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Bolsa Verde e Conservando Juntos

O Eco - http://www.oecoamazonia.com
Autor: Marc Dourojeanni
20 de Out de 2011

O governo do Brasil conseguiu com que o Congresso aprovasse uma lei que permite que habitantes de áreas protegidas de uso direto (conhecidas como de uso sustentável) recebam do estado uma compensação ao assumir o "compromisso de conservar a floresta". Essa lei começou como medida provisória e, consequentemente, foi pouco discutida. O governo peruano fez algo parecido decidindo compensar com uma quantidade fixa indígenas que, em suas comunidades, evitam o desmatamento. Com diferenças importantes, a intenção de ambos é aceitável, mas abre caminho a consequências imprevisíveis.

No dia 17 de outubro deste ano foi publicada a lei que criava o programa Bolsa Verde para beneficiar famílias que moram em áreas protegidas de uso sustentável (reservas extrativistas e de uso sustentável, além de florestas nacionais) e em assentamentos rurais. Esta iniciativa parece estar inspirada nos esforços pioneiros do estado do Acre, que há mais de uma década criou o Programa Florestania, embora não distribuísse dinheiro. Também é possível que esteja influenciado pelo Bolsa Floresta do estado de Amazonas. Até o fim de 2011 o Bolsa Verde espera incluir 18 mil famílias pobres de todo o país, o que seria expandido para 73 mil até 2014. O benefício é uma bolsa trimestral de 300 reais (cerca de 176 dólares) a cada três meses por um prazo de dois anos renováveis. As condições para receber são simples: (i) ser muito pobre, ou seja, não ter renda de mais de 70 reais mensais por pessoa incluída na família e, (ii), assinar um compromisso de adesão a um indefinido programa de conservação da floresta.

Analisando com mais cuidado a lei do programa Bolsa Verde constata-se que, apesar de ter sido anunciada como dando prioridade a áreas protegidas de uso direto, muitos serão os beneficiários: famílias em projetos de assentamento rural, projetos agroextrativistas e de desenvolvimento sustentável (dependentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra), ribeirinhos, extrativistas em geral, indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais, além dos que o governo decidir que também podem ser beneficiados. Ou seja, o benefício é para todos os ruralistas pobres do Brasil. É importante mencionar que pode ser adicional a outros similares, como o "Bolsa Família", que o governo estabeleceu na última década, o que permite algumas dúvidas sobre como serão calculadas as rendas familiares. Para complicar mais este cálculo, devemos lembrar que a informalidade impera no meio rural, especialmente na Amazônia. Neste caso, também chama poderosamente a atenção a falta de prioridade especial para os indígenas que são os mais pobres e os que até agora melhor conservam a floresta.

No Peru, o governo anterior estabeleceu um programa de incentivos exclusivamente para comunidades nativas e rurais tituladas na Amazônia que protegem bosques naturais com uma compensação de 10 soles por hectare (ha) por ano (uns 4 dólares/ha). O programa, inicialmente lançado pelo ministro Brack com o nome "Conservando Juntos", tem como meta atender mil comunidades amazônicas em 10 anos. Já tem mais de um ano de operação atingindo, no momento, uma área limitada que será expandida gradualmente. Embora o valor pago por hectare seja arbitrário, está ideologicamente associado às discussões sobre desmatamento e degradação evitados para mitigar as mudanças climáticas.

O maior esforço para desenvolvê-lo foi estabelecer a linha de base da situação dos bosques de cada comunidade, sendo o monitoramento feito por informação via satélite e verificações terrestres que antecedem o pagamento. As comunidades que não cumprem as metas de proteção não recebem o dinheiro e podem ser excluídas do programa. Apesar de ser um modelo muito mais concreto e mensurável que o pretendido pelo Bolsa Verde, também tem sido criticado porque seu valor não responde a critérios técnicos ou econômicos definidos e porque implica o risco de ser considerado um direito permanente dos beneficiários, mesmo que não cumpram as condições. Este risco é mais óbvio no caso do Bolsa Verde e, em ambos os casos, pode trazer conflitos sociais importantes. O programa "Conservando Juntos" não considera beneficiar habitantes legais ou ilegais de áreas protegidas de uso direto, como as reservas nacionais ou as reservas comunais, que são equivalentes às brasileiras de uso direto.

Nos dois casos o custo será grande. Se o prognóstico no programa brasileiro até 2014 é atender 73 mil famílias, custarão ao governo mais de 51 milhões de dólares por ano (em dólares atuais), sem mencionar o custo da gestão. Se esse custo não retorna em benefício ambiental concreto como, por exemplo, a redução clara do desmatamento nas áreas nas quais se aplica, será um gasto errado considerável levando em conta os orçamentos franciscanos que o governo federal outorga ao setor ambiental e, especialmente, ao seu sistema nacional de unidades de conservação. No caso peruano, que pode chegar a 11 milhões de hectares, o custo também será muito alto em seu ponto culminante, mas por estar dirigido exclusivamente às comunidades indígenas e rurais tituladas e por apontar a uma única finalidade - o desmatamento evitado - tem mais probabilidades de conseguir o objetivo anunciado.

