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Belo Monte enfrenta nova polêmica, agora em torno do pacu

O Globo, Economia, p. 16
07 de Jan de 2021

Belo Monte enfrenta nova polêmica, agora em torno do pacu
Ibama determina vazão menor de água à usina para reduzir danos ambientais, como a redução de tamanho do peixe; ONS vê risco de hidrelétrica parar de janeiro a abril

Manoel Ventura
06/01/2021

BRASÍLIA - A definição sobre a quantidade de água que será liberada para o Rio Xingu pela hidrelétrica de Belo Monte, instalada no Pará, gera uma polêmica dentro do governo.
De um lado, técnicos do setor elétrico avaliam que a manutenção de regras mais restritivas adotadas pelo Ibama no fim do ano passado vai reduzir a geração de eletricidade pela usina e prejudicar o sistema nacional de energia, em um momento de expectativa de aumento da demanda com a retomada da economia.
Em outra frente, o Ibama vê na medida uma forma de reduzir impactos ambientais identificados na qualidade da água, pesca, navegação e modos de vida da população ribeirinha causados pela baixa vazão do rio.
Segundo o Ibama, já houve até redução no tamanho e peso de espécies de pacu, peixe que é um dos principais recursos para alimentação na região.
A quantidade de água que é liberada para banhar o curso natural do Rio Xingu é determinada pelo Ibama por meio de um documento chamado hidrograma.
O restante dessa água, que não segue para o rio, é desviada para mover as turbinas da usina de Belo Monte, a maior hidrelétrica instalada totalmente em território nacional. Quanto mais água o Ibama determinar que seja liberado para o rio, menos sobra para gerar energia.
No fim do ano passado, o Ibama determinou que a Norte Energia, concessionária responsável pela administração da usina, aumente a quantidade de água liberada para o rio, intensificando a polêmica em torno do assunto.
Impacto para ribeirinhos
O órgão federal tomou a medida ao identificar impactos ambientais e sobre populações ribeirinhas maiores que os previstos depois do início das operações da hidrelétrica, em 2019.
Na prática, a nova regra do Ibama determina que a usina direcione mais água para um trecho do rio, chamado Volta Grande do Xingu, onde vivem diversas comunidades, e menos para suas turbinas.
Embora a decisão do Ibama se limite a alguns meses, há um temor dos técnicos da área de energia de que essa regra seja mantida.
Uma nota técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), obtida pelo GLOBO, ilustra a preocupação. O documento afirma que a redução da vazão para a hidrelétrica irá gerar "reduções significativas na geração total do Complexo Belo Monte, com possibilidade de severas consequências para a garantia do atendimento eletroenergético do Sistema Interligado Nacional (SIN, a rede federal de eletricidade)".
O ONS diz que a usina pode chegar a parar entre janeiro e abril, porque a água que o Ibama determinou que seja direcionada para o rio é maior que a vazão natural.
Segundo os técnicos, seria preciso gerar mais energia por meio de termelétricas. E mesmo essa geração pode não ser suficiente, "sendo necessário complementação hidrelétrica, comprometendo a recuperação dos níveis de armazenamento até o final desse período úmido", de acordo com o ONS.
Durante a construção da barragem, a própria Norte Energia havia definido a quantidade de água a ser liberada para o rio.
Uma nota técnica do Ibama, também obtida pelo GLOBO, afirma que essa regra fez com que, no trecho com pouca água, fosse percebida uma "alteração significativa na abundância, riqueza, composição, tamanho corporal, atividades reprodutivas" e outras mudanças que afetaram as espécies de peixe na região.
O estudo também cita impactos em setores mais afastados da barragem, a diminuição de tamanho e peso de espécies de pacu, um dos recursos alimentares mais importantes na região, além dos impactos na atividade pesqueira na fase inicial de operação da usina.
Disputa começou em 2006
A discussão sobre a partilha das águas entre as necessidades dos moradores e ecossistemas do Xingu e os interesses da usina não é de hoje. Ela começou já no licenciamento ambiental da usina, a partir de 2006.
Desde aquela época, movimentos sociais, o Ministério Público e técnicos do Ibama alertaram ser necessário mais água para a Volta Grande do Xingu. Para manter a geração da usina, porém, foi mantida uma vazão menor.
Procurado pelo GLOBO, o Ibama disse que, durante as análises ocorridas ao longo de 2019, verificou um aumento na intensidade de alguns impactos ambientais já previstos, especialmente referentes às inundações periódicas das planícies, alteração nas populações de peixes, navegação, dentre outros.
"Com esse cenário, o Ibama requereu estudos complementares referentes ao trecho de vazão reduzida na Volta Grande do Xingu, onde incidem os impactos decorrentes do hidrograma. Somente agora, em dezembro de 2020, tais estudos foram entregues pelo empreendedor. Após a análise de tais dados o Ibama deve se pronunciar acerca da manutenção ou não do atual hidrograma, o que deve acontecer no primeiro bimestre de 2021", diz o Ibama.
A Norte Energia informou que monitora impactos desde antes da entrada em plena operação da usina. Também considerou que a estrutura operacional e financeira da hidrelétrica foi elaborada levando em conta as regras anteriores sobre o uso da água.
"Qualquer alteração provocará não somente a redução da capacidade de geração da usina como também impactos na segurança do sistema interligado nacional, com o compartilhamento do custo com todos os agentes do setor elétrico", afirma a nota.
O Ministério de Minas e Energia informou que acompanha o processo em andamento no Ibama e aguarda o término da análise.
O ONS informou em nota que já enviou as informações sobre o tema solicitadas pelo Ministério de Minas e Energia, que está "alinhando a questão" com o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente: "Assim que houver uma definição entre todas as partes, as diretrizes de operação serão apresentadas".

