VOLTAR

Biotecnologia ou agroecologia

JB, Outras Opinioes, p.A13
Autor: SADER, Emir
20 de Fev de 2005

Biotecnologia ou agroecologia
Emir Sader - Sociólogo

Um dos maiores dilemas do Brasil e da humanidade na entrada deste século está nessa alternativa: biotecnologia ou agroecologia? Entre os que estão a favor da produção e do uso livre de organismos geneticamente modificados (OGM) na agricultura e os que se opõem a isso, valendo-se de critérios ligados à saúde, ao equilíbrio ecológico, à proteção da biodiversidade, à segurança alimentar e ao respeito às culturas agrícolas.
Os Estados Unidos lideram a primeira posição, na cabeça dos maiores produtores de alimentos no mundo, enquanto que no segundo estão paises europeus e vários da periferia do capitalismo. O primeiro grupo de potencias aposta na tecnologia de risco, como agente de contaminação e3 pelos danos que pode causar no consumidor. O segundo grupo se vale do princípio de precaução, que estabelece que diante de dúvidas sobre uma tecnologia potencialmente perigosa, é sensato não utiliza-la até que se configure cientificamente seus níveis reais de risco.

Trata-se de um debate sobre o presente e o futuro das regiões agrárias do mundo. As grandes corporações multinacionais, por meio da biotecnologia - entre elas a Monsanto e outras quatro empresas que controlam todo o mercado mundial de OGMs - se dirigem basicamente aos chamados ''produtores modernos'', que se orientam por padrões de produção em larga escala, baseadas na utilização de maquinaria e nos monocultivos, que normalmente são utilizados para a elaboração de produtos contaminados com agroquímicos. Esse tipo de agricultura esgotou suas potencialidades, não sendo capaz de manter seus níveis de produtividade, além de não produzir alimentos saudáveis e tendendo a destruir os solos, os mantos de água e a biodiversidade, além de contaminar as águas, os solos e os organismos.

Os OGM, apesar de se propagar de que buscam evitar o uso de agroquímicos, terminam simplesmente substituir um contaminante químico por outro genético. Não se trata portanto de uma tecnologia destinada à grande massa de camponeses pequenos e médios, que totalizam um milhão e quinhentos mil pessoas, que tendem a cultivar em sistemas de pequena escala, intensivos em trabalho, imitando a natureza em sua estrutura e em seus processos - auto suficiência, reciclagem, uso eficiente de energia, durabilidade.

Os pequenos produtores do mundo - os que compõem a chamada agricultura familiar camponesa - orientam-se cada vez mais para uma agricultura de tipo ecológico pela simples razão de encontrarem nela muitos dos princípios utilizados durante séculos. Nelas se incluem as experiências dos pequenos produtores em países como a Alemanha, a Finlândia, a Itália, na Europa, o Japão, Cuba, as comunidades camponesas de tantos outros países, como as dos sem terra no Brasil.

A agroecologia, que busca a produção de alimentos saudáveis com esquemas ecologicamente adequados e em condições de justiça social, se expande constantemente em todos os rincões do planeta. Em 1997 o mercado mundial de produtos orgânicos faturava 10 bilhões de dólares, em 2002 chegou a 23 bilhões e se estima que chegará a 100 bilhões em 2010 - um ritmo que se expande tanto na superfície semeada, quanto no número de produtores. Em muitos países - como aqui mesmo no Brasil - se desenvolvem quase anonimamente milhares de experiências originais de agricultura ecológica, além do tratamento adequado dos bosques, da criação de gado, da extração sustentável de matérias primas.

São enormes os interesses em jogo na agricultura, onde se enfrentam o projeto da biotecnologia e os da agroecologia. Não se trata de uma opção técnica, mas de relação entre homem e natureza, entre técnica e bem estar, entre conhecimento e produção, entre saber e viver. Dela depende, em grande parte, o tipo de mundo que habitaremos neste século.

JB, 20/02/2005, Outras Opiniões, p.A13

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.