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Belo Monte foca em ações para aumentar pesca no rio Xingu

Valor Econômico - https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/06/07
07 de Jun de 2023

Belo Monte foca em ações para aumentar pesca no rio Xingu

Por Fábio Couto - De Altamira (PA) 07/06/2023

Imponente no meio da Floresta Amazônica, a hidrelétrica de Belo Monte ainda precisa atender a demandas de moradores, pescadores e ribeirinhos para obter a renovação da licença de operação pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Embora tenha foco nas obrigações ambientais a cumprir, a Norte Energia, dona de Belo Monte, quer colocar em prática planos que vão além das condicionantes impostas, com foco em projetos verdes, de olho na agenda ESG (iniciativas nas áreas ambiental, social e de governança corporativa).

Em julho de 2021, a Norte Energia solicitou a renovação da licença, que está em análise pelo Ibama. O órgão indicou que a decisão será técnica, porém ainda sem prazo para o anúncio. Ontem o Valor mostrou as dificuldades da Norte Energia para a emissão da nova licença de operação. Hoje a segunda reportagem apresenta os planos da empresa para ir além das obrigações estabelecidas no licenciamento com o Ibama.

Condicionantes ambientais são obrigações estabelecidas nos processos de licenciamento. Belo Monte, como outros projetos de infraestrutura que precisam de aval de órgãos ambientais, passa por três etapas. A licença prévia estabelece um primeiro lote de exigências a serem atendidas e indica a viabilidade ambiental do projeto. A licença de instalação autoriza o início das obras, com cronograma para medidas de mitigação e compensação de impactos ambientais. A licença de operação libera o início das atividades e é renovada periodicamente de modo a permitir ao órgão ambiental que acompanhe o cumprimento das condicionantes.

Leiloada em abril de 2010, a usina teve a concessão assinada em agosto do mesmo ano, com obras iniciadas no ano seguinte. Em 2015, saiu a licença de operação que permitiu à empresa acionar a primeira das 24 turbinas distribuídas em duas casas de força (18 na principal e seis na complementar). Desde novembro de 2019, a usina de 11.233 megawatts (MW) de potência está em plena operação comercial. Situada na rodovia Transamazônica, a maior hidrelétrica 100% em território brasileiro demandou mais de 3 milhões de metros cúbicos (m3) de concreto e os equipamentos instalados na usina totalizavam quase 100 mil toneladas. Itaipu, com 14 mil MW, não pode ser considerada a número um em geração porque é dividida ao meio pela fronteira com o Paraguai, deixando 7 mil MW para cada lado. O reservatório de Belo Monte, a despeito do tamanho da usina, tem 478 quilômetros quadrados (km2), pouco mais de um terço do previsto nos primeiros projetos.

É o que se chama de usina a "fio d'água", sem poder guardar água por muito tempo. Assim, a usina gera a pleno nos períodos de cheia e fica praticamente parada na estação seca. A garantia física (energia 100% assegurada pela usina ao longo do tempo, para fins comerciais) da hidrelétrica é de 4.571 MW médios. O arranjo foi o possível para aproveitar o potencial do rio Xingu, minimizando impactos ambientais. "O desenho da geração da usina se deu porque os rios amazônicos são de grande sazonalidade. O primeiro semestre é de cheias e o segundo é o de seca, com pico entre agosto e setembro", disse Silvia Cabral, superintendente de sustentabilidade da Norte Energia.

O plano básico ambiental estabeleceu, para a obtenção da licença de operação, 36 condicionantes que se desdobram em 71 obrigações: 18 foram concluídas e validadas pelo Ibama, 13 foram atendidas e aguardando validação dos órgãos competentes e 40 estão em atendimento. Dessas 40 obrigações, 30 são permanentes e perdurarão com o status "em andamento" em toda a concessão, como o monitoramento contínuo da qualidade da água. Outras 10 são ações relacionadas a pescadores, populações ribeirinhas e indígenas, dependendo de órgãos como prefeituras e Fundação Nacional do Índio (Funai), entre outras entidades. Ao todo, as condicionantes agruparam mais de 5 mil ações socioambientais, diz Luciana Soares, superintendente socioambiental da Norte Energia. "Surgiram desafios ao longo do período, sempre reportados, com a participação e engajamento do Ibama, e das partes interessadas", afirmou Soares.

Vazão do Xingu deveria ser maior do que os atuais 8 mil metros cúbicos por segundo"

Uma das apostas da Norte Energia é a construção, na Volta Grande do Xingu, de sete soleiras para aumentar a fauna fluvial no local. As soleiras serão obstáculos à vazão do Rio Xingu, para ampliar a área alagada na região, produzindo o chamado efeito remanso. A ideia é aproveitar barreiras rochosas que já existem no leito do rio (pedrais) para implantar as soleiras, que serão compostas por rochas retiradas na escavação da área da construção da usina e compactadas com solo da região. A intervenção busca reproduzir a característica pedregosa da Volta Grande do Xingu - por onde se vê navegação de embarcações pequenas, como lanchas e voadeiras. Barcos de maior porte não transitam pelo trecho no período de chuvas por causa do risco de atingir as rochas submersas.