Ou seja, existem diferenças importantes entre ambas as iniciativas. Fica claro que o "Conservando Juntos" está motivado pela conservação da floresta e conseqüentemente do ambiente amazônico, enquanto que a motivação do Bolsa Verde é a redistribuição de renda. Se estivesse claro que o Bolsa Verde vai contribuir na redução do desmatamento, sua pretendida justificativa ambiental seria mais evidente, mas não é assim. A lei não diz em que consiste esse "Programa de apoio à Conservação Ambiental" ao qual devem aderir os beneficiários. Em vez disso, fala em brindar assistência técnica aos que desenvolvem "ações de conservação". Conhecendo a debilidade do estado, especialmente na Amazônia, para qualquer tipo de apoio técnico e, pior, para cuidar de áreas protegidas, pode-se imaginar que os objetivos ambientais do Bolsa Verde ficarão no papel ainda mais porque a própria lei diz que o controle do programa será feito através de "auditorias amostrais", ou seja, mínima, antecipando dificuldades que existirão para confirmar os que merecerão o prêmio. Devido ao imenso número e à diversidade dos beneficiários que são famílias e não comunidades, a complexidade da gestão e monitoramento deste programa será gigantesca. Identificar os que serão beneficiários, estabelecer família por família a linha de base a partir da qual se medirá o impacto e confirmar a cada dois anos o cumprimento dos compromissos é simplesmente impossível mesmo se existisse (e não existe) capacidade institucional. Dito de outra forma faltam definições e demonstrações para que se acredite que o Bolsa Verde é algo além do que um mero programa assistencialista.

No caso do "Conservando Juntos", embora seja imperfeito e de difícil execução, as coisas são mais claras. Os beneficiários não são indivíduos ou famílias. São comunidades indígenas e rurais legalizadas, com espaços territoriais demarcados nos quais é possível conhecer exatamente a situação das florestas no começo do benefício e no final de cada ano de sua execução. O único fator avaliado é o desmatamento e corresponde aos próprios comunitários controlar o comportamento de seus vizinhos para conseguir o benefício. Por sua vez, no Bolsa Verde, é provável que enquanto uma família cumpra seu compromisso outras não cumpram, corrompendo o conceito e a prática.

O programa "Bolsa Verde", no caso específico de áreas protegidas de "uso sustentável", poderia ser bem aproveitado se aproveitara algumas das estratégias do "Conservando Juntos". Quer dizer, beneficiando o conjunto de famílias e não a cada uma individualmente, conseguindo assim o controle social pelos vizinhos. Embora essas unidades de conservação não contem com funcionários nem meios suficientes para realizar gestão e controle eficientes do uso do benefício, existiriam mais e melhores probabilidades de aproveitá-lo se for transformado em alguns dias de serviço obrigatório para o controle e vigilância da área, manutenção da infraestrutura, participação em programas de manejo de fauna, eventos de capacitação, guia a visitas ou outras atividades próprias do manejo de áreas protegidas. Como nos planos de manejo dessas áreas protegidas de uso direto existem zonas de proteção estrita, é nelas onde deveria estar o foco para evitar desmatamento com a ajuda dos beneficiários.

Se, como parece, o dinheiro será entregue às famílias das unidades de conservação de uso direto sem exigir nada de concreto em troca, o único que se conseguirá é uma aceleração do desmatamento e degradação da floresta como já vem acontecendo, comprovadamente, na maioria das reservas extrativas do Brasil. Devemos lembrar que os extrativistas já se beneficiaram com o sobrepreço para a borracha que produzem e outras vantagens que, precisamente, foram reinvestidas na expansão ilegal da pecuária. Pior ainda, este benefício que é adicional a outros pode fazer com que mais e mais gente seja atraída às áreas protegidas de uso direto e, assim como as que já moram nelas, desmatem, cacem e pesquem, além de se dedicar à exploração dos recursos naturais da floresta, inclusive madeira, como acontece atualmente. Se isso acontecer, o que é provável, o Bolsa Verde será outro vetor de destruição da floresta.

O programa Bolsa Verde, embora seja mais um dos programas assistencialistas para aliviar a pobreza no Brasil, tem o mérito de atender à população rural. Se existisse capacidade institucional para administrá-lo bem, objetivos claros e concretos e verdadeiras avaliações de suas metas, poderia se converter em algo útil. E, como já dissemos, poderia permitir um melhor manejo das unidades de conservação de uso direto que, no Brasil, estão mais abandonadas que as de preservação permanente. Para isso, os que fazem a regulamentação do Bolsa Verde devem analisar cuidadosamente quais serão as exigências que esse benefício implica aos beneficiários. Trezentos reais mensais podem se converter em vários pagamentos diários para que um membro da cada família trabalhe efetivamente em ações de conservação, inclusive sua própria conscientização ou capacitação. O resultado, em cada área protegida beneficiada, deve se expressar na diminuição do desmatamento. Caso contrário, o Bolsa Verde será outra forma de usar em vão o conceito da conservação do meio ambiente para, mais uma vez, enganar a cidadania.

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