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Bispo vê omissão da Justiça em caso Dorothy

FSP, Brasil, p. A9
11 de Fev de 2007

Bispo vê omissão da Justiça em caso Dorothy

Thiago Reis

Escoltado dia e noite por dois policiais militares e confinado à sua casa, o bispo Erwin Krautler, 67, da Prelazia do Xingu, diz que o povo continua "refém dos madeireiros" no oeste do Pará dois anos após o assassinato da missionária Dorothy Stang.

"Aqui não é difícil achar quem execute", diz Krautler. "Se você tem dinheiro, contrata. E, para o matador, tanto faz se [o alvo] é bispo, freira, sindicalista ou qualquer pai de família." Um dos maiores amigos da freira e agora ameaçado de morte, ele afirma ter certeza de que as pessoas que "prepararam" a morte da missionária estão soltas.

Krautler condena a "morosidade" e a "omissão" da Justiça e diz que vai lembrar Ana Júlia Carepa (PT) de sua responsabilidade como nova governadora do Pará. Leia, a seguir, a entrevista com o bispo, que nasceu na Áustria, mas se naturalizou brasileiro e já vive há 41 anos na Amazônia.

FOLHA - O que mudou dois anos após a morte de Dorothy?
ERWIN KRAUTLER - No que diz respeito ao povo, não mudou muita coisa. Os velhos problemas continuam. O povo do interior, especialmente nas áreas que foram escolhidas para os PDS [Projetos de Desenvolvimento Sustentável], continua de certa maneira abandonado, refém dos madeireiros. Não foi implementada uma política agrária que aliviasse a problemática.

FOLHA - O sr. continua recebendo ameaças?
KRAUTLER - Sim. Estou confinado à minha casa e, quando saio, sou acompanhado por dois PMs. É muito constrangedor. Eu estava acostumado a outro tipo de vida. É claro que eu cumpro minha missão, faço de conta que ninguém está do meu lado. Mas é mais constrangedor para o povo, que descobre na hora que tem alguém ali armado. A coisa está piorando nesse sentido no Pará. A segurança pública é muito aquém do necessário.

FOLHA - O conflito de terras, então, ainda é latente?
KRAUTLER - O conflito não é mais aberto. Agora ele ocorre na surdina. Eles aprenderam a lição e já não declaram guerra abertamente. Mas na calada da noite muita coisa acontece. Um dos problemas continua sendo a morosidade da Justiça. No caso Dorothy, mais nada foi para frente.

FOLHA - O que é preciso fazer?
KRAUTLER - É preciso exigir da Justiça uma maior agilidade. Não há como continuar essa morosidade e essa omissão. Não é questão de vingança, mas quem matou Dorothy tem que ser punido e quem preparou a morte também. Não há como deixar uma pessoa aguardando o júri em liberdade. Aqui há o consórcio do crime e é preciso acabar com isso. É preciso uma nova postura da Justiça.

FOLHA - O sr. ainda acredita que foi feito um consórcio para matá-la?
KRAUTLER -Claro. Esse crime foi preparado dois anos antes da execução. Havia em Altamira e na Transamazônica um zunzum de ouvir dizer que a Dorothy corria risco. Havia ameaças indiretas. Tinha uma turma que hostilizava, que falava na mesa da cerveja. Outra que falava do alto do palanque. Tinha candidato que dizia: "Se eleito for, essa mulher cai fora". Os vereadores [de Anapu] declararam a irmã persona non grata no município. Tudo isso criou um ambiente que é hostil. E aqui não é difícil achar quem execute. Se você tem dinheiro, contrata. E, para o matador, tanto faz se é bispo, freira, sindicalista ou qualquer pai de família. Ele simplesmente executa, porque recebe a grana. Sabe que pode ser preso, mas em pouco tempo está solto e beneficiado por todas as facilidades da Justiça. O consórcio existe, só que hoje todos negam categoricamente. Os indícios são graves. Seria preciso cavar mais fundo. Mas precisaria chamar essas pessoas que hoje estão investidas em cargos políticos.

FOLHA - O sr. irá cobrar mais ação da petista Ana Júlia?
KRAUTLER -Eu vou simplesmente lembrar Ana Júlia de que agora é ela quem está no governo, que ela é a governadora do Pará. Irei apoiá-la para implementar uma política a favor do povo mais marginalizado.

FOLHA - Que avaliação o sr. faz do governo Lula?
KRAUTLER - Não vou negar que foram dados alguns passos, mas muito aquém daquilo que se espera. Espero que o atual governo recupere aquilo que perdeu no primeiro mandato. Tem que ir com muito mais garra. O governo tem que analisar o conceito de desenvolvimento dele. Desenvolvimento não significa apenas rios de dinheiro, exportação crescente e soja. O povo deve estar sempre em primeiro lugar.

FOLHA - O modelo de reforma agrária está equivocado?
KRAUTLER - Está. Uma maneira de tentar implementar a reforma foi a criação dos PDS, mas a coisa não funciona. Só tem o início. É preciso repensar a reforma agrária. Falta acompanhamento e infra-estrutura. O mesmo mal que se fez naquele tempo da Transamazônica se repete. No papel estava tudo bonito, cada família tinha seu módulo, só que não havia infra-estrutura que prestasse. A questão da saúde, da educação e do transporte não foi pensada. O povo fica, então, à mercê dos madeireiros.

Acusados ainda esperam por julgamentos

Kátia Brasil

Dois anos após o assassinato de Dorothy Stang, os dois acusados de serem os mandantes do crime, que ainda não foram julgados, tentam aliviar uma futura condenação na Justiça.

Quando foi assassinada com três tiros, aos 73 anos, Dorothy Stang atuava no oeste do Pará como agente da CPT (Comissão Pastoral da Terra), braço agrário da Igreja Católica. Ela foi vítima de uma emboscada.

Um dos apontados como mandante do assassinato é o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida. Ele está preso no Centro de Recuperação do Coqueiro, em Belém.

Seu julgamento está marcado para abril, no Tribunal do Júri. Já teve cinco pedidos de liberdade negados e só tem agora um recurso a ser analisado no Supremo Tribunal Federal, com pedido de habeas corpus.

O fazendeiro Regivaldo Galvão, o Taradão, apontado como o outro mandante, foi posto em liberdade em 29 de agosto de 2006. Seu julgamento depende de recurso pendente no TJ.

Segundo a acusação, Bida e Taradão encomendaram o crime por R$ 50 mil. Os dois são acusados de homicídio qualificado por motivo torpe com promessa de pagamento e emboscada (pena de 12 a 30 anos).

O advogado de defesa de Bida, Américo Leal, disse que se o STF negar o habeas corpus vai desistir de contestações na Justiça. Já Jânio Siqueira, que defende Taradão, diz que entrará com recursos até que seja esgotada essa possibilidade.
O pistoleiro Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, foi condenado a 27 anos de prisão, mas terá um novo julgamento.

Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, apontado como cúmplice de Fogoió, foi condenado a 17 anos de prisão. Amair Feijoli da Cunha, o Tato, que teria atuado como intermediário entre os pistoleiros e os mandantes, foi condenado a 18 anos.

FSP, 11/02/2007, Brasil, p. A9

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