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Biodiesel chega aos sitiantes

OESP, Agrícola, p. G6-G7
20 de Jul de 2005

Biodiesel chega aos sitiantes
Em Cássia (MG), usina compra nabo forrageiro de pequenos produtores para produção do combustível

Ibiapaba Netto
Especial para o Estado

A produção de biodiesel, utilizando oleaginosas como matriz energética, teve sua estréia há pouco mais de dois meses, em Cássia (MG). Produtores daquela região, motivados por um programa de pagamento mínimo de R$ 27 a saca de 60 quilos, aderiram à produção do nabo forrageiro, cuja semente é considerada importante fonte de óleo. Em 2004, segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), a produtividade foi de 600 quilos/hectare. "Para este ano, esperamos mais", diz o agrônomo Norton Bertoldi, responsável pelo projeto.
Mesmo com o preço mínimo de garantia, grande parte dos agricultores está receosa como resultado econômico, na opinião do vice-presidente da Central de Associações de Produtores Rurais de Cássia, Dinor Fernandes Borges, que congrega 12 associações, com cerca de 250 associados. "Para produzir da maneira correta precisamos agregar algumas tecnologias novas", diz. Segundo ele, a própria Soyminas, usina responsável pelas compras, tem ajudado, cedendo equipamentos, como plantadeiras e colhedoras.
"Mas ainda não deu para ter idéia se é um bom negócio." Pequeno produtor, com 4 Hectares de nabo forrageiro, José Geraldo dos Santos comenta Que a região é formada por agricultores com áreas muito pequenas e que a falta de escala de produção não colabora com o rendimento. "O bom dessa história é que o nabo forrageiro é de cultivo relativamente barato", diz. "Antes, plantávamos apenas para melhorar o solo; hoje, temos perspectiva de ganhar algo com isso." Mas, com certeza, pondera, pode-se afirmar que os agricultores não deixarão suas atividades para plantar em função da usina de biodiesel.
O produtor Vandeir Ferreira de Almeida, que plantou 5 hectares, diz que continuará com o milho e tentará uma renda extra com o nabo forrageiro. "Com as culturas de verão garantimos o sustento e, com o nabo no inverno, tentamos uma renda extra", afirma.
Otimismo
De acordo como titular da Soyminas, Arthur Augusto Alves,a usina está trabalhando com apenas 40% de sua capacidade, que é de 40mil litros/dia. "Ainda não estamos precisando trabalhar com toda a capacidade, mas daqui a dois anos, quando a proporção de 2% de biodiesel no óleo diesel for obrigatória, precisaremos ter o fornecimento de matéria-prima constante", avalia. Segundo ele,a política de pagamento de preço mínimo foi criada para manter o agricultor motivado a plantar oleaginosas,inclusive nos períodos da safrinha. "Se não dermos garantias, o produtor troca de cultura no ano seguinte", comenta. De acordo com Alves, 15.300 pequenas propriedades familiares estão envolvidas no projeto. "Na verdade, a usina faz parte de um programa social em parceria como Ministério do Desenvolvimento Agrário, que visa a agregar renda para o agricultor familiar." Empresas que estejam incluídas nesse projeto, diz, ganham um selo social e descontos tributários que tornam a atividade mais rentável e atrativa.
Programa excludente
Não pinião do presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel, Nivaldo Rubens Trama, porém, essa formatação tributária elaborada para o setor está equivocada e praticamente torna inviável para empresas que não possam ou não tenham interesse em participar desse programa social.
"Nem sempre é bom comprar de agricultores familiares, por isso consideramos o programa excludente", diz. Segundo Trama, incidem sobre o biodiesel impostos como IPI, ICMS Estadual, PIS, Cofins e Imposto de Renda."Com os preços de mercado, mais esses impostos, a conta fecha no vermelho e a atividade não cresce", explica.
Prova disso,acrescenta,é que o Número de consultas para financiamento de novas plantas no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES) é baixo. "Não tem muita gente interessada", diz. O risco, em sua opinião, é o País não conseguir cumprir as metas propostas para 2008, quando será obrigatória a mistura de 2% de biodiesel no óleo diesel.
Da mesma opinião compartilha o coordenador do laboratório de Desenvolvimento de Energias Limpas, da Universidade de São Paulo, Miguel Dabdoub, que também é presidente da Câmara Setorial do Biodiesel no Estado São Paulo.
"Cerca de 85% dos custos referem-se à matéria-prima", diz. "Por isso, algumas indústrias, em vez de comprar do produtor,têm optado por fabricar biodiesel a partir dos resíduos de processamentos industriais", explica.
Resíduos
Esse é o caso da Agropalma, que fabrica produtos à base de óleo de palma e o biodiesel,com os resíduos do processo industrial.
"Nossa estrutura prevê a fabricação de 20 milhões de litros/ mês, e hoje estamos na expectativa de chegar a 8 milhões, só usando resíduos",diz o gerente de Operações da empresa, Marcello Britto. Segundo ele, os preços do diesel no mercado nacional e o custo de fabricação a partir de oleaginosas,mais impostos, tornam inviável o projeto de plantio exclusivo para biodiesel.
"O preço do diesel não tem recebido os mesmos repasses de preços do mercado externo e isso faz com que o biodiesel ainda seja menos interessante no mercado nacional."
De acordo com o gerente do Departamento de Gás, Petróleo, Co-Geração e Outras Fontes de Energia (Degap), ligado ao governo, Ricardo Cunha Costa, por meio desse projeto o País está oferecendo um mercado de 800 milhões de litros ao ano. Ele acrescenta que o programa, encabeçado por órgãos oficiais, não é excludente, ao contrário.
"Estamos fomentando diversas regiões do País com linhas de financiamento do Pronaf. Queremos agregar renda para o agricultor e aproveitar a vocação regional para a produção de mais de 40 tipos de oleaginosas", diz. "No futuro, isso será muito importante", afirma.