Eletronorte avalia comprar fatia da Eletrobras em Belo Monte
A Eletronorte, subsidiária da estatal Eletrobras, tem avaliado a possibilidade de vender sua participação na Norte Brasil Transmissora de Energia (NBTE), proprietária do enorme linhão de transmissão que leva ao Sudeste a energia das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia.
A companhia abriu licitação para a contratação de uma assessoria que deverá apoiá-la na decisão sobre a eventual venda do ativo, de acordo com informações no Diário Oficial da União desta quarta-feira.
A licitação também envolverá apoio a avaliações sobre eventual aquisição, pela Eletronorte, das ações detidas pela Eletrobras na Norte Energia, grupo que reúne os sócios da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Os serviços de assessoria a serem contratados pela empresa deverão envolver due diligence e avaliação do valor dos ativos (valuation), segundo edital.
Usina de problemas

Garimpo ilegal afeta linhas de transmissão, segundo empresa
O garimpo ilegal no Pará ameaça derrubar uma linha de transmissão, alertou a empresa que a administra o "Iinhão". A Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE) informou em julho que o problema ainda não acabou. Segundo a companhia, a atividade clandestina tem ameaçado a sustentação das torres.
Corrupção: construção da usina é investigada pelo Ministério Público
O processo de construção da usina está sob investigação do Ministério Público Federal, em processo iniciado com a operação Lava-Jato. A suspeita é de pagamentos a partidos políticos e parlamentares.

Geração de energia abaixo do esperado
A capacidade de produção de Belo Monte é de 11.233 MW, mas a média por mês que realmente está sendo entregue é de 4.571 MW em razão da vazão do rio Xingu. A seca se concentra nos meses de julho a novembro..

Disputa pela água e risco de redução na capacidade de geração
A usina pode ter a capacidade de geração reduzida, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico, por conta de mudanças determinas pelo Ibama na vazão do Rio Xingu. O Ibama vê impactos ambientais maiores que o previsto com a vazão adotada anteriormente.

O Globo, 07/01/2021, Economia, p. 16

https://oglobo.globo.com/economia/belo-monte-enfrenta-nova-polemica-ago…

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