta de apoio estatal que existe para estes projetos, pois cada um faz o que pode com sua capacidade de gestão.

Carlos Castanho, vice-ministro de Meio Ambiente, reconhece que faltam incentivos que existem para fortalecer as reservas da sociedade civil, uma vez que os estímulos de hoje não são suficientemente atrativos. Isso é algo no que, diz Castanho, o governo deve trabalhar. Também afirma que "embora boa parte das florestas do país faça parte do patrimônio da nação, existe uma grande quantidade de pessoas assentadas ilegalmente nestes terrenos e isso gera uma série de conflitos sobre o reconhecimento ou não destes assentamentos".

Para ele, este governo está tendo um notável avanço, como talvez nunca antes existiu, como com a lei de terras que se está sendo estruturada e será apresentada agora em 2011 ao Congresso. A lei incorpora, junto ao Ministério de Agricultura e ao de Meio Ambiente, todo um estudo de como se deve estabelecer a operação das reservas em alguns casos particulares, para reconhecer essas propriedades, existentes há muito tempo, mas com uma função ecológica.

"Estão definindo uma série de categorias da unidade familiar mínima e básica, mas com função ecológica. Essas unidades familiares servirão à conservação e ao reflorestamento, marcando um ponto fundamental na forma de como fazer propriedade, e cumprindo com o papel e a função ecológica que devem ter certas áreas estratégicas da nação", explica.

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