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Bem preservado, Cinturão controla até enchentes

OESP, Agrícola, p. G6-G7
06 de Jul de 2005

Bem preservado, Cinturão controla até enchentes
Área agrícola em torno da capital é fundamental para absorver água da chuva. Por isso, cultivo orgânico é o mais indicado

Niza Souza

Há 25 anos, quando o horticultor Guerino Ramalho Pagels Neto, proprietário da Chárara Guerino, no Bairro Dona Benta, em Suzano (SP), comprou sua propriedade, promovendo-se de trabalhador para produtor rural, não havia quase nenhuma edificação em torno da chácara, a não ser outras pequenas hortas e muita mata nativa.
Hoje, porém, o cenário modificou-se bastante. Seus 10 hectares estão cercados por casas, condomínios e comércio, e sua propriedade, antes distante do centro, já quase integra a periferia do município. "Daqui a uns dez anos terei de ir para outro lugar afastado", diz Pagels.
PERDA DE ÁREA
Suzano está entre os municípios do Cinturão Verde de São Paulo que mais perderam área agrícola entre 1970 e 1996. No município, que fica a 50 quilômetros da capital, havia, em 1970, 11.100 hectares de área cultivada. Em 1995/1996, eram apenas 1.500 hectares. Mogi das Cruzes, ainda o pólo horticultor mais importante do Cinturão, perdeu, no período, metade de sua área cultivada (Confira arte ao lado). Estes dados compõem um estudo do Instituto de Economia Agrícola (IEA), da Secretaria de Agricultura paulista, divulgado no início do ano. O estudo, elaborado pelos pesquisadores Maria Carlota Meloni Vicente; Vera Lúcia Ferraz dos Santos Francisco e Jorge T. R. Kulaif, focou a atividade agrícola nas sub-bacias dos Rios Tietê-Cabeceiras e do Rio Guarapiranga - regiões que integram o Cinturão Verde.
O diretor de Agricultura e Abastecimento de Suzano, Jesus Paulo Rita, acredita, porém, que a área plantada no município tenha aumentado um pouco nos últimos cinco anos. "Temos cerca de 3.700 hectares e 450 produtores. Basicamente são áreas que estavam ociosas e voltaram a produzir. Mas ainda é pouco", diz. E o pouco que resta está sendo espremido pela urbanização, que avança e ameaça áreas rurais.
Mas essa redução na área cultivada não representa pura e simplesmente uma menor produção agrícola desses municípios. Pensando em termos mais amplos, até mesmo nas enchentes e no controle térmico da capital paulista, a maior impermeabilização do solo do Cinturão, com áreas urbanas avançando sobre as rurais, traz muitas conseqüências negativas.
CONTROLE TÉRMICO
Já foi comprovado que a cobertura vegetal do Cinturão Verde controla, por exemplo, a expansão das ilhas de calor - geradas pela degradação ambiental - do centro em direção à periferia. Por isso, as ações de um produtor rural a 100 quilômetros da capital paulista podem influenciar diretamente nas enchentes. Manter a mata nativa, adotar boas práticas agrícolas, com agricultura orgânica, preservar mananciais, reduzir ou eliminar o uso de agrotóxicos, ajudam, e muito, a preservar o meio ambiente, e, por tabela, a reduzir os efeitos das enchentes, dizem especialistas.
PISCINÃO
"O Cinturão funciona como um piscinão. Retém as águas das chuvas e depois vai liberando aos poucos. Ele tem um papel fundamental para a água, tanto para área rural, quanto para a urbana", destaca o coordenador da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde, Rodrigo Victor. "Talvez em chuvas mais amenas a capital não sentisse tanto os seus efeitos. O Cinturão abriga, em rios, nascentes e represas, quase toda a água que abastece a região metropolitana e a Baixada Santista. São quase 20 milhões de pessoas."
Um programa realizado em convênio entre a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) e a prefeitura de Suzano tenta conscientizar produtores rurais sobre a importância da preservação. "O trabalho é voltado a produtores da região da microbacia do Rio Guaio e envolve 150 agricultores", explica Paulo Rita. Os produtores são orientados a proteger mananciais, replantar mata ciliar e reduzir o uso de agrotóxicos. "Estamos incentivando a conversão das propriedades para agricultura orgânica. Mas ainda há resistência."

