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Billings chega aos 85 anos com saúde fragilizada

OESP, Vida, p. A20
04 de Abr de 2010

Billings chega aos 85 anos com saúde fragilizada
Aumento da ocupação irregular é a principal ameaça ao reservatório; para governo, porém, a regulamentação da lei vai ajudar a melhorar a situação ambiental da represa

Afra Balazina

A represa Billings chegou aos 85 anos com a saúde debilitada. O reservatório abastece aproximadamente 1,8 milhão de pessoas na região metropolitana de São Paulo. Também recebe pescadores e nadadores, que constantemente têm a companhia de lixo como garrafas PET, embalagens de todos os tipos e sacolas plásticas.
Em alguns trechos do manancial, ainda se nota um ar campestre, com chácaras e cavalos. Mas uma das principais ameaças é a ocupação irregular que tomou suas margens ao longo dos anos. O problema é persistente. Dados preliminares do Relatório Billings 2010, produzido pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), indicam que existem cerca de 20 mil moradias em construção, sendo ampliadas ou verticalizadas. O aumento populacional é estimado em 100 mil pessoas - o equivalente a 10% da atual ocupação da bacia do reservatório.
De acordo com Carlos Bocuhy, presidente do Proam, esse adensamento causa inúmeros impactos ambientais: desmatamento, impermeabilização do solo, aumento do esgoto lançado sem tratamento na represa e lixões irregulares nas margens do reservatório. O documento completo da ONG será publicado no início de junho.
Fiscalização difícil. Uma das estratégias dos moradores que mais dificulta a fiscalização pelo governo é o aluguel ou a venda da laje para outras famílias. As casas nas favelas e os loteamentos precários, assim, acabam se transformando em pequenos prédios.
Silveti Rodrigues da Cruz, de 48 anos, é vizinha há 30 da Billings, no Jardim Monte Verde, no distrito do Grajaú, na zona sul de São Paulo. Segundo ela, a área passou de um grande matagal para um aglomerado de habitações. "Antes, a gente via até macaco aqui. Nessa época, eu ia com a família passear na represa e dava para comer o peixe de lá." Agora, ela diz não ter coragem de chegar perto do reservatório. "Só tem maloqueiro. Jogam esgoto e até cadáver ali."
Já no núcleo Santa Cruz, em São Bernardo do Campo, no ABC, o que chama a atenção é uma parte da Billings que mais parece um tapete verde, feito com incontáveis plantas aquáticas. A enorme quantidade de vegetação é sinal de que há um desequilíbrio ambiental na área, provavelmente em razão do esgoto não tratado. Na última quarta-feira, dois meninos pescavam no local. Mas eles disseram não ter coragem de comer os lambaris que pegavam. O motoboy Luiz Carlos Miguel, morador do bairro, reclamava da falta de saneamento. "É um descaso muito grande."
Ações. Fernanda Bandeira de Mello, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, afirma que "o trabalho está acelerado para implementar o grupo de fiscalização integrada na área, que terá ações conjuntas do Estado e dos municípios" e contará com a Polícia Ambiental. Segundo ela, é a interação entre as duas instâncias de poder que permite ampliar a fiscalização preventiva de ocupações ilegais.
De acordo com Amauri Pollachi, da Secretaria Estadual de Saneamento e Energia, atualmente existe "perto de 50% de cobertura de rede de esgoto na região". "A tendência é que esse número avance substancialmente", diz.
Com a aprovação da Lei Específica da Billings e a regulamentação dela, feita em janeiro deste ano, será possível regularizar e dar infraestrutura para muitas ocupações - o que preocupa ambientalistas, que preferem que o local tenha o mínimo de intervenção humana possível.
A legislação anterior, elaborada para todas as áreas de mananciais, não permitia a implementação de infraestrutura nesses locais, já que, teoricamente, eles não deveriam ser habitados. Segundo Pollachi, não é possível uma remoção maciça, mas algumas irão ocorrer.
Numa parceria com a Prefeitura de São Paulo, por exemplo, serão retiradas cerca de 3 mil das 20 mil famílias que são abrigadas por 11 áreas da Billings. De acordo com Pollachi, a retirada desses moradores é inerente também ao processo de urbanização. "É necessária a abertura de vias para a passagem de caminhões de lixo, de ambulâncias. Com isso, acabam sendo removidas entre 15% e 20% do total de famílias", afirma.
As mudanças não acontecerão do dia para a noite, diz ele. Mas ele espera que nos 90 anos da Billings seja possível "demonstrar uma melhoria perceptível do manancial".

Pescadores elogiam o reservatório

Orlando Feliciano Dias, de 57 anos, começou a pescar na Billings em 1973 para garantir sua sobrevivência. "Foi aqui que casei, que criei meus filhos. Se depender de mim, quero morrer bem no meio da represa."
Sua mulher, Vanderléa Rochumback Dias, de 42, também não deseja sair do Riacho Grande, onde moram, muito menos trocar de profissão. "Adoro pescar e não conseguiria viver sem ver água e mato como aqui", diz. Ela conta que a Billings já foi pior para a pesca. "Tinha época que o cheiro ficava muito forte, era difícil até para respirar. Decidimos pescar na região de Piracicaba por um período e depois voltamos", afirma. Quando a obra do trecho sul do Rodoanel começou, também era difícil fisgar algo.
Hoje, Vanderléa é a responsável pela colônia de pescadores Z1 de São Bernardo do Campo, que possui 280 profissionais cadastrados. Antes, o que mais se pescava era tilápia. Hoje, o mais abundante é o acará. "Mas também pegamos um pouco de traíra, carpa, bagre e lambari." A venda é feita na própria casa. Em geral, moradores da região compram o produto para consumo próprio e, em alguns casos, feirantes levam peixes para revender.
"Antigamente, a gente vendia sem limpar mesmo, mas hoje as mulheres não querem mais ter esse trabalho", explica o pescador. Nos mais de 30 anos em que atua na Billings, Dias não teve muitos sobressaltos. Só uma vez o barco em que estava virou. "Achei que fosse morrer de frio. Mas depois de uns 40 minutos recebemos ajuda", lembra.

OESP, 04/04/2010, Vida, p. A20

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