A Volta Grande do Xingu ficou marcada, após as obras da usina, pela vazão reduzida do rio. Com as soleiras, a Norte Energia espera permitir maior reprodução de peixes, especialmente no período de piracema, e de animais aquáticos, como o tracajá, diz Roberto Leandro da Silva, gerente de monitoramento socioambiental da Norte Energia.

O projeto das soleiras foi desenhado em parceria com o Lactec, centro de pesquisa do Paraná, que desenvolveu um modelo reduzido da usina e da Volta Grande, para replicar as condições do local. A perspectiva da Norte Energia é que as soleiras estejam concluídas três anos após a liberação do Ibama, segundo Silva. A proposta foi apresentada pela Norte Energia para a população local, diz Luciana Soares.

A expectativa da empresa com as soleiras é aumentar a pesca e reduzir eventuais conflitos com ribeirinhos. Mas o projeto não tem consenso. O pesquisador Juarez Carlos Brito Pessuti, professor titular do núcleo de altos estudos amazônicos da Universidade Federal do Pará, afirma que a estimativa de aumento da área alagada é de 10%, insuficiente para alimentar a fauna e pode causar redução ainda maior na vazão à montante (rio abaixo). Pessuti avalia que o Xingu precisa de um nível satisfatório de inundação que garanta a oferta de alimentos para os ribeirinhos.

"É uma dinâmica geológica sem pé nem cabeça", afirma o pesquisador, crítico do processo de licenciamento. Para ele, a vazão do rio Xingu deveria ser maior do que os atuais 8 mil metros cúbicos por segundo (m3 /s) autorizados pelo Ibama. Para ele, o atual quadro é uma "catástrofe socioambiental", que afronta a Constituição Federal, cujo artigo 169 garante respeito ao modo de vida dos ribeirinhos e indígenas, que hoje contam com quantidade menor de peixes. Estudos mostram que houve redução de 14% da população de peixes em seis anos. Essa queda se deu pela migração das espécies para outras áreas, após a entrada em operação da usina.

Em um ponto "submerso" da usina, técnicos monitoram peixes que nadam na direção contrária à vazão, pela chamada "escada de peixes", em busca de locais mais adequados para reproduzir. Silva diz que o acompanhamento feito nos peixes, que tiveram chips implantados pela equipe de biólogos da empresa, indica um fluxo normal das espécies, sinal de que os peixes têm conseguido atravessar a "escada" rio acima.

O Ibama afirmou ao Valor, em nota, que solicitou à Norte Energia que fornecesse informações adicionais e mais detalhadas dos possíveis impactos (positivos e negativos) da implantação e operação das soleiras. Também pediu detalhes de medidas de mitigação e compensação de tais impactos e previsão para apresentar o projeto na região, bem como a realização de consultas públicas. O Ibama quer também alternativas para mitigar impactos na Volta Grande do Xingu caso as soleiras não sejam construídas. Todo o material apresentado pela Norte Energia está sob análise da autarquia ambiental.

Além das soleiras, a empresa joga as fichas no projeto de instalação de uma usina solar de cerca de 186 MW na área da usina. O objetivo é negociar energia no mercado livre, também de olho na implantação de projetos de hidrogênio verde no Pará, diz Eduardo Camillo, superintendente de relações institucionais da companhia. Empresas interessadas em produzir hidrogênio verde e amônia procuraram a Norte Energia para buscar fornecimento de eletricidade para planta de hidrogênio verde na região de Altamira.

A fonte solar é considerada ideal para complementar a hidrelétrica. A Norte Energia também estuda instalar painéis nas margens do rio, flutuantes ou fixos, em um total de 4 MW de capacidade instalada, diz Camillo. A Volta Grande do Xingu conta com painéis solares instalados para atender comunidades locais e indígenas. O projeto teve parecer do Ibama, favorável à instalação.

A empresa investiu R$ 6,3 bilhões em ações ambientais implantadas no entorno da usina desde o início da construção em Altamira, o maior município do país em extensão territorial. Silvia Cabral, a superintendente de sustentabilidade da Norte Energia, diz que mais de 100 projetos ambientais foram implementados por Belo Monte desde o começo da construção em 2011.

Entre as ações, a Norte Energia celebrou acordos com a prefeitura de Altamira para obras de saneamento básico, entre outras iniciativas. A companhia implantou mais de 500 quilômetros de extensão de rede de água e esgoto e removeu cerca de 27 mil pessoas que moravam em palafitas, para realocá-las em bairros planejados. Após a entrega das casas, a prestação dos serviços públicos ficou a cargo da prefeitura. E é no terreno antes ocupado pelas palafitas, agora vazio, que a Norte Energia pretende instalar a usina solar para atender à produção de hidrogênio verde.

O repórter viajou a convite da Norte Energia

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