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Brasil arcaico

O Globo, Opiniao, p.7
Autor: VENTURA, Zuenir
16 de Fev de 2005

Brasil arcaico
Zuenir Ventura

Não é de hoje que o Pará parece ter-se especializado em produzir notícias ruins. É uma espécie de fornecedor do que há de pior no Brasil arcaico. É onde mais se mata e se desmata, mais se explora o trabalho escravo e onde os grileiros mais desafiam a lei e a ordem. Não é preciso lembrar a chacina de Eldorado dos Carajás, nem os assassinatos de padres, sindicalistas e trabalhadores rurais.

Bastam os acontecimentos recentes. Primeiro, foi aquele protesto dos madeireiros, que durante dez dias, bem no estilo dos traficantes cariocas, queimaram ônibus, destruíram pontes, bloquearam rodovias, interditaram rios e mantiveram isolada a região de Novo Progresso. Com violência, impuseram ao governo o acordo que queriam.

Depois, foi a agressão ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, cometida por Ronaldo Maiorana, diretor proprietário do jornal O Liberal”. Bem no estilo dos coronéis” de antigamente, ele e dois seguranças esmurraram o jornalista num restaurante em Belém. Maiorana não gostou de um artigo que Flávio escreveu e, dono da maior rede de comunicação local, achou que a melhor maneira de responder à crítica, saída num jornal alternativo, era agredindo fisicamente o autor.

Agora, esse inominável assassinato da freira Dorothy Stang, uma missionária pacifista que militava em defesa dos sem-terra e da preservação da Amazônia. São três acontecimentos independentes, mas que têm em comum o recurso à violência como solução de divergências. A execução de Stang revolta pelo ato em si, mas também pelo fato de que poderia ter sido evitada, ou pelo menos dificultada.

Como no caso Chico Mendes, foi uma morte anunciada. Todo mundo sabia — governos federal, estadual e municipal, polícia, autoridades civis e militares — e ninguém fez nada para evitar. O governador paraense chegou a ser avisado por ofício do Incra da explosiva situação de Anapu.

O governo federal reagiu agora, mas não agiu na hora certa. E ninguém conhece o assunto como o PT. A pressão de seus militantes, com Lula à frente, foi fundamental para apressar o julgamento dos assassinos do líder seringueiro, um dos mais rápidos da Justiça brasileira. Ali se encontravam o futuro presidente da República e a ministra Marina Silva. Brilhando como assistente de acusação, estava o advogado Márcio Thomaz Bastos.

Espera-se que no mínimo consigam fazer do sacrifício de Dorothy Stang o que foi feito com a morte de Chico Mendes, que serviu para pôr fim à guerra e à impunidade no Acre. Depois de tanta anarquia e violência, o Pará precisa produzir ao menos uma boa notícia.

O Globo, 16/02/2005, Opinião, p.7

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