Agricultura orgânica é a solução
Pesquisa garante que esta é a melhor maneira de produtores conservarem a região, que é reserva da biosfera
A área verde, principalmente em zonas rurais, dentro do Cinturão está cada vez menor. Segundo levantamento do Instituto Florestal, a região abriga 600 mil hectares de florestas. Destes, apenas 220 mil hectares são áreas protegidas. O restante está em propriedades particulares.
"Mas é importante destacar que o cenário de desmatamento na região está se invertendo e a área verde parou de se reduzir. Isso já é um bom sinal", diz Rodrigo Victor. Ainda há, porém, áreas de devastação e, quanto mais próximo a áreas urbanas, maior a perda.
Desde 1996, a doutora em agronomia Ondalva Serrano desenvolve um trabalho na chamada Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo. "Antigamente, era uma área predominantemente agrícola. O eixo leste-oeste já foi, porém, bastante destruído por causa do sistema viário e da expansão da área urbana", explica.
"Estamos, por isso, fazendo um trabalho de conscientização para conservação do ecossistema. Temos três linhas de trabalho: conservar o que sobrou, recuperar áreas degradadas e propagar o manejo sustentável." Para Ondalva, a agricultura é essencial para a recomposição da cobertura vegetal do Cinturão. "E o sistema orgânico, de agricultura sustentável, é o caminho."
MUDANÇA DE PERFIL
Apesar da resistência de muitos, algumas iniciativas começam a mudar o perfil dos produtores no Cinturão. "Sou quase orgânico. Fiz os canteiros em forma de curva de nível, para evitar a erosão, adubo só com esterco; no inverno faço rotação. Uso apenas um fungicida, só quando necessário, contra um fungo que não consigo controlar", diz o produtor Guerino Pagels Neto, um dos maiores produtores de alface de Suzano. No verão, chega a colher 160 mil pés por mês em 10 hectares.
Outro cuidado, diz o produtor, é em relação aos cursos d'água que passam por sua propriedade. "Não tenho mata nativa aqui porque estou espremido pela urbanização. Mas mantenho o mato que cresce na beirada, para segurar a terra e evitar que os cursos se alarguem."
LOTEAMENTOS
Em Salesópolis, segundo o estudo do IEA, a queda na área agrícola também ocorre, mas é menor. Caiu de 21.500 hectares, em 1970, para 19 mil em 1995/1996. A agricultura perde área, principalmente, para loteamentos. Como ocorreu na propriedade da família de José Romão Sandoval.
Depois que o pai morreu, em 1993, a fazenda de 100 hectares foi dividida entre os irmãos. A maioria vendeu as terras e foi para a cidade. "Mas fiz questão de manter a minha parte produtiva", diz Sandoval.
Nos 9 hectares que herdou, ele planta hortaliças. "Por enquanto tenho apenas 1 hectare plantado. Mas consigo manter uma boa renda", conta. Em outra parte mantém uma área de pasto e, em outros 2 hectares, que estavam desmatados, está reflorestando.
CERTIFICAÇÃO
Essa preocupação com o meio ambiente também se reflete na sua horta, orgânica. "Faço rotação de cultura, não uso nenhum tipo de agrotóxico, uso repelente caseiro, calda bordalesa, faço barreiras de vento natural com capim elefante, e preservo a mata ciliar na nascente. Consegui a certificação orgânica há um mês", diz.
"Com isso, consigo preço melhor pelos meus produtos." Para melhorar a renda, o produtor está investindo no cultivo de legumes em estufa. Ele reconhece que há muita resistência por parte dos produtores, mas acredita que a agricultura orgânica é o futuro na região. "Compensa. Hoje não tenho gastos com a lavoura: só planto, irrigo e colho."
A conversão de agricultura convencional para orgânica, em 1990, também não foi fácil para o produtor Kasuo Kusumoto, de Mogi das Cruzes. "Não colhemos nada nos três primeiros anos.
Quase largamos o campo, como muitos outros por aqui", conta. Mas hoje ele não vê outra forma de conduzir sua propriedade. A primeira mudança foi na disposição dos canteiros, que foram todos refeitos, dispostos em curvas de nível, uma forma de prevenir a erosão.
"Temos de respeitar o meio ambiente. Essa é a saída para os produtores", acredita. No sítio, de 18 hectares, 2,5 são destinados ao plantio de hortaliças. "Tenho 4 hectares de mata nativa, que faço questão de preservar, assim como o Rio Claro, que passa pela propriedade", destaca Kusumoto.
SAIBA MAIS: Instituto Florestal, tel. (0--11) 6231-8555; IEA, tel. (0--11) 5067-0451

OESP, 06/07/2005, Agrícola, p. G6-G7

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