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Biodiesel fortalece pequeno produtor no Nordeste

OESP, Economia, p. B6-B7
21 de Mar de 2011

Biodiesel fortalece pequeno produtor no Nordeste
Mais de 100 mil famílias lucram com a produção de oleaginosas, com contratos de cinco anos e preços garantidos pela Petrobrás

Eduardo Magossi / Recife

O programa nacional de biodiesel mudou a cara da agricultura familiar em regiões do Nordeste, introduzindo com sucesso as culturas do girassol e da mamona entre pequenos produtores. A garantia de escoamento por meio de contratos de longo prazo com a Petrobrás Biocombustível permite que esses agricultores ampliem a produção e troquem terras arrendadas por próprias, movimentando a economia de municípios da Bahia, Sergipe e Pernambuco.
Nessas regiões, as casas de alvenaria já substituem as barracas de lona. Nas agrovilas, a pavimentação das ruas e o surgimento de pequenos mercados, padarias e cabeleireiros refletem o desenvolvimento da economia local. A maioria das casas já conta com antena parabólica.
Iniciativas simples como garantir a compra dos produtos com contratos de longo prazo têm resultado em um aumento médio da renda destes pequenos produtores em cerca de R$ 6 mil por ano - dinheiro extra que tem sido usado para investimentos na própria lavoura e na melhoria das condições de vida.
De 100 mil famílias que plantam oleaginosas para a produção de biodiesel no Brasil, o programa da Petrobrás Biocombustível (PBio) atende mais de 50% por meio de contratos. "A grande virada foi a criação de contratos de cinco anos, que deu estabilidade e confiança ao agricultor. Ele pode pensar sua propriedade como um negócio no médio prazo", afirma o presidente da PBio, Miguel Rossetto.
Com o programa, a Petrobrás fornece sementes de mamona e girassol para o produtor, além de assistência técnica. Na hora da comercialização, os preços são definidos pelo mercado conforme a data da entrega, respeitando o valor mínimo definido pelo Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar. "O produtor recebe se entregar o produto", diz Rossetto.
Na safra 2009/10, a PBio comprou 84.542 toneladas de produtos por R$ 80,7 milhões - o valor não inclui despesas com assistência técnica e sementes. Embora o volume ainda seja modesto, é suficiente para mudar a vida dos agricultores dessas regiões carentes de investimento e infraestrutura. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 50% dos estabelecimentos da agricultura familiar estão no Nordeste.
Terra própria. Em Alagoinha, no agreste pernambucano, o agricultor Enéas de Almeida teve produtividade recorde com o plantio de mamona. Ele registrou 1.480 quilos da oleaginosa por hectare na safra 2010 - muito acima da média de 700 quilos por hectare de Pernambuco. Almeida vinha plantando mamona em cinco hectares de terras arrendadas. "Com o dinheiro que recebi da Petrobrás pela venda da primeira safra, comprei dez hectares", conta. "Agora vou plantar no que é meu."
O pequeno produtor Juracy Souza Pires seguiu à risca as recomendações dos técnicos e usou a mamona para diversificar sua atual produção. Em Irecê, no polígono das secas baiano, a 480 quilômetros de Salvador, Pires é mais um agricultor que está ajudando a reativar o plantio de mamona na região, que já foi conhecida como a capital do feijão. "A venda da mamona me deu renda extra e eu não precisei buscar recursos em agiotas nos últimos dois anos." Sem acesso a recursos bancários, Pires diz que a renda também foi suficiente para dar início à irrigação da lavoura.
O professor de Economia da Universidade Federal de Sergipe, Olívio Teixeira, especialista em agricultura familiar, ressalta que o programa de biodiesel tem sido importante por incentivar a organização dos produtores para fazer frente às exigências da PBio. "De certa forma, o programa incentivou a organização de cooperativas regionais e criando um ambiente para o bom desempenho de programas governamentais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar."
Segundo Teixeira, o pequeno agricultor também tem se mostrado receptivo à transferência de conhecimento propiciada pela assistência técnica do programa de biodiesel. "Estas novas tecnologias, embora básicas, têm levado ao aumento de produtividade não só nas lavouras do programa mas também nas demais culturas plantadas." Para o pesquisador, a maior vantagem do programa é o fortalecimento da agricultura familiar e não apenas o biodiesel. Em algumas áreas, não foi só a produtividade que dobrou, mas também a renda das famílias.