No início soja será matriz energética principal
Apesar de a leguminosa ter rendimento menor do que a palma e o girassol, por exemplo, estrutura já existente no País será importante em fase inicial
Principal commodity agrícola brasileira,a soja em breve ganhará papel de destaque na produção de biodiesel. Apesar de não ser considerada a melhor planta para a extração de óleo,com rendimento 500 litros por hectare, ante 800 litros do girassol e 5.900 da palma, de acordo com Miguel Dabdoub, da USP,a planta está consolidada no País como a solução mais viável nos primeiros anos do biodiesel. "No Brasil, o crescimento do biodiesel passa obrigatoriamente pela soja",afirma.
Isso porque, diz ele, demora um certo tempo até que os produtores passem a confiar e a se estruturar para o cultivo de outras oleaginosas, visando a esse mercado. "A estrutura da soja está pronta e precisaremos dela." Embora considere importante o programa social do governo federal, Dabdoub alerta que, para o sucesso do programa, "é preciso contar com a agricultura profissional".
Ele explica que a palma, por exemplo, demora três anos para estar pronta e, segundo o programa de biodiesel, o País terá de produzir obrigatoriamente 800 milhões de litros em 2006.
Exportação
A Alemanha é uma grande consumidora de biodiesel, com mais de 2mil postos com o produto. "Hoje eles não têm mais como crescer e estão procurando mercados que possam fornecer essa tecnologia", diz Nivaldo Rubens Trama, da A biodiesel, que inaugurará no ano que vem a Oleovegue, em Cornélio Procópio(PR),usina voltada para exportação de biodiesel. Segundo ele, a idéia é comprar soja na safra de verão e colza (canola) na safra de inverno. "Como na região há grande produção de trigo no inverno, pretendemos cadastrar produtores para que migrem para a colza, com garantia de preço mínimo e de compra da produção."
Assistência técnica
Trama explica que as sementes serão importadas e fornecidas aos agricultores. "Assim que o produtor entrar no programa ele receberá assistência técnica", comenta. "Pretendemos inaugurar a usina na safra 2006, com uma produção de 100 mil litros/dia." De acordo com o empresário, o Brasil tem condições de ser o maior fornecedor de biodiesel do mundo.
O pesquisador da Embrapa Algodão, Napoleão Beltrão, que estuda a aptidão de oleaginosas no Norte e Nordeste, conta que há mais de cem espécies para produzir óleo voltado à produção de biodiesel, "que é quimicamente uma mistura de um álcool (metanol, etanol, propanol, etc.) com um óleo de origem vegetal, até animal. "No Brasil, a partir deste ano, será comum os produtores terem suas compras asseguradas e com preços pré-estabelecidos."
O Brasil consome 40 bilhões de litros de diesel/ano, dos quais 6 bilhões de litros na agricultura, que é definida hoje como a ciência capaz de transformar petróleo em alimento e fibra. O País importa cerca de 30% do consumo, ou seja 12 bilhões de litros/ano, a um custo de mais de 3 bilhões de dólares. A produção de biodiesel significa menor poluição do ambiente, mais empregos no campo, menor importação e mais recursos na balança de pagamentos, entre outros benefícios. Beltrão acredita ser provável que, num futuro próximo, o mercado de energia será maior do que o de alimentos e o Brasil poderá, via produtos oriundos de biomassas, em especial o álcool e o biodiesel, suprir mais de 60% das necessidades do mundo, em 30 anos. "Será muito importante para o País, e pode ser, inclusive, o elo que faltava para que o Brasil se firme como uma das principais economias mundiais", avalia.

Postos de B2 já funcionam em Belo Horizonte
Em Belo Horizonte (MG), funcionam os dois primeiros postos de combustível com a mistura B2, ou seja, 2% de biodiesel misturado a 98% de diesel convencional.
De acordo com o gerente de Operações de Bases, da rede Ale de combustíveis, Carlos Augusto de Carvalho,hoje ainda não há problemas para atender à demanda pelo produto. "Vendemos cerca de 2 mil litros/mês de biodiesel",comenta.
Para o futuro, porém, Cavalho acredita que a oferta de matéria-prima possa ficar aquém das necessidades. "Pode-se fazer biodiesel de praticamente toda oleaginosa,por isso acreditamos que, no futuro,o combustível seja um blend de diversas matérias-primas." A expansão do biodiesel, segundo ele, faz parte da estratégia da empresa. "Temos certeza de que, para os próximos cinco anos, o crescimento será enorme", avalia. Carvalho, entretanto, acredita que incentivos sejam necessários para tornar viável a produção. "Nesse ritmo é provável que a meta obrigatória de 2% de biodiesel na mistura convencional não seja alcançada", diz.
De acordo com Miguel Dabdoub, da USP, a questão do desenvolvimento do setor, além das questões tributárias, passa pela evolução do preço do petróleo
no mercado internacional. "É uma conta interessante: em 2003, tínhamos a soja cotada em R$ 45 reais a saca e o barril de petróleo a US$ 25. Hoje temos a soja a R$ 25 a saca e o petróleo a US$ 60", comenta. Na opinião de Dabdoub, quanto mais alto o valor do petróleo no mercado internacional, mais viável se torna o biodiesel.
"Trata-se de uma fonte de energia renovável que, no futuro será de muita importância para o desenvolvimento estratégico do País", avalia. "Temos tudo para sermos os maiores produtores de biodiesel no mundo, basta o programa ser visto com seriedade", afirma.

OESP, 20/07/2005, Agrícola, p. G6-G7

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