VOLTAR

Bioideologia

O Globo, Opinião, p. 6
14 de Nov de 2006

Bioideologia

No dia 18 de outubro, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) começou a apreciar uma série de pedidos de liberação comercial de sementes de milho e algodão transgênicos.

A apenas dois meses do fim do ano, foi a primeira discussão do gênero em 2006; e não durou muito. A decisão foi adiada.

O que está acontecendo na CTNBio? Segundo reportagens recentes, a mais detalhada das quais na revista "Exame", um grupo de sete membros da comissão se dedica a bloquear qualquer liberação de venda ou pesquisa de organismos geneticamente modificados, para isso fazendo uso de toda sorte de expedientes. O mais simples é o de se ausentar das reuniões, já que, pelas regras de funcionamento do órgão, são necessários dois terços dos 27 membros para autorizar qualquer liberação. Não admira que o mais antigo dos pedidos que ainda aguardam apreciação date de 1998.

A motivação ideológica desse comportamento é uma abordagem inteiramente injustificada de uma questão técnica. O desenvolvimento de culturas transgênicas, seus pontos positivos e negativos, seus efeitos deletérios reais ou imaginários, as áreas cinzentas que ainda persistem - tudo isso precisa ser objeto de estudo intenso, que deveria ser exclusivo, de cientistas e pesquisadores.

O país só tem a perder com a tentativa irracional de transformar a biotecnologia no que poderíamos chamar de bioideologia.

A obstrução das liberações prejudica diretamente a agricultura - não de imediato, porque a maior lucratividade tem provocado contrabando de sementes do exterior - e bloqueia o trabalho da Embrapa e outros centros de pesquisa, com inevitáveis repercussões práticas, mais adiante, num setor que exporta dezenas de bilhões de dólares e emprega quase 20 milhões de trabalhadores.

O grupo que paralisa a CTNBio parece acreditar, contra todas as evidências científicas, que a transgenia é sempre um mal, para a saúde ou para o meio ambiente - embora já há um ano e meio a Organização Mundial de Saúde tenha anunciado que os alimentos geneticamente modificados hoje conhecidos são seguros. Essa intransigência de pensamento impede a comissão de funcionar. É o Brasil que paga o preço.

O Globo, 14/11/2006, Opinião, p. 6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.