''O que fazemos não é assistencialismo'', diz Rossetto

O presidente da Petrobrás Biocombustível, Miguel Rossetto, é enfático ao dizer que o programa de biodiesel da empresa não é assistencialismo. "Não estamos investindo dinheiro a fundo perdido", explica. "Só pagamos se o produto for entregue."
Segundo o executivo, biodiesel é uma operação lucrativa dentro da Petrobrás Biocombustível. "Como atividade empresarial, procuramos sempre o melhor negócio", disse. Por isso, nem tudo que é adquirido dos produtores é usado na produção de biodiesel. "Se o produto estiver mais caro no mercado, ele é vendido e uma outra matéria-prima mais barata é usada."
Depois de investir em transferência tecnológica e conhecimento, em 2011 o programa focará a correção de solo. Segundo Rossetto, estão previstos investimentos de R$ 45 milhões para atender 41 mil famílias na Bahia, Sergipe, Minas Gerais, Ceará, Piauí, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Cooperativas agregam valor e tecnologia
Organizados, os produtores evitam os atravessadores e conseguem melhores preços

Eduardo Magossi

O programa de biodiesel da Petrobrás Biocombustível fortaleceu o cooperativismo na agricultura familiar no Nordeste. Para fazer parte do programa, o agricultor precisou se associar a uma cooperativa, que, por sua vez, teve de se profissionalizar para atender às exigências da PBio. As cooperativas mais estruturadas passaram a ter condições de apoiar os produtores no acesso a máquinas e tecnologia, além de ajudá-los a agregar valor ao produto e a vender.
Maria Batista da Silva está entre os produtores beneficiados. "Antes, eu vendia toda a produção para atravessadores e não conseguia pagar as dívidas." Presidente da associação dos produtores de Sete Brejos, uma agrovila de assentados em Indiaroba (SE), Maria diz que os programas mudaram a realidade da região. Hoje, toda sua produção é direcionada para as vendas de contrato. "Não tenho produto nem para vender na feira. Está tudo comprometido." Além da garantia de escoamento, os recursos extras obtidos com os programas foram usados na aquisição de um debulhador para retirar as sementes de girassol da planta.
O fortalecimento das cooperativas permite que os agricultores cooperados agreguem valor ao seu produto. Em Indiaroba, a Cooperafir já conseguiu negociar um preço mais remunerador para a produção de laranja. "Não somos mais entregadores de laranja para a indústria", afirma o presidente da cooperativa, Adinaldo do Nascimento.
Agora, são eles que contratam a indústria, processam e engarrafam o próprio suco, com a marca da cooperativa. "Antes, tirávamos R$ 280 por tonelada de laranja. Agora, ganhamos R$ 400 por tonelada de suco, com uma margem muito maior para o produtor." A laranja é uma das frutas plantadas em rotação com o girassol.
No município de Poço Redondo, a 200 quilômetros de Aracaju, cerca de 700 famílias plantam girassol, milho e feijão há dois anos. Com a renda gerada pela oleaginosa, a cooperativa local investiu em maquinário. "Temos a única plantadeira de girassol da região", conta João Gomes, presidente da cooperativa. A semente é entregue para a Petrobrás e, o restante, aproveitado na produção de ração animal.
Os produtores já estão vendendo a ração de talo de girassol por R$ 0,60 o quilo, valor que cobre os custos de produção da semente. Na primeira safra plantada, a produtividade média foi de 600 quilos por hectare. A expectativa é de que, com a mecanização, a produtividade atinja 1.400 quilos por hectare.

Com escala, soja ainda é a principal matéria-prima

Eduardo Magossi

A inclusão da agricultura familiar no programa de biodiesel não garante que o óleo obtido da mamona e do girassol seja utilizado em escala na produção do combustível. "A soja ainda será a matéria prima principal da produção do biodiesel por 20 anos ou mais", diz Olívio Teixeira, professor de Economia da Universidade Federal de Sergipe, especialista em agricultura familiar. Segundo ele, há uma limitação de escala na produção de combustível a partir das oleaginosas. "Essas culturas foram introduzidas na agricultura familiar para ser um complemento de renda em regiões onde os recursos econômicos são escassos. Dentro desta missão, eles nunca terão escala suficiente porque o objetivo não é transformar a propriedade familiar em empresas de agronegócio."
Teixeira ressalta ainda que a agricultura familiar não tem acesso aos recursos tecnológicos oferecidos ao agronegócio - o que também é um obstáculo para que essas oleaginosas entrem no espaço hoje ocupado pelo óleo de soja. Mas o professor estima que, em três ou cinco anos, com o desenvolvimento do programa da Petrobrás Biocombustível (PBio), essa escala seja maior, com a utilização de máquinas, equipamentos, insumos e o solo corrigido.
A economista Amaryllis Romano, analista da Tendências Consultoria, ressalta que o óleo de soja continuará sendo dominante na produção de biodiesel, porque o combustível é uma forma de escoar o óleo de soja, subproduto do esmagamento do grão. Segundo ela, isto só vai mudar quando o próprio consumo do biodiesel ganhar escala e for maior que a demanda por farelo de soja. Amaryllis aponta também a necessidade de criar mercados expressivos para o óleo de mamona, girassol, dendê, além do programa de biodiesel.
Dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que, em dezembro de 2010, 75% do biodiesel produzido no Brasil utilizava óleo de soja como matéria-prima. Do total produzido, 20,5% usou gordura bovina como matéria-prima e 2,4%, óleo de algodão. Outras matérias-primas representaram 1,8%.

OESP, 21/03/2011, Economia, p. B6-B7

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