VOLTAR

Biossegurança: os méritos de um substitutivo

JT, Artigos, p. A2
Autor: FUKUMA, Patrícia
31 de Jan de 2004

Biossegurança: os méritos de um substitutivo

Patrícia Fukuma

As questões envolvendo a regulamentação da biossegurança no Brasil têm gerado acaloradas discussões de âmbito técnico, político, econômico e judicial.
Enquanto tal polêmica não se resolve no País, os Estados Unidos, por exemplo, continuam avançando em pesquisas na área e na utilização da biotecnologia nos mais diversos setores. A União Européia, por sua vez, estabelece no documento "Ciências da Vida e Biotecnologia - uma Estratégia para a Europa" a importância da biotecnologia para a área de saúde, agricultura e proteção do meio ambiente, tendo definido um cronograma de ações, a contar de 2002, a serem implementadas para viabilizar o uso da tecnologia do DNA recombinante.
É certo que o progresso científico e tecnológico suscita questões que envolvem não apenas entendimentos divergentes sobre a legislação em vigor, a exemplo do que ocorre no Brasil, mas também um choque de visões e de interesses diversos muitas vezes difíceis de serem harmonizados.
Assim, em um contexto de acirrados debates e ações que tramitam no Judiciário questionando a atual lei de biossegurança, o Poder Executivo enviou um projeto de lei sobre o assunto ao Legislativo com o objetivo de abrir um debate democrático no qual todas as partes envolvidas pudessem expor seus pontos de vista e, ao final, chegar a uma legislação que defina a forma como a questão deve ser tratada no País.
Ao encaminhar o projeto de lei, o governo deixou clara sua opção política no sentido de reconhecer a importância dessa tecnologia, cabendo agora ao Congresso Nacional decidir a maneira de implementá-la.
Nesse sentido, merece elogio o substitutivo apresentado pelo relator do projeto na Câmara, deputado Aldo Rebelo, recém-nomeado ministro da Articulação Política. Antes e sobretudo por ter corrigido em seu texto os conflitos jurídicos existentes entre a legislação ambiental e a atual lei de biossegurança, que acabaram embasando as ações judiciais que hoje impedem que a biotecnologia seja utilizada no Brasil.
Ao propor a modificação da descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei no 6938/81 (Lei do Meio Ambiente), estabelecendo que a introdução de espécies geneticamente modificadas e o uso da diversidade biológica pela biotecnologia só poderão ser considerados causadores de degradação ambiental se assim identificados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o substitutivo harmoniza a legislação de biossegurança e de meio ambiente e torna inequívoco o método de análise ao qual deve ser submetido o OGM, qual seja, o método de análise "caso a caso".
A legislação de meio ambiente trabalha com a idéia de risco presumido. O método de análise "caso a caso", em que cada evento de transformação genética é avaliado pela CTNBio, garante que um órgão altamente especializado avalie o OGM de forma muito mais aprofundada e segura.
Outro mérito do substitutivo foi o de ter restabelecido a prerrogativa da CTNBio de dar a última palavra no tocante a aspectos de biossegurança.
Acertou também ao exigir que os especialistas que comporão a CTNBio tenham o grau de doutor. Isto retira o caráter subjetivo que enseja a expressão "notório saber científico".
Ao estabelecer o poder vinculante dos pareceres da comissão - quanto aos aspectos de biossegurança - com os órgãos de registro e de fiscalização, cria um sistema que garante uma rigorosa análise do OGM por uma equipe técnica altamente especializada.
O substitutivo apresentado merece elogios. Não só pelo seu teor, que normatiza de forma bastante sistemática e equilibrada a aplicação da biotecnologia no Brasil, dando amplo cumprimento ao Princípio da Precaução, mas também pela condução dos debates na Câmara dos Deputados. Inúmeras audiências públicas foram realizadas, tendo sido aberto espaço para que todos apresentassem suas sugestões e reivindicações.
É preciso que o Brasil tenha regras claras para fazer uso da biotecnologia e dos recursos que ela proporciona, sob pena de perdermos competitividade no mercado internacional e, por isso, espera-se que o substitutivo não sofra alterações em sua essência e possa ser aprovado pela Câmara dos Deputados por todos os méritos que encerra.

Patrícia Fukuma é advogada especialista em relações de consumo, sócia do escritório Fukuma Advogados e Consultores Jurídicos e conselheira do CIB

JT, 31/01/2004, Artigos, p. A2

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.