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Belo Monte: o que está em jogo?

O Globo, Economia, p. 23
Autor: SALES, Claudio J. D.
20 de Abr de 2010

Belo Monte: o que está em jogo?

Claudio J.D. Salles

Hoje, sanados obstáculos de última hora, deve acontecer o leilão da usina de Belo Monte, um megaprojeto que acumula décadas de história.

A imagem de 1989 com a índia Tuíra empunhando um facão contra o rosto do engenheiro Muniz - atual presidente da Eletrobrás - expressa as controvérsias que persistem sobre a usina. O facão permanece empunhado.

O acalorado debate dos últimos dias ganhou tons "hollywoodianos", com a mais óbvia exploração comercial do evento por pessoas que, como especialistas em Brasil (ou em energia), não passam de atores ou diretores de cinema.

Tal debate entre grupos de pressão talvez possa ser reconduzido à racionalidade com uma análise apoiada nos pilares econômico, social e ambiental.

Na dimensão econômica, ocorreu pelo menos um dos três pecados capitais da Teoria de Leilões: aquele que se refere a obstáculos que diminuem a participação de competidores. O preço-teto definido pelo governo (preço inicial do leilão) poderia ser considerado como uma barreira de entrada, já que potenciais competidores declararam que os R$ 83 por MWh não viabilizariam o projeto de acordo com seus critérios de risco e rentabilidade. Teria sido melhor ter estabelecido um preço-teto mais alto e ter deixado a redução da tarifa por conta de uma competição mais acirrada gerada pela participação de mais consórcios.

Na dimensão social, um aspecto pouco citado, mas que poderá gerar um valor relevante para a sociedade local é o montante que será arrecadado a título do encargo Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH). Se bem empregados, os cerca de R$ 160 milhões anuais de CFURH que serão recolhidos por Belo Monte podem mudar a realidade da região. Que tal um plano para definir o destino dos R$ 64 milhões anuais (40% do total) que irão para os municípios no entorno da usina? Em quais projetos sociais o estado do Pará e a União (que ficarão com outros 60%) empregarão este dinheiro?

Na dimensão ambiental, um aspecto relevante consiste na desequilibrada "competição" entre instituições e indivíduos. De um lado, centenas de servidores (dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, Ibama, Funai, Aneel e outros) que durante anos investiram milhares de horas para desenvolver processos formais de avaliação dos empreendimentos de energia, com base numa legislação ambiental rigorosa.

De outro lado, decisões individuais de um (um!) juiz, motivado pela posição de um (um!) promotor público, que depois de dedicar algumas horas para suas "análises", e às vésperas dos leilões, paralisam ou atrasam a expansão da matriz energética.

Não há mais espaço para agendas ideológicas ou individuais. Belo Monte e futuros projetos de geração de energia de qualquer fonte precisam ser pensados de forma racional, equilibrando os custos e os benefícios econômicos, sociais e ambientais.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil

O Globo, 20/04/2010, Economia, p. 